O Programa de Acção que o Secretariado Nacional da FENPROF apresenta a este Congresso, bem como a apresentação que dele foi feita, demonstram bem o entendimento que temos da conjuntura política que atravessamos, da fase actual do neoliberalismo que se vive um pouco por todo o mundo, das pretensões que governos neoconservadores como o nosso perseguem e dos resultados que pretendem atingir. O mercado da educação, instalado, estruturado e regulado na lógica do mercado tradicional é o seu objectivo principal neste domínio.
Nos últimos anos, vários e significativos passos foram dados nesse sentido. O actual Governo não podia ter sido mais claro nas suas intenções quando inscreveu no seu Programa que havia que acabar com o monopólio do Estado na área da Educação. Mesmo sabendo todos que a afirmação não tem, hoje, muito de verdadeira, o seu registo não pode deixar de ser bem claro no que toca a um enunciado de intenções que, se bem que por vezes encoberto, define toda uma estratégia política que tem vindo a pautar a acção da equipa governativa nesta área.
Para que tal desiderato seja atingido, para que o deus mercado dite impunemente as suas regras, existe hoje um escolho importante que há que ser removido para que este caminho possa ser percorrido sem sobressaltos. Esse escolho é, em muitos e decisivos domínios, a actual Lei de Bases do Sistema Educativo. Como tal, adulterá-la e subvertê-la, naquilo que muito se configura com um ajuste de contas com a nossa história recente, e com Abril concretamente, passou a ser a determinação cega do actual Governo.
Fará em Maio próximo um ano que a proposta dos partidos do Governo foi apresentada na Assembleia da República, com prazos regimentais de tal ordem que forçou os partidos da oposição a apresentarem, quase sem tempo, projectos alternativos que pudessem concorrer com aquela em termos de um debate público que, apesar de tudo, ainda tem consagração constitucional no nosso país.
Poderá parecer um contra-senso a tanta pressa corresponder tão dilatado prazo para fazer vingar a maioria absoluta à disposição deste Governo no Parlamento. Justificações para este facto terão que ser encontradas quer nos esforços que o Governo desenvolve para que uma Lei desta importância não seja aprovada apenas por uma curta maioria conjuntural ( o namoro ao Partido Socialista tem sido por demais evidente) , quer ainda no facto de a FENPROF e os seus sindicatos terem arrancado este ano lectivo com a promoção de amplos debates entre os professores, muitos deles envolvendo representantes dos partidos representados na Assembleia da República, que denunciaram de forma veemente a estratégia governamental e, podemos dize-lo, condicionaram em muito as opiniões que foram sendo tornadas públicas e que apontam, no essencial, para o rechaço das grandes intenções plasmadas na proposta governamental.
Se é hoje mais clara a percepção de que o financiamento por igual dos ensinos público e privado mais não é do que a porta de entrada no livre mercado da educação, da competição cega entre escolas, da avaliação descontextualizada dos seus resultados brutos e da sua hierarquização tão fria quanto estúpida; se é mais evidente que as políticas da chamada livre escolha educacional se destinam essencialmente a criar condições para que as elites encontrem caminho fácil para a sua procriação, afastados os escolhos de uma indesejável coabitação com as classes menos favorecidas; se é hoje mais consensual que os rankings de escolas não passam de um simulacro de transparência da informação que apenas pretende jogar no marketing educativo subjacente a um mercado em perfeito funcionamento; se é hoje bem perceptível que o binómio avaliação de alunos por provas nacionais standardizadas ? avaliação das respectivas escolas tenderá inevitavelmente a desaguar numa avaliação dos professores essencialmente centrada nos resultados dos seus alunos medidos através dessa provas (hoje com tendência para alastrarem pelos vários ciclos de ensino); se é cada vez mais evidente que a desvalorização da escola pública é a linha de rumo de todos os que apostam em sistemas educativos elitizados, segregacionistas, deslealmente competitivos e, como tal, sem as mínimas preocupações de inclusão das diferenças, sejam elas quais forem, se tudo isto é hoje mais claro para muitos, a preocupação da FENPROF de dinamizar todos os debates que promoveu e que promoverá no futuro terá que ser justamente valorizada como parte dianteira da contracorrente que urgia fosse criada perante tão denodada ofensiva da direita instalada no poder.
Do corpo desta ofensiva, duas matérias, entre outras, merecem ser destacadas ainda aqui, também por constituírem parte substancial da contra-reforma institucional que o poder actual pretende levar a cabo.
A primeira delas respeita à chamada profissionalização da gestão escolar, designação desde já equívoca, como se a gestão das escolas até hoje não tivesse sido assegurada por profissionais dedicados, docentes qualificados que garantiram a sobrevivência de tantas e tantas escolas deste país num quadro da mais completa falta de apoios, de investimento, de condições mínimas de trabalho, quando não em situações de absoluta indefinição de políticas educativas, de desorientações da Administração Central por vezes tão frequentes quanto constrangedoras de boas práticas de gestão ao nível local, de ausência de margens de autonomia responsabilizantes dos que são chamados a decidir na hora, no momento certo, nos contextos concretos, os Conselhos Directivos de tantos anos e os Conselhos Executivos actuais.
Neste domínio o que se pretende não é mais do que acabar de vez com o que resta da gestão democrática conquistada em Abril de 74, acabar com quaisquer resquícios de democracia participativa que possa incidir nas grandes opções pedagógicas de cada escola ou grupo de escolas, expor estas aos ditames de uma Administração cada vez mais centralizada, nomeando ao nível local o agente das suas vontades, o garante do cumprimento cego das suas orientações, o dócil representante das suas intenções de controle do quotidiano escolar, enfim, a figura a que chamam gestor profissional, o elo que faltava na cadeia de comando e também, por fim, o administrativo que irá jogar no mercado da educação e das relações de tipo comercial que se estabeleçam neste como em qualquer outro mercado.
A segunda matéria reporta-se à intenção expressa por este Governo de diminuir de 9 para 6 anos o tronco comum de escolaridade dos jovens que acedem ao sistema escolar português. Perversamente enquadrada num aumento da escolaridade obrigatória para 12 anos - sem quaisquer preocupações demonstradas com o gritante incumprimento da actual escolaridade obrigatória de 9 anos e com os factores políticos, sociais, culturais e económicos que o determinam, bem como com a vergonhosa taxa de frequência do actual ensino secundário que registamos ? esta medida mais não serve que encapotar a ideia de antecipar escolhas, fragmentar o sistema, distinguir precocemente percursos escolares futuros, empurrar jovens para vias de segunda escolha e menor dignidade escolar, contribuir decisivamente para a elitização do sistema educativo que é erguida como meta determinante de toda esta ofensiva neoliberal.
Também estas perspectivas têm sido objecto de discussão séria e profunda da FENPROF com os professores, a par de outras já enunciadas e de outras ainda que virão a terreiro no decorrer dos trabalhos deste Congresso, constituindo a sua percepção clara, a identificação das conexões existentes entre si e, acima de tudo, a compreensão do profundo carácter ideológico de que se reveste a política educativa desta maioria, tarefas inadiáveis de todos nós, professores comprometidos e esclarecidos que debaterão estas matérias nesta magna reunião.
A aprovação comprometida do Programa de Acção que o Secretariado da FENPROF aqui vos apresenta, incluindo a acção e a luta reivindicativa que se aponta aos professores para o curto e médio prazos, constituirá, sem dúvida, um passo em frente no caminho da resistência a esta ofensiva e da consagração de melhores soluções para a democratização da educação e do ensino que ainda está por fazer.