Negociação Iniciativas
Entrevista ao Secretário-Geral da FENPROF

"É tempo de os professores reafirmarem as suas posições em relação ao que rejeitam e ao que exigem"

06 de dezembro, 2022

Num momento importante da luta dos professores, o Jornal da FENPROF (JF) entrevistou o Secretário-Geral da Federação que respondeu a tudo: quanto à luta, considerou que, para ser eficaz, deve ser oportuna e que desperdiçar forças que poderão faltar quando forem mais necessárias, não é do interesse dos professores; quanto aos concursos, afirma que o ME teve de adiar o prosseguimento das negociações devido à forte reação dos professores; em relação a outros problemas que afetam a profissão, não teve dúvidas de que só a sua resolução a valorizará e tornará atrativa para os jovens.

JF: Mário Nogueira, é verdade que a FENPROF, em 5 de dezembro, anunciou como única forma de luta, uma Manifestação Nacional em 4 de março?

Foi, de facto, anunciada uma grande Manifestação Nacional de Professores e Educadores para 4 de março, mas, contrariamente ao que anda por aí a animar as redes socias, esse será um dos momentos altos de afirmação da profissão de professor e não a única forma de luta a desenvolver pelos professores, longe disso.

JF: Então, que outras ações propõe a FENPROF aos professores?

Muitas, umas específicas e outras em convergência com diversas organizações, passando por greve ou greves, concentrações, vigílias, tomadas de posição nas escolas, abaixo-assinados, um dia de paragem em todas as escolas, tipo dia D, tudo isto sem descurar o andamento dos processos negociais, a apresentação de propostas com soluções para os problemas. Agora, como se compreende, cada luta deve ser desenvolvida no momento certo para ter eficácia e permitir a obtenção de resultados. Se assim não for de pouco servem as lutas, só mesmo para provocar desgaste em quem a assume.

JF: Significa isso que este não é o momento certo para desenvolver formas de luta?

É momento, sim. Apesar de terem sido suspensos os processos negociais e adiada a continuação para 2023, entendemos que é tempo de os professores reafirmarem as suas posições em relação ao que rejeitam e ao que exigem. Daí a avançarem, agora, para as formas de luta mais exigentes, desgastando-se para o momento em que elas serão indispensáveis, seria – e recorro à linguagem futebolística, tanto em voga – o mesmo que um treinador “meter a carne toda no assador” para jogar durante o intervalo.

JF: Então o que acontecerá agora?

A uma semana da interrupção letiva e com a negociação dos concursos, que continuaria agora, adiada para janeiro, precisamos, sem sacrifício para os professores, que já este ano participaram em greves e deram muito boa resposta, deixar muito claro junto do ministério o que recusam e o que defendem. Para isso, não precisam de recorrer à greve agora, mas de assumir a sua posição subscrevendo um abaixo-assinado que queremos que seja dos maiores de sempre, participando nas vigílias que decorrerão entre 12 e 15, nelas aprovando moções a enviar à tutela e que os conselhos de turma de final de período, onde houver, também tomem posição.

JF: Essas posições serão agora enviadas ao ministério?

As moções e as posições dos conselhos de turma serão, quanto ao abaixo-assinado será entregue no dia em se retomem as negociações.

JF: E para janeiro, o que se prevê?

A FENPROF iniciará o 2.º período, em 3 de janeiro, entregando milhares de assinaturas que, entretanto, reuniu e se juntam às mais de 20 000 que já deixou no ministério. Retomadas as negociações, teremos novo documento do ME que clarificará as suas intenções. A manterem-se os atuais propósitos, será, então, o tempo de “meter a carne toda no assador”…

JF: Isso significa o quê?

No dia da terceira reunião deste processo negocial, a concentração dos professores junto ao ministério e a entrega deste novo abaixo-assinado. Logo que tenhamos conhecimento do novo documento negocial, convocaremos, em convergência com outras organizações sindicais, um Dia D+L, de debate e luta, para que, nas escolas, os colegas conheçam e tomem posição sobre o seu conteúdo, o discutam e proponham formas de luta a desenvolver, para as quais estejam disponíveis e com as quais se comprometam.

JF: Será, então com os professores que a luta que se decidirá… mas o recurso à greve está no horizonte?

É verdade, será a partir dos professores que a luta ganhará expressão. Não encomendaremos a nenhuma empresa que faça um inquérito para depois avançar a luta que já tínhamos decidido, ainda que não obtenha a maioria das respostas recebidas.

JF: E o recurso à greve está no horizonte?

Obviamente, mas teremos de perceber qual o momento em que será oportuna para os professores não desperdiçarem forças e dinheiro, debilitando-se para os momentos decisivos. Dissemo-lo na conferência de imprensa conjunta. Iremos decidir não só o momento, como o formato da greve, podendo ser num ou em vários dias, por regiões, como as vigílias, por distritos, por tempos ou, até, adquirir outro formato. Isso também será o que, nas escolas, cara a cara com os colegas e não por imposição das redes sociais, iremos colocar à discussão.

JF: Em relação às propostas do ME para a revisão do regime de concursos, o documento de “Perguntas& Respostas” divulgado pelo governo não altera o que estava em cima da mesa?

De forma alguma. É um documento equívoco, de meias-verdades e que omite os aspetos mais gravosos. É um documento de generalidades e enganador.

JF: Exemplos…

Por exemplo, fala-se sempre em quadros, quando nos PPT apresentados na negociação os substitui por mapas de pessoal; reduz as áreas dos atuais QZP, mas em vez de retomar os 23 que já existiram faz coincidir os novos com as 23 CIM e áreas metropolitanas, disso não falando nas suas “FAQ”; diz que os professores em DACL serão colocados em escola próxima, mas omite que não será por graduação no âmbito da Mobilidade Interna, mas por decisão de um conselho local de diretores…

JF Conselho esse que terá outras competências?

Sim, por exemplo, alocar os “QZP” às escolas e agrupamentos da área da CIM ou área metropolitana, deixando de ser por graduação profissional e Mobilidade Interna. Mas há mais, por exemplo, nas “FAQ”, o ME diz que a graduação profissional será sempre o primeiro critério para ocupar um lugar de quadro… então, quais serão os outros? Qual será decisivo, uma entrevista? Atualmente a graduação profissional não é o primeiro, mas o único e assim deve continuar a ser.

JF: O ME, nos documentos que apresentou nas reuniões negociais refere outra forma de recrutamento?

Sim, o perfil de competências.

JF: E que mais não é dito pelo ME nestas “FAQ”?

Que pretende extinguir lugares ao fim de 3 anos mesmo que o titular não tenha saído, que o concurso geral, incluindo o interno, passe para 5 anos e que, preferencialmente, a vinculação se dê na escola de contratação.

JF: Mas isso significará a ocupação dos lugares para o concurso interno…

Claro que sim, mas para o ministro o princípio é que se vive onde se trabalha e não se trabalha onde se vive, portanto, a avançar o seu projeto, poucas serão as hipóteses de haver aproximação à área de residência, desterrando milhares de professores.

JF: Então as questões dos concursos são as únicas que deverão mobilizar os professores para a luta?

Longe disso. A profissão docente tem sofrido fortes ataques e a FENPROF apresentou uma proposta de protocolo negocial ao ME, que espera ver discutido, com a assunção de compromissos da tutela para resolver os problemas e, assim, valorizar e tornar atrativa a profissão. Se tal não acontecer, as escolas debater-se-ão, cada vez mais, com falta de professores qualificados. Este ano, por exemplo, em relação ao anterior, aumentou em 60% o recurso a diplomados não profissionalizados e, apesar disso, continuamos a ter milhares de alunos sem os professores todos.

JF: E quais os aspetos que constam desse protocolo?

Entre outros, a contagem integral do tempo de serviço para carreira, a eliminação das vagas e das quotas, a eliminação da precariedade, pois temos mais de vinte mil colegas contratados com mais de 3 anos de serviço, a aprovação de um regime específico de aposentação, abrindo espaço ao rejuvenescimento da profissão, a regularização dos horários de trabalho ou o respeito pelos colegas com doenças incapacitantes, revendo já este ano o regime de mobilidade por doença…

JF: Motivos para lutar não faltam, é isso?

É verdade e por isso a FENPROF nunca parou. Só este ano letivo já tivemos um grande plenário nacional em 4 de outubro, junto à Assembleia da República, a greve e concentração em 2 de novembro, a greve em 18 de novembro, juntámo-nos à concentração nacional de todos os trabalhadores em 25, já entregámos mais de 20 000 assinaturas de professores contra a contratação pelos diretores e promovemos centenas de plenários e reuniões de escolas em que participaram milhares de professores. Para além das reuniões com ME, Assembleia da República, exposições a muitas entidades, desde o Presidente da República, à Provedoria ou à Comissão Europeia…

JF: Muita ação, pelo que dizes…

Muita. Nunca parámos, nem iremos parar, mas a luta não pode ser um processo contínuo de desgaste dos professores, ela tem de se adequar aos momentos em que poderá ter maior eficácia. Para já, conseguimos travar um processo que estava para prosseguir agora e pelos piores caminhos.

JF: E quanto às organizações, porque não convergem todas as que existem?

Umas porque consideram não haver motivo para agir agora e outras porque entendem que é preciso partir a loiça toda num momento em que a negociação parou. Pedir aos professores que façam uma greve por tempo indeterminado é não perceber que um dos motivos da sua insatisfação é a perda de salário. Por outro lado, marcar uma greve dessas e depois dizer que, afinal, não é para fazer, mas para se faltar de vez em quando, a um tempo ou outro, ou até pagar aos funcionários para fazerem eles greve e fecharem as escolas… não alinhamos nisso, não é sério e é perigoso para o próprio direito à greve.

JF: Então, a luta continua…

A luta continua, nas escolas e na rua, mas, como diz o povo, a luta é para fazer com cabeça e não de cabeça. Foi assim no passado, com ganhos, e será assim no presente e no futuro. A FENPROF não ignora o ruído, mas não se impressiona com ele porque, acima de tudo, tem a responsabilidade de defender os professores nos seus direitos, a Escola Pública e uma Educação de qualidade para as nossas crianças e jovens.

Vamos lutar em cada momento, de acordo com o que o momento exigir. Em 4 de março teremos uma grande Manifestação Nacional para reafirmar que a Profissão de Professor terá de ser valorizada e é uma profissão com futuro. Mas antes e depois, teremos muitas outras ações e lutas que terão de ser fortes.