Nacional
por conta de uma maior exploração dos profissionais

Concurso extraordinário visa apenas embaratecer o custo do trabalho docente

22 de abril, 2014

O presente decreto-lei estabelece um regime excecional destinado à seleção e recrutamento de pessoal docente para os estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário na dependência do Ministério da Educação e Ciência. em anexo pdf

Foi publicado o Decreto-lei 60/2014, de 22 de abril, que fixa as regras de um concurso externo extraordinário a realizar ainda este ano. Este concurso tem um único objetivo: embaratecer os custos do trabalho docente, aumentando a exploração dos professores por conta da ameaça de ficarem desempregados.

O percurso é simples de explicar e teve vários responsáveis no MEC. Tudo começou com Lurdes Rodrigues quando decidiu acabar com os concursos anuais (interno e externo) que permitiam uma natural substituição dos docentes que saíam da profissão, normalmente por aposentação, por outros que até aí tinham sido contratados a termo.

A partir de então (de 2007 para cá) o contingente de professores contratados a termo (precários) aumentou muito, pois os mais de 25.000 professores que se aposentaram entretanto (de 2007 a 2014) foram substituídos, nos quadros, por apenas um milhar. As restantes necessidades permanentes foram colmatadas com precários.

A Nuno Crato coube a grata missão de liquidar, e assim fez. Liquidou milhares de postos de trabalho com medidas que contribuem para a degradação da qualidade do ensino e da organização e funcionamento das escolas, mas cumprem a função principal: despedir professores. Foram os mega-agrupamentos, a eliminação de disciplinas, o aumento do número de alunos por turma, o agravamento dos horários de trabalho ou a redução dos apoios a alunos com necessidades educativas especiais, apenas para falar dos exemplos mais conhecidos.

Despedidos milhares de precários na sequência destas medidas e criado um enorme contingente de professores dos quadros com horário-zero, que entraram em mobilidade interna, o MEC passou a ameaçar estes “efetivos” (depois de o ministro ter negado que tal aconteceria) com a mobilidade especial a aplicar a partir do ano letivo 2014/2015 (o próximo).

Aproveitando-se da pressão exercida sobre os professores, quer com as condições cada vez mais negativas em que trabalham nas escolas, quer com a possibilidade de serem apanhados nas teias da mobilidade interna, o governo veio “oferecer-lhes” a possibilidade de uma saída a bem, antes que pudesse ser a mal. E foi assim que surgiram as chamadas rescisões por mútuo acordo, pelas quais o MEC consegue despedir professores de carreira, que têm muitos anos de serviço, com uma vantagem para o governo: é que são estes a aceitarem ser despedidos em troca de um valor que é calculado, através de fórmula que é mais desfavorável do que a aplicada ao conjunto da Administração Pública.

Este clima de chantagem que foi imposto sobre os professores surtiu os seus efeitos e permite o governo afirmar que o programa de rescisões, com os professores, está a ser um êxito, como se êxito fosse retirar às escolas alguns dos seus melhores profissionais que, sentindo-se ameaçados, tanto profissionalmente, como psicologicamente, aceitam saltar, em muitos casos, para o desconhecido.

Livrando-se o MEC desses professores que, para si, eram considerados como demasiado caros, terá, no entanto, de os substituir por quem, nas escolas, faça o trabalho que não pode deixar de ser realizado. E assim surgem os concursos externos extraordinários, um já realizado em 2013 e outro a realizar em 2014.

Não têm riscos e, pelo contrário, só vantagens:

  • Servem para enganar a União Europeia, convencendo os seus comissários (que, aliás, não serão difíceis de convencer) de estar a ser aplicada a Diretiva 1999/70/CE, o que não é verdade;
     
  • Parece que o MEC está a proporcionar estabilidade aos docentes que entram nos quadros, mas, na verdade, impede que entrem diretamente nos quadros de escola ou agrupamento, remetendo-os para as enormes áreas dos quadros de zona pedagógica. Tal significará que, muitos desses docentes, ficarão ainda mais afastados das suas residências;
     
  • Acresce a este facto, que, sendo colocados hoje (i.e., depois de 2008), o vínculo destes professores continuará a ter alguma precariedade, pois poderão ser despedidos, ao contrário dos colegas que tiveram nomeação definitiva (entraram nos quadros até 2008). Recorda-se que o MEC também já quis impor o despedimento a estes, após passarem pela mobilidade especial, mas o Tribunal Constitucional não o permitiu;
     
  • Sai muito mais barato ter estes professores do que os que, através das rescisões, aceitaram ser despedidos. É que aqueles, mesmo com os congelamentos atuais, encontravam-se em escalões superiores da carreira, que atingiram progredindo enquanto esse direito foi respeitado. Os que entrarão por via dos concursos externos extraordinários, terão um pequeno aumento salarial (passarão do índice salarial 151 para o 167, que corresponde ao do primeiro escalão da carreira, mas não será diferente do que acontecerá com a contratação, que também passará a ser remunerada por esse índice, devido à aplicação (incompleta, diga-se) da Diretiva já referida). Porém, não serão posicionados no escalão / índice a que têm direito, de acordo com o seu tempo de serviço. Provavelmente, se fosse respeitado o Estatuto da Carreira Docente, nem um destes professores ficaria no 1.º escalão, sendo que alguns seriam colocados já no 4.º, 5.º ou 6.º escalão;
     
  • O embaratecimento do trabalho docente, será também conseguido pela via dos horários. É que muitos dos docentes que são despedidos amigavelmente já tinham reduções letivas no seu horário, devido ao seu tempo de serviço e idade, e os que entrarão ficarão com um horário letivo que não tem qualquer redução. Isso, para além de tornar mais barato o custo do trabalho, permitirá ainda reduzir o número de professores no sistema, concentrando mais horas nos que ficam.

 

Assim se confirma que o MEC não está a respeitar os professores, nem os que põe fora, nem os que permite que entrem nos quadros. O MEC está a desvalorizar a profissão docente e a usar a chantagem como forma de obter o seu objetivo economicista.

Por essa razão é justo concluir que o MEC e o governo continuam, cada vez mais, a pôr em causa o futuro da Escola Pública e de Portugal, o que reforça a ideia de que, saída limpa da situação em que vivemos, só mesmo a demissão desta gente!

Mário Nogueira, Secretário Geral da FENPROF