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Formação de Professores

03 de dezembro, 2004

Américo Nunes Peres
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro - Pólo de Chaves

Em 1975, quando iniciei a profissão de professor, embora sem profissionalização, nunca tinha ouvido falar de cultura profissional, pedagogia diferenciada, ensino individualizado, aprendizagem activa, avaliação formativa, metacognição e tantos outros procedimentos pedagógicos-didácticos. Para mim, o importante era dar aulas. Questões como: «O que é apr&r«quo;nder&r«quo;» «O que Ensinar?» «Que identidades »rofissionais dos professores?», não faziam parte dos meus processos de pensamento e acção. Todavia, tinha como referênci algumas pessoas, de carne eosso, ? aquelas u para mim foram ?bons professores? ? e algumas páginas, poucas, de literatura sociológica e psicopedagógica a orientar a minha prática docente.
À primeira vista, esta avaliação da minha formação, embora possa parecer estranha, traduz, contudo, as representações que muitos professores têm da sua formação e profissão. As competências profissionais foram sendo adquiridas a partir das práticas e em interacção com alguma investigação, ganhando significado em contexto de pequenos projectos de autoformação nas mais variadas situações.
Evocando a pedagogia da memória, damo-nos conta que aprender a saber "dar aulas" exigiu alargar a nossa visão da formação, assumindo um papel de aprendizes de investigação, tentando valorizar e contrastar experiências e percursos de vida mais do que lógicas de reciclagem e carências profissionais.
A abertura à crítica foi uma excelente forma de partilhar valores, saberes e práticas, tendo a humildade de querer aprender, com outros, nos pedaços do quotidiano. É por isso mesmo que pensamos que a educação e a formação devem promover projectos e práticas ao longo da vida, capacitando-nos para gerir a mudança com valentia cívica, sabendo que as ideias lineares e as generalizações fáceis não favorecem utopias pedagógicas e reconstruções socioculturais.
Neste sentido, gostaríamos de partilhar convosco algumas reflexões sobre as nossas vivências pessoais e profissionais, abrindo caminho para a formação docente, inicial e contínua, acreditando que é possível dar sentido às perplexidades e incertezas que acompanham a reconstrução e reestruturação da profissão docente.
Abordaremos esta problemática em três pontos: formação inicial, formação contínua e desafios para a formação dos professores.

1. Formação inicial: As reformas, a retórica dos discursos e a desarticulação entre a teoria e a prática.

Para melhorar a formação dos professores é necessário termos uma visão interactiva, ou seja, não uma visão apenas teórica ou uma visão exclusivamente prática. Os próprios estudantes, na sua formação, apercebem-se de que há uma espécie de voz paralela em relação a este discurso. Mas há que assumir uma nova postura em relação aos projectos de formação. Uma relação constante entre a teoria e a prática, entre o terreno escolar e o terreno universitário. As instituições de ensino superior devem trabalhar os dispositivos pedagógico-didácticos, mas é no terreno escolar/educativo que eles se põem em prática, isto é, observando, praticando, trabalhando, e reflectindo sobre a epistemoogia da prática.É neste vai e vem ? teoria/prática ? que a formação dos professores deve ser construída. E mais ainda: a formação centrada nesta articulação entre teoria e prática, deve trabalhar valores, atitudes e comportamentos direccionados para a refundação de uma nova ordem mundial, transformadora/emancipadora, consubstanciada em novas perspectivas críticas de educação para a cidadania.
É evidente que as necessidades de formação são múltiplas e os constrangimentos sociais e institucionais não têm fim. Mas é importante ter consciência de que um bom projecto de formação exigecombinar diferentes racionaldades ? técnica, prática e crítica ? centradas na reflexão crítica sobre as práticas educativas e negociação em equipa pelos vários actores. Só com um processo de conscientização crítica, reflectindo sobre as práticas, é que se pode melhorar o processo de formação. Mas sentimos que ainda há um longo caminho a percorrer.
A metáfora «e Santos Guerr» (1993: 50) sobre o «currículo do nadador», recolhida do texto de Busquet (1974), traduz de uma forma irónica o que se passa ainda em relação à formação inicial, sobretudo no que diz respeito à articulação entre a teoria e a prática. Dizia: "Imagine-se uma escola de natação que se dedicasse um ano a ensinar anatomia e fisiologia da natação, psicologia do nadador, química da água e formação dos oceanos, custos unitários das piscinas por usuário, sociologia da natação (natação e classes sociais), antropologia da natação (o homem e a água) e, claro, a história mundial da natação, dos egípcios aos nossos dias. Tudo isto, evidentemente, à base de cursos magistrais, livros e quadros, mas sem água.
Numa segunda etapa, os alunos nadadores seriam levados a observar, durante alguns meses, outros nadadores experimentados. E depois desta sólida preparação, seriam lançados ao mar, em águas bem profundas, num dia de temporal."
A clarividência da metáfora do «currículo do nadador» permite-nos afirmar que a articulação entre a teoria e a prática é, ainda, o calcanhar de Aquiles da formação dos professores. A tecnocracia reformista não conquistou os professores para a formação.
Assim, pensamos que é importante lançar um olhar sobre o perfil/papel dos intervenientes no processo de formação.
Em relação aos formandos, na maior parte dos países, constatamos a inexistência de quaisquer requisitos para ingressar em cursos vocacionados para o ensino a não ser o certificado do ensino secundário. Geralmente, são alunos com classificações baixas que acedem a estes cursos. Em nosso entender, há que repensar esta situação, promovendo estudos sobre o perfil ideal do docente, que incluam narrativas sobre o auto-conceito, a auto-estima, o praticum, o estágio e a socialização dos professores, tendo em vista a definição de critérios de selecção para os candidatos a futuros professores.
No que diz respeito aos orientadores, não existem grandes indicações sobre o seu perfil e papel na orientação e avaliação do praticum, tornando-se necessário promover investigações que dêem voz às suas experiências formativas.
A propósito dos formadores, trazemos à colação o trocadilho atribuído a Bernard Shaw (1920): Quem sabe, faz. Quem não sabe, ensina. Alguém completou este pensamento acrescentando: Quem não sabe ensinar, forma professores. Quem não sabe formar, faz investigação pedagógica (Nóvoa, 1991: 75).
Embora este rifão ridicularize, de uma forma irónica, o papel do formador e do investigador pedagógico, em nossa opinião contém algo de verdade. As investigações sobre a figura do formador de professores são praticamente inexistentes. Em Portugal, e em muitos outros países, a formação de professores é feita pelas Universidades e Escolas Superiores de Educação, sem uma ligação estreita com as Escolas do mesmo nível dos formandos. Os formadores ignoram os contextos reais onde os futuros professores vão exercer a sua profissão.
Por outro lado, os critérios de selecção destes formadores apenas levam em conta as habilitações académicas, menosprezando competências pedagógico-didácticas e, ainda, outras capacidades/habilidades tais como: sensibilidade, liderança, comunicação, motivação, cooperação, abertura crítica, etc.
Efectivamente, importa reconhecer que os sistemas de formação se têm mostrado desadequados e as reformas não trouxeram ventos favoráveis à mudança. As pessoas não mudam a sua mentalidade e as suas rotinas de um momento para o outro. O problema da construção de identidades profissionais dos docentes exige um exame sério sobre o ensino e a educação e os vários modos de ser professor e o seu engajamento com a comunidade educativa. Porém, os professores não se questionam, habitualmente, sobre estes problemas. A maior parte dos formadores dão as suas disciplinas numa lógica aditiva de currículo, fechando os olhos à realidade e a única preocupação que têm é fornecerem alguns modelos teóricos e sem grande espírito crítico.
Perrenoud (s/d: 156) retrata esta situação com as seguintes palavras: "No mundo académico, a identidade principal, em geral, é disciplinar, ou, eventualmente, interdisciplinar para aqueles que escolhem instalar-se num corredor. Os procedimentos universitá­rios de nomeação e promoção privilegiam os trabalhos científicos reconhecidos pela respeitável comunidade de investigadores e erudi­tos e não atribuem nenhum peso às práticas de formação. Trabalhar sobre as competências e os dispositivos que as constroem não é a via real de uma carreira académica e pode ser uma via de garagem".
Em nossa opinião, é imperioso trabalhar a realidade, redefinindo os objectivos da educação e da formação, compaginando-os com as aprendizagens e com as investigações. Sabemos que são estratégias difíceis de concretizar, mas é possível analisar tendências e desenvolver projectos pró-activos de formação.
Apesar da conflitualidade de opiniões, é precisamente neste contexto, que no ano 2000 surge, em Portugal, o Instituto Nacional de Acreditação da Formação de Professores (INAFOP) que lança os pilares que devem nortear os padrões de qualidade da formação inicial dos professores. Assim, os cursos de formação inicial devem compreeender um currículo que inclua as seguintes componentes de formação, devidamente articuladas entre si:

í) a formação cultural, social e ética que abrange, em complemento ao contributo que para o efeito as outras componentes devem dar, a sensibilização para os grandes problemas do mundo contemporâneo, o alargamento a áreas do saber e cultura diferentes das da sua especialidade de docência, a reflexão sobre os problemas éticos que se colocam na actividade docente, bem como dimensões instrumentais relativas á procura, organização e comunicação da informação, incluindo o recurso ás tecnologias de informação e da comunicação e ao conhecimento de línguas estrangeiras;
ii) a formação na especialidade da(s) área(s) de docência que integra unidades curriculares com a diversidade e profundidade adequadas à obtenção de formação de base na área do curso e em áreas do saber conexas para o desempenho profissional nos níveis de docência para que o curso habilita;
iii) a formação educacional que abrange as didácticas especificas da área de docência para que o curso habilita e outros domínios do saber sobre educação, relevantes para a compreensão do acto educativo, incluindo uma perspectiva de atenção à diversidade;
iv) a iniciação à prática profissional que inclui a observação, colaboração, intervenção, análise e reflexão sobre situações educativas (http://www.inafop.pt).

Partindo do princípio que a identificação do perfil profissional dos docentes define a especificidade da profissão, cabe às instituições do ensino superior desenvolver estratégias de formação/investigação/organização que permitam uma cultura profissional aberta à formação permanente, em interacção com os cenários socioculturais da escolarização.

2.  Formação contínua: TEXTOS E CONTEXTOS, problemas e dilemas ? PROPOSTA DE MODELO

As reflexões que temos vindo a desenvolver parecem-nos oportunas em relação à formação inicial. E, sejamos frontais e sinceros, o professor de hoje tem de ser ética e politicamente muito mais crítico do que ontem. Não pode ser visto como o eterno missionário e estruturalmente deficitário em termos profissionais. Partilhamos a visão de Connell (1997: 91) quando afirma: "Ser professor não é só uma questão de possuir um corpo de conhecimentos e capacidade de controlo da aula. Isso poderia fazer-se com um computador e um bastão. Para ser professor é preciso, igualmente, ter capacidade de estabelecer relações humanas com as pessoas a quem se ensina. Aprender é um processo social humano e árduo; o mesmo se pode dizer de ensinar. Ensinar implica, simultaneamente, emoções e razão pura".
Sobre a formação contínua diremos que a análise reflexiva sobre as práticas é, também, o alimento desta formação. No entanto, não podemos reduzi-la a um conjunto de módulos de necessidades individuais e necessidades educativas, é necessário desenvolver projectos conectados com a própria realidade. Não podemos esperar da formação contínua respostas mágicas ou receitas para os problemas do quotidiano, aceitando, passivamente, a crise do Estado Educador. Este aspecto assume grande relevância já que é difícil dar resposta à multiplicidade de tarefas (Gimeno Sacristán, 1988; Peres, 1999) com que os professores são confrontados diariamente. Uma missão quase impossível. Evidentemente, que estas constatações não são neutras e como tal há que lutar para que a formação contínua seja relevante para o desenvolvimento pessoal e profissional dos docentes, melhoria das práticas educativas e aperfeiçoamento do sistema educativo. Estão em jogo, não só os aspectos político-jurídicos da formação contínua, mas, também, as culturas organizacionais e pedagógicas que os sustentam.
Assim, quaisquer que sejam os particularismos em que cada um trabalha, as reflexões devem centrar-se no papel do educador/professor como mediador das aprendizagens dos alunos, tentando responder positivamente às suas apetências, expectativas, necessidades e potencialidades. Por outro lado, não devemos descurar a realidade do tempo em que nos é dado viver, configurada por grandes turbulências, não só a nível do conhecimento, da informação e das tecnologias, mas também das novas formas de ser e de estar nas instituições. A partir das experiências pessoais dos diferentes membros do grupo em formação é imperativo reflectir-se e questionar-se as aprendizagens (pedagogia do saber, do comunicar, do fazer, do competir, do ser, do viver com os outros), experimentando, assim, os diferentes conflitos, cognitivo, comunicativo, instrumental, afectivo, relacional e social, inerentes ao processo de aprendizagem. Além disso, há que desocultar, também, os desafios sociais, políticos e éticos que se colocam à formação. É na relação entre o trabalho e a formação que os professores devem aprender a encontrar alternativas para os problemas da educação.
Neste contexto, entendemos a formação contínua como um espaço e tempo de reflexão-investigação-acção, repensando a escola, os contributos dos processos socioeducativos em contextos formal, não-formal e informal e os próprios projectos de formação.
Segundo Nóvoa (1992: 67) "A formação contínua de professores assume uma importância crucial. Por aqui pode passar um esforço de renovação, com consequências para os programas de formação inicial, o estatuto da profissão, a mudança das escolas e o prestígio social dos professores". O reconhecimento da importância da formação contínua como complemento da formação inicial parece ser consensual. No entanto, as formas de perspectivar e viver a formação são diversas. O próprio enquadramento normativo, em diferentes países, entende a formação contínua mais na lógica dos deveres do que na lógica dos direitos.
Vários autores (Huberman, 1989; Dominicé, 1990; Escudero Muñoz, 1990; Nóvoa, 1991; Schön, 1992; Perrenoud, 1993; Marcelo Garcia, 1995; Zeichner, 1995...) têm atribuído grande relevância à experiência pessoal e profissional dos docentes numa tentativa de ultrapassar a visão da formação apenas direccionada para o sistema (visão imediatista e reformista do sistema educativo),fundamentando as suas convicções em três dimenões básicas ? a pessoal, a profissional e a organizacional , a que Nóvoa chama ?trilogia d formação contínua: produzir a vida, a profissão e a escola?.
É no contexto destes desafios que, em 1992, o mesmo autor avança com algumas propostas para a formação contínua de professores:

  • Uma finalização mais forte das formações em relação ao seu contexto;
  • Investimento do regional e do local nas decisões sobre a formação;
  • Individualização dos percursos de formação;
  • Inter-relação entre formação e investigação;
  • Desenvolvimento da formação integrada na situação de trabalho;
  • Introdução de novos produtos e de novas tecnologias educativas;
  • Integração das estratégias de aprendizagem na formação.

Em Portugal, é com a publicação do Decreto-Lei nº 242/92 de 9 de Novembro que fica consagrado o Regime Jurídico da Formação Contínua de Professores (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 60/93 de 20 de Agosto e pelo decreto-lei n.º 274/94 de 28 de Outubro), ganhando, assim, enquadramento legal com um programa específico de financiamento (programa FOCO). Deste modo, e seguindo o documento referido, a formação continua tem como objectivos fundamentais: "a melhoria da qualidade do ensino, através da permanente actualização e aprofundamento de conhecimentos, nas vertentes teórica e prática; o aperfeiçoamento da competência profissional e pedagógica dos docentes nos vários domínios da sua actividade; o incentivo à autoformação, à prática de investigação e à inovação educacional; a viabilização da reconversão profissional, permitindo uma maior mobilidade entre os diversos níveis e graus de ensino e grupos de docência".
Enunciados os objectivos, é atribuído às instituições do Ensino superior e a outras entidades o poder de levar a cabo as acções de formação. É neste contexto que emergem os Centros de Formação das Associações de Escolas (CFAEs), resultantes de agrupamentos de escolas de uma determinada área geográfica.
A ormação é, assim, definida pelo modelo centrado no ?cliente?(com necessidades pessoais e rofissionais) e filha de uma ?ideologia de recursos humanos?, estabilizada pela relação entre a oferta e a procura (lógica de mercado), deixando pouco espaço à diversidade, às experiência no terreno e a outras iniciativas de formação.
Apesar da militância de muitos directores dos CFAEs e de outras instituições, os planos de actividades de formação não têm sido desenhados a partir do diagnóstico de cada situação concreta, dos constrangimentos organizacionais e das necessidades dos professores, valorizando os planos de formação das escolas, consubstanciados nos projectos educativos.
Por outro lado, as dificuldades em recrutar formadores e os efeitos perversos que os créditos introduziram no processo de formação, não têm permitido a criação de grupos de trabalho munidos de metodologias de investigação-acção com vista à compreensão, melhoria e transformação da vida das escolas e da profissão professor.
Mais ainda, as modalidades de círculo de estudos, oficinas de formação e outras relativas à formação centrada na escola, embora legitimadas, não têm conseguido construir a formação como um elemento estruturante da vida das escolas porque a cultura burocrática, individualista, o medo e a desconfiança não têm permitido um envolvimento dos diferentes parceiros na partilha e procura de soluções para os vários problemas que afectam as comunidades educativas.
Em linhas práticas, enunciamos problemas que fazem parte do quotidiano dos professores e alguns dilemas práticos que, em nosso entender, estes profissionais costumam experimentar em relação à formação.

Problemas
­         Diversidade cultural e linguística: situações de incomunicação.
­         Integração de alunos minoritários e relação escola-família-comunidade.
­         Insucesso e abandono escolares ? emergência de marginalizados e novos excluídos.
­         Formação inadequada para os novos contextos económicos, sociais, políticos e culturais.
­         Formação inadequada para as novas tecnologias de informação e comunicação (nTIC's).

Dilemas
         Atender às necessidades objectivas da formação (visão bancária, creditação, progressão na carreira) ou às necessidades subjectivas (motivações interiores), tendo como finalidade o bem-estar profissional e a melhoria da educação/formação.
­         Desenvolver um projecto individual de formação ou integrar projectos de formação centrada na escola definidos de uma forma solidária com os seus pares.
­         Defender um quadro plural de entidades formadoras ou lutar pela melhoria de condições de formação dos CFAEs.
­         Lutar pela criação de redes europeias interdisciplinares e interprofissionais de formação ou contribuir para o reforço e consolidação das redes nacionais de formação.
Apesar dos avanços ocorridos na formação contínua dos professores, pesa sobre eles o estigma da obtenção de créditos indispensáveis para a progressão na carreira, acontecendo, frequentemente, o desencontro entre as necessidades sentidas pelos formandos e as ofertas dos CFAEs, conduzindo ao descrédito das instituições formadoras e à desmotivação dos professores em formação.
Na actualidade existe alguma sensação de desencanto e frustração, insinuando que tudo está a ficar na mesma e que as medidas conjunturais introduzidas pelas reformas educativas não têm conseguido um compromisso por parte dos professores. Bem ao contrário, têm-lhes imputado uma série de tarefas científico-técnicas, actividades e responsabilidades, muitas delas de carácter administrativo e burocrático, impedindo-os de um desenvolvimento e aperfeiçoamento profissionais. Não se construiu um sistema de formação contínua orientado para a autonomia, participação e descentralização. Em consequência, a crise da identidade docente instalou-se (Estrela, 1997). Concordamos com Aers (cit. por Salinas Fernández, 1994: 81) quando escreve: ?se pensamos que há que reinventa a escola, primeiro é necessário reinventar a profissão?.
Como ponto de partida diremos que os professores não se fabricam. Talvez existam escolas de formação de técnicos, mas não de professores. Sabemos que estas escolas instrumentalizam a criatividade, a inovação e a dimensão ético-política da formação. Acentuam o status quo, a docilização do corpo e da mente, ou seja a neutralidade. Esquecem-se que antes de sermos professores, somos seres humanos e cidadãos.
O modelo de formação que seguidamente propomos, traduz a nossa perspectiva do que deve ser a formação do professor na actualidade.
Este modelo pretende que a formação dos professores assuma, como princípio orientador, a refundação da autonomia em diferentes dimensões. A passagem do controlo administrativo e hierárquico para uma nova dimensão alicerçada numa cultura que vá mais além da colegialidade e cooperação, exige que o professor epense o seu estatuo de funcionário, transformando-se num ?intelectual crítico? com vista à reconstrução da sociedade.
Este ?verdadeiro profissional? assume uma consciência moral, profissional e comunitária, lutando contra as desigualdades socio-económicas e exclusões culturais em direcção à emancipação individual e colectiva.
Por isso, qualquer proposta de formação de professores deve promover a autonomia profissional dos docentes, construída para além dos enfoques técnico e                     práctico-reflexivo, assumindo o modelo crítico como a charneira da reestruturação do verdadeiro profissional, consciente e comprometido com a reconstrução de uma sociedade de cidadãos mais livres, justos, solidários e democráticos.

(Re)construção de um novo modelo de formação de professores: refundação da autonomia nas dimensões pessoal, profissional, social ...


Fonte: Peres, 1999.

3. Desafios para a formação dos professores

A ideia de que a educação permanente deve existir ao longo da vida também não é totalmente nova. Já entre os gr«gos (Platão) e os romanos (Séneca) era conhecida a máxima: «Não há idad» para aprender e em nenhuma idade é demasiado tarde para aprender».  Num passado recente, Faure e outros (1974: 271), na obra «Aprender a Ser» reforçam as ideias que a UNESCO e outros organismos internacionais vinham desenvolvendo esde o fim da 2º Guerra Mundial, afirmando: ?Todo o indivíduo deve ter a possibilidade de aprender vida inteira. A ideia da educação permanente é a pedra angular da cidade educativa?. Consolida-se, assim, a ideia de que a educação permanente deve não só atender à dimensão vertical (toda a vida), mas  também à dimensão horizontal (todas as actividades).
Actualmente parece ser reconhecido que a educação é uma tarefa de todos, sendo indispensável ganhar os professores para os desafios da globalização, atendendo a que eles, previsivelmente, continuarão a ser actores charneira no delineamento sustentado da educação e formação.
São muitas as metáforas utilizadas que referenciam os novos papéis dos professores, a sabe: o professor "intelectal transformador? (Giroux, 199), o professo ?agente de desenvolvimento curricular? (olivar, 1993, o professor ?intercultural? (Stoe, 1994; Peres, 196), o professor ?investigador? Caride Gómez, 1995), professor ?reflexivo crítico?(Zeichner, 1995), o profesor ?profissional autónomo? (Tedesco, 1997), o professor ?investigador-actor crítico? (Elliott, 1998, citado por Cortesão, 2000).
Fullan (1993), ao reflectir sobre os novos papéis e exigências que se colocam aos professores enquanto obreiros da inovação e mudança, enuncia as seguintes qualidades/competências:

  • compromisso profissional com princípios e propósitos educativos morais que orientem a sua acção;
  • conhecimento e competência profissional, capaz de legitimar a sua autonomia e eficácia profissional;
  • reflexão sobre as relações entre os propósitos educativos a nível da escola e outros temas relacionados com desenvolvimento social e participação nas políticas educativas, como intrínsecas da acção docente;
  • participação em processos interactivos e colaborativos para a criação de laços com a comunidade;
  • desenvolvimento de hábitos e capacidades de aprendizagem e pesquisa, procurando novas ideias dentro e fora dos seus ambientes de trabalho;
  • por im, os professores devem desenvolver capacidades que lhes permitam envolver-se nos ?mistérios, luzes e sombras da complexidade dinâmica dos processos de mudança? (Fullan. 1993: 81).

Na mesma linha de pensamento, Perrenoud (2001: 14) propõe uma série de competências profissionais que podem servir de marco de referência para um futuro desejável da profissão docente.

  • ?Organizar e dirigir situações de aprendizagem.
  • Administrar a progressão das aprendizagens.
  • Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação.
  • Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho.
  • Trabalhar em equipa.
  • Participar da administração da escola.
  • Informar e envolver os pais.
  • Utilizar novas tecnologias.
  • Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão.
  • Administrar sua própria formação contínua.?

Em nossa opinião, estas qualidades/competências estão relacionadas entre si, interagindo e reforçando-se mutuamente. Além disso, permitem a aprendizagem ao longo da vida, a emergência de uma consciência crítica e emancipatória, apontando caminhos para a reconversão das culturas organizacional e profissional.
Todavia, convém precisar que as qualidades/competências não existem no vazio, pertencem à esfera do vivido e do agido, devendo as mesmas ser contextualizadas e configuradas numa perspectiva pedagógica. Esta postura exige uma atitude mais substantiva da educação e formação, ou seja, uma visão que ultrapasse a concepção escolocêntrica das aprendizagens.
Parafraseando Paulo Freire, as qualidades/competências dos professores não podem tudo. Como tal, há que compreender a complexidade, as incertezas e ambiguidades do aprender a ser professor, tendo presente que aprendemos muito daquilo que somos e somos muito daquilo que aprendemos.
Não possuindo ideias acabadas sobre a formação dos professores, colhemos uma valiosa lição: consumir ideias e práticas sem criar espaços e tempos de diálogo e reflexão crítica sobre a realidade, não permite desenvolver projectos de formação contextualizados que criem alternativas (soluções) para os problemas pessoais, profissionais e sociais dos professores, das escolas e da sociedade em que vivemos. É pois na reflexão crítica sobre diferentes concepções, modelos e práticas de formação, desenvolvimento e aperfeiçoamento que outra formação é possível.
FONT face="Time New Roman" size=3>É urgente reinventar projectos de formação onde ?a mão invisível? da economia encontre resistência em comunidades reflexivas e solidárias, em que o conhecimento, a cultura, a educação e a formação não sejam regulados pelo mercado, mas ajudem a descobrir a direcção e a fazer o caminho para uma formação diversa e para a diversidade, onde as utopias educativas/formativas cresçam a par com as utopias sociais.

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Comunicação apresentada no Seminário realizado pelo SPN em Março de 2003 no Porto, no âmbito das Jornadas Pedagógicas.