Nacional
CGTP-IN alerta para o incumprimento da legislação e para a inoperância da IGT

Elevada sinistralidade laboral em Portugal

04 de maio, 2005

1.
A CGTP-IN associa-se mais uma vez às homenagens que nesta data são celebradas por sindicatos de todo o mundo, em memória dos muitos milhões de trabalhadores mortos e feridos em acidentes de trabalho e, simultaneamente, assinala também o Dia Nacional da Prevenção que desde 2001 é também consagrado, por Resolução aprovada na Assembleia da República, à reflexão sobre as condições de trabalho nas empresas e os elevados níveis de sinistralidade laboral no nosso País.

A Organização Internacional do Trabalho estima que todos os anos ocorrem no mundo cerca de 270 milhões de acidentes de trabalho e são registadas aproximadamente 160 milhões de doenças profissionais, de que resulta a morte de mais de 2 milhões de trabalhadores. A agricultura e a construção continuam a representar os índices mais elevados de sinistralidade, mas as substâncias perigosas matam cerca de 350.000 trabalhadores em cada ano, dos quais 100.000 são devidas à exposição ao amianto, enquanto metade dos trabalhadores das minas sofrem de silicose.

São enormes os custos económicos originados por esta situação, ultrapassando 4% do PIB mundial. Mas são incalculáveis os custos sociais e pessoais que representam a perda de milhões de vidas que provocam tanto sofrimento e dramas familiares.    

É intolerável e completamente absurdo que estando o mundo perante um desenvolvimento sem precedentes das forças produtivas, devido aos avanços extraordinários da ciência e da técnica, permaneçam ainda em muitas países as mais aviltantes formas de trabalho, como sejam o trabalho escravo e a exploração do trabalho infantil que conduz, anualmente, à morte de mais de 20.000 crianças vítimas de acidentes de trabalho.  

Este fenómeno está intimamente ligado com o actual processo de globalização capitalista, neoliberal e crescentemente belicista que agravou na última década as relações económicas, politicas e sociais, acentuou a degradação do meio ambiente e gerou mais desigualdades no mundo, com consequências dramáticas sobre as bases da existência humana e das condições de vida na Terra.

Combater firmemente a pobreza, o desemprego, as desigualdades e as más condições de vida e de trabalho, continuando a luta no plano nacional e desenvolvendo a cooperação e a solidariedade com os trabalhadores e outros Povos do mundo, é o compromisso da CGTP-IN que, estamos certos, honra a memória dos que morreram por acidentes de trabalho e doenças profissionais e que nesta data celebramos, bem como de todos aqueles que são vítimas da fome, da exploração, das desigualdades e das injustiças.  

2.
As profundas alterações na organização das empresas, da produção e do trabalho, têm sido objecto se inúmeros debates sobre o papel do trabalho na sociedade, o carácter destruidor/criador de empregos pelas novas tecnologias, o papel da flexibilidade, o lugar das pequenas empresas, etc.

A preocupação das empresas, com a bênção dos governos, tem sido conseguir a amortização rápida dos equipamentos, liberalizando a prestação do trabalho nocturno e por turnos, e os horários móveis e irregulares, de tal forma que em vários sectores de actividade existe uma desregulamentação total destas formas de prestação do trabalho. Este desenvolvimento não tem em conta os inconvenientes do trabalho nocturno, quer nos riscos para a saúde e nas consequências negativas que acarreta para a vida familiar e social dos trabalhadores.

A flexibilidade funcional é também cada vez mais um meio de redução de custos com pessoal; a precariedade de emprego leva a que os trabalhadores sejam pressionados a aceitar trabalho sem direitos e com condições de trabalho regressivas, o que resulta em mais acidentes.

Ora, é reconhecida a correlação entre os acidentes de trabalho e as doenças profissionais com os ritmos de trabalho intensos, a longa duração dos tempos de trabalho, ou as situações de stress provocado por factores psicossociais, tais como a precarização dos vínculos laborais, más condições de trabalho, discriminações profissionais, salariais e outras, que conduzem a uma sobrecarga psíquica e mental dos trabalhadores. Não é por acaso que o stress no local de trabalho já atinge hoje mais de 50 milhões de trabalhadores nos países da Europa Comunitária. 

Estas transformações no trabalho, que estão a impor a emergência de novos riscos profissionais, não ocultam contudo uma realidade que se mantém ainda presente e que se traduz na existência de taxas de incidência de acidentes de trabalho particularmente elevadas em sectores tradicionais, tais como na pesca, agricultura, construção, transportes, indústrias extractivas e transformadoras.

3.
Em Portugal, a tradicional insuficiência de indicadores torna impossível mostrar a realidade em toda a sua extensão, contudo os dados que vão sendo conhecidos, mesmo com significativos atrasos, demonstram que ainda somos dos países com maior sinistralidade laboral na União Europeia. O balanço efectuado à sinistralidade na última década refere quase 3 milhões de acidentes de trabalho, que causaram a morte de mais de 7 mil trabalhadores, provocaram a perda de 6 milhões de dias de trabalho e custaram ao país 30 milhões de Euros de custos directos e indirectos. Anualmente, continuam a ocorrer cerca de 200 a 300 mil acidentes de trabalho, de que resulta a morte de centenas de trabalhadores e milhares de feridos e incapacitados.

Quanto a doenças profissionais a situação é também alarmante, verificando-se nos últimos anos um crescimento muito significativo de doenças relacionadas com trabalhos que sujeitam os trabalhadores à exposição e manuseamento de substâncias químicas; doenças da audição (surdez) e fadiga física e psíquica devido à exposição ao ruído; lesões adquiridas na execução de tarefas e movimentos repetitivos (tendinites); doenças relacionadas com as mais diversas formas de violência nos locais de trabalho (stress laboral).

No caso das doenças profissionais, a ausência de dados estatísticos é ainda mais grave, pois continua a verificar-se um inaceitável incumprimento da lei no que respeita à participação obrigatória do diagnóstico de doença profissional ao Centro Nacional de Protecção contra Riscos Profissionais.

4.
Catorze anos depois do primeiro acordo de concertação social que estabeleceu as bases legais para a implementação de uma Rede Nacional de Prevenção (Dec.Lei 441/91) e criou o Instituto com a missão de concretizar tal objectivo (ex-IDICT), o balanço é bastante negativo. Em vez de se terem cumprido as medidas aprovadas, o que verdadeiramente se instalou, cada vez mais, foi uma cultura de incumprimento das leis, com a benevolência das entidades fiscalizadoras.

Particularmente grave é a situação da Inspecção Geral do Trabalho que ao longo dos anos tem vindo a ser constantemente limitada na sua autonomia e eficácia de intervenção, quer porque foi muitas vezes instrumentalizada ao sabor das conveniências dos governos quer porque lhe foram sendo diminuídos os recursos humanos, técnicos e materiais necessários à realização de padrões mínimos de acções de controlo e fiscalização da legalidade.

Chegou-se, assim, a uma situação em que muitas empresas não criaram ainda os serviços obrigatórios de segurança, higiene e saúde ou não os têm a funcionar de acordo com a lei; não têm implementados os planos de emergência, de combate a incêndios e de primeiros socorros; não investem o mínimo necessário na prevenção, em particular na identificação e avaliação dos riscos profissionais, nas medidas de protecção, na sensibilização e formação dos trabalhadores.

A Inspecção Geral do Trabalho, ao abdicar de exercer capazmente a sua acção fiscalizadora e sancionatória dos incumpridores, tem sérias responsabilidades nos níveis de sinistralidade tão elevada existentes em Portugal.

5.
Por outro lado, o ex-IDICT, actualmente Instituto para a Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho (ISHST), também nunca cumpriu com os objectivos para o qual foi criado. As indefinições que surgiram desde o seu início quanto ao modelo de organização e funcionamento e que se arrastaram até há bem pouco tempo, bem como a frequente instabilidade directiva provocada por uma excessiva governamentalização, conduziu à saída de muitos técnicos desencantados com a situação, paralisou a actividade em muitas áreas fundamentais e bloqueou a execução de medidas essenciais à concretização da rede nacional de prevenção.

No seguimento da reclamação apresentada pele CGTP-IN no Dia Mundial da Prevenção no ano passado, o Governo publicou finalmente o PNAP - Plano Nacional para a Prevenção, mas quanto à execução das medidas nele contidas praticamente nada foi feito. A acção do actual Instituto (ISHST) tem-se esgotado praticamente na realização de campanhas sectoriais de informação e sensibilização e no apoio à realização de eventos, formação de Técnicos e de representantes de trabalhadores, aspectos sem dúvida alguma importantes, mas muito insuficientes.

6.
A CGTP-IN considera urgente desenvolver uma abordagem integrada da Prevenção, tal como determina a lei quanto à efectiva estruturação e dinamização do sistema de prevenção de riscos profissionais, para o que se torna necessário cumprir os compromissos estabelecidos no acordo de concertação social sobre Condições de Trabalho, Higiene e Segurança no Trabalho e Combate à Sinistralidade. De entre as medidas urgentes, a CGTP-IN defende:

 -  Reforçar os meios humanos e materiais do ISHST para que promova o desenvolvimento de políticas estruturantes de prevenção de riscos profissionais, relativamente a matérias de regulamentação, licenciamento, certificação, normalização, investigação, informação, formação, consulta e participação, serviços técnicos de prevenção e vigilância da saúde, auditorias, avaliação de programas de prevenção de riscos profissionais;

 -  Assegurar o funcionamento regular do Conselho Nacional de Higiene e Saúde no Trabalho e da Comissão de Acompanhamento da Implementação da Legislação relativa aos serviços de SHST nos locais de trabalho;

 -  Criar o Observatório da Prevenção;

 Efectuar a reestruturação do sistema estatístico de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, em ordem a que seja produzida informação fidedigna, rigorosa e selectiva que sustente politicas cada vez mais eficazes;

 -  Assegurar o efectivo rastreio das doenças profissionais, garantindo o cumprimento da obrigatoriedade de participação de todos os casos em que elas sejam diagnosticadas; 

 Proceder à revisão da Lista de Doenças Profissionais e da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de trabalho e Doenças Profissionais;

 -  Aprovar o Plano de Adaptação do Serviço Nacional de Saúde às exigências específicas que lhe são feitas no contexto da legislação sobre serviços de saúde no trabalho;

-  Desenvolver programas de prevenção de riscos profissionais para os trabalhadores da Administração Central, Regional e Local;

- Intensificar a formação dos trabalhadores e dos seus representantes eleitos para a SHST;

Promover de uma cultura de prevenção no sociedade em geral, com integração de módulos sobre prevenção de SHST nos currículos escolares;

Reforçar os meios e a actividade da IGT, dando especial atenção ao recrutamento de novos inspectores e a inclusão de módulos de SHST na política de formação;

A CGTP-IN, por seu lado, continuará a dar prioridade à eleição de representantes dos trabalhadores nesta frente de SHST, tendo aprovado no seu último Congresso a eleição de mais 4000 novos representantes; prosseguirá com a formação específica aos representantes eleitos e a outros activistas; dinamizará os projectos no âmbito das condições de trabalho.

7.
Quanto a reparação das vítimas dos acidentes de trabalho e doenças profissionais a situação no nosso País é lastimosa, continuando a ser claramente dirigida pelos interesses dos grupos seguradores.

Os trabalhadores que sofrem incapacidades e as famílias dos que morrem, apenas são reparados pela perca de capacidade de trabalho que exerciam quando deviam ser reparados todos os danos, incluindo os danos morais e os danos profissionais futuros.

Em Portugal, os trabalhadores são mais penalizados pelos danos resultantes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais do que os acidentados por viação e, o poder político, ao longo dos tempos, tem pactuado com toda esta situação.

É um facto que a reparação dos acidentes de trabalho no nosso país continua a ser 100% prestada pelas companhias seguradoras, sendo o único País da U.E.15 em que tal acontece, o que influencia toda a política seguida nesta área e, por essa razão, é que a legislação não evolui no sentido do progresso social, de não haver reabilitação profissional e médica e está intimamente ligada ao processo mais recente das remições obrigatórias das pensões.

Antes da Lei 100/97, estas eram facultativas; esta mudança resulta manifestamente a favor das seguradoras e contra os trabalhadores que saem profundamente lesados.

A reparação das doenças profissionais, embora esteja sob a responsabilidade da Segurança Social, é um facto que é influenciada pela política seguida para os acidentes de trabalho.

Por outro lado, o Centro de Protecção Contra Riscos Profissionais, entidade que exerce as funções reparadoras, tem métodos de funcionamento que trazem grandes prejuízos aos beneficiários. O tempo na organização e conclusão dos processos dos beneficiários é muito superior a um ano e este excesso de tempo é de todo inaceitável para uma entidade pública.

Por outro lado, são excessivos os casos classificados no Centro de Riscos Profissionais como não existindo doença profissional, que se estimam em 50%. E 20% dos casos é declarada doença profissional sem incapacidade, ou seja, 2/3 dos processos entrados não são confirmados pelos serviços médicos a presumível doença profissional.

Daqui se pode extrair uma conclusão: sendo o nosso País tão fragilizado em relação às políticas preventivas e com más condições de trabalho, não se pode justificar um índice tão baixo de doenças profissionais, certamente os serviços não correspondem à missão confiada.

A CGTP-IN considera que:

* O Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, deve ser revisto, nomeadamente com o que se prende com a remição de pensões, tornando-as facultativas.

* É necessário e urgente implementar uma política de reabilitação médica e profissional e dar apoio psicológico às vítimas de acidentes de trabalho e doenças profissionais;

* Estudar seriamente toda a problemática da reparação existente e as lacunas graves existentes, de forma a que haja uma verdadeira política de protecção social em relação aos acidentes de trabalho e doenças profissionais;

* Actualizar a Tabela de Incapacidades e Doenças Profissionais. Esta matéria constitui um flagelo, dado que não se produz nada desde que as mesmas foram publicadas, apesar de há longos anos terem comissões a estudar a matéria.

 A CGTP-IN considera que é necessário, de uma vez por todas, acabar com a situação dramática que a sinistralidade laboral representa, para o que se torna urgente a implementação da rede nacional de prevenção, bem assim a concretização das medidas de reparação e de reabilitação dos trabalhadores sinistrados.

Lisboa, 27.04.05
Conferência de Imprensa da CGTP-IN,
com a presença de Manuel Carvalho da Silva,
secretário-geral