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Opinião

Balanço da legislatura com os olhos postos na próxima

14 de março, 2025

Por Mário Nogueira
Secretário-Geral da FENPROF

A queda do governo, a dissolução da Assembleia da República e a realização de eleições legislativas antecipadas criaram uma situação nova no país que não nos deverá ser alheia. Não pelos motivos que levaram a que aqui se chegasse, mas porque se abrem novas perspetivas para o futuro da Educação, da Escola Pública e dos seus profissionais. As diferenças em relação à situação atual decorrerão do resultado eleitoral e da capacidade dos professores para continuarem a lutar.

Tendo passado apenas um ano sobre a tomada de posse do atual governo, não chegaram a ser implementadas as medidas de fundo que o seu programa previa para uma legislatura de quatro. Recordemos algumas:

  • criar um estatuto, remuneração e avaliação específica para diretores, na verdade, profissionalizando a gestão escolar, ao invés de a democratizar;
  • aprofundar as competências dos municípios na Educação, o que se traduziria no aumento da sua capacidade de ingerir na vida das escolas, criando tutelas locais apertadas;
  • limitar a um papel, iminentemente, regulador o do ministério, o que, como o ministro várias vezes admitiu, levaria a que público e privado pudessem estar em pé de igualdade, posição que defendia por, segundo ele, não ter preconceitos ideológicos;
  • rever a Lei de Bases do Sistema Educativo, lei de matriz democrática que, no contexto da Constituição da República, garante a existência de uma Escola Pública de qualidade, para todos/as, inclusiva e tendencialmente gratuita.

Relativamente aos docentes, lembremos a intenção, inscrita no programa do governo, de substituir a graduação profissional nos concursos por outros critérios, onde se destacavam a residência (critério já antes declarado inconstitucional) e a avaliação do professor.

Do programa e de afirmações do ministro ressaltava o reconhecimento do grave problema da falta de professores e do papel positivo que uma revisão do estatuto da carreira docente (ECD) poderia ter na sua resolução. Só que, das palavras aos atos a distância era tão grande que o passo não chegou a ser dado.

Deste primeiro ano, destacam-se medidas que se tornaram inevitáveis, na sequência da fortíssima luta que os professores desenvolveram. O governo da AD tomou-as, como outros teriam de as tomar, sob pena de a luta não parar. São medidas importantes, mas que deixaram pontas por resolver, algumas delas bastante grossas, razão por que a FENPROF, embora reconhecendo avanços, acabou por não as legitimar com o seu acordo.

Quatro exemplos de medidas importantes por resolver

  • a recuperação do tempo de serviço que, não se negando a importância para milhares de docentes, deixou de fora também alguns milhares e não resolveu o problema das ultrapassagens por não prever, para todos, a recuperação integral do tempo de serviço que cumpriram;
  • a Mobilidade por Doença que passará a ter um novo regime, melhor do que o anterior, mas manterá o formato de concurso, quando a atenção a dispensar a quem tem uma doença incapacitante exige um regime de proteção e não um concurso, como se exigiria a consideração de outras doenças que também são incapacitantes, embora não constem de uma lista com quase quarenta anos;
  • a criação de um apoio a docentes deslocados da área de residência familiar, mas que exclui quem exerce funções em 574 dos 808 agrupamentos e escolas não agrupadas;
  • a fragilidade das medidas avulsas anunciadas como visando resolver o problema da falta de professores, tornando atrativa a profissão. O regresso de apenas cinquenta e seis aposentados dos muitos milhares que se aposentaram nos últimos cinco anos é retrato fiel do insucesso da generalidade das medidas.

Dissolução da Assembleia da República

Com a dissolução da Assembleia da República e a entrada do governo em funções de gestão, a atual equipa do ministério não fica dispensada de trabalho porque tem pela frente duas obrigações de forte monta que, a não serem devidamente cumpridas, terão forte impacto nas escolas.

  • Uma delas é a realização do concurso de colocação de docentes para 2025/26 que deverá ter lugar ainda no mês de março;
  • A outra é a organização do próximo ano letivo, obra que não se executa entre a data de tomada de posse do próximo governo e o regresso dos professores às escolas em 1 de setembro.

Em ambos os casos há motivos para estar atento. Dos concursos, espera-se a abertura de vagas em número suficiente para a mobilidade de quem está colocado distante da residência familiar e para novas vinculações; da organização do ano letivo, exige-se que as regras a adotar corrijam erros anteriores que permitem, em muitas escolas, o reiterado recurso a abusos e ilegalidades nos horários de trabalho.

Para o futuro governo e a equipa ministerial para a Educação a agenda estará carregada. Desde logo, corrigir insuficiências de medidas que foram tomadas, algumas delas legitimadas com acordos de quem, várias vezes, achou mais importante estar do lado do governo do que dos professores. Logo a seguir, avançar com a revisão do ECD, processo que, na verdade, nem sequer se iniciou.

Para esta revisão, a FENPROF tem propostas, discutidas com os professores em quase quatro centenas de reuniões e plenários e aprovadas em Plenário Nacional realizado em Lisboa no dia 7 de março.

Como defendeu junto do atual governo e, por não ter sido atendida, a FENPROF recusou juntar-se a quem, de novo, acordou com o ministério: o prazo para a revisão global deverá ser curto, permitindo a entrada em vigor, do estatuto revisto e valorizado, no próximo ano letivo; a prioridade deverá ser dada à revisão da estrutura, índices salariais e transição entre a atual e a futura carreira, sem vagas ou outros constrangimentos; o segundo tema da revisão deverá ser a avaliação de desempenho, cuja matriz se pretende essencialmente formativa e limpa de quotas na atribuição de menções qualitativas.

Para garantir a concretização desta agenda é necessário começar já. Pedindo reuniões aos partidos, promovendo debates e dirigindo-lhes perguntas diretas que não permitam respostas evasivas e com rodriguinhos. Dessas iniciativas deverão resultar compromissos programáticos e de eventual governação. Depois, tornando-se necessário, a luta dos professores transformará o compromisso em comprometimento.