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DN, 13/01/2007

"Desemprego ameaça dois mil docentes do Ensino Superior"

14 de maio, 2007

São contratados a prazo e correm o risco de cair no desemprego devido às carências orçamentais das universidades e politécnicos  
 
A redução nas verbas do Orçamento de Estado e o aumento de 1,5% nos salários terão deixado as instituições com um buraco de 7,5% nos valores para salários. A Fenprof diz que isto pode levar à saída de 1875 professores, na maioria contratados, além da dispensa de funcionários. Reitores acusam os cortes e procuram soluções para reduzir despesas de funcionamento  
 
 A estimativa é feita pela Federação Nacional dos Professores (Fenprof), com base nos cortes de pessoal que as instituições teriam de fazer para conseguirem pagar salários sem recorrer a receitas própria.  
 
Um elevado número de funcionários, não contabilizado pela FENPROF,
enfrenta também tempos incertos
 
O cálculo, diz ao "DN" João Cunha e Serra, responsável da Fenprof para o ensino superior, considera a quebra de verbas do Orçamento de Estado e o aumento de 1,5% nos ordenados da Administração Pública, que, somados, deixam as instituições com um buraco "da ordem dos 7,5%" para preencher nos vencimentos.  
 
"Como não têm este reforço, embora exista ainda a previsão de em alguns casos poderem ser recebidas verbas para os cursos de especialização tecnológica, as instituições, se não quiserem lançar mão das receitas próprias, terão que reduzir na mesma proporção os gastos em salários, isto é, em 7,5%", explica.  
 
Num universo de 25500 docentes no ensino superior público, esta redução afectaria "1875 professores, 1125 no sector universitário e 750 no politécnico". Os principais visados seriam os que têm vínculos precários, a terminar em 2007: "Como há no universitário cerca de quatro mil docentes convidados [a prazo] e no politécnico cerca de sete mil em idênticas condições, não é impossível conseguir atingir aquelas metas".  
 
A Fenprof "não aceita que estas negras previsões matemáticas possam alguma vez concretizar-se", mas avisa que há instituições a "fazer mecanicamente estas contas e a prever o despedimento de professores ao nível da centena, por exemplo as universidades do Minho e do Algarve".  
 
Lopes da Silva, presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), admite como "provável" a dispensa de docentes e não docentes. Mas recusa adiantar números: "É um assunto que está agora a ser equacionado por cada instituição e é cedo para fazer previsões.", diz. "Não pode haver medidas precipitadas e elas têm de ser humanamente correctas", avisa.  
 
"Défice de funcionários"
 
 
Lopes da Silva salienta mesmo que esta situação pode colocar em perigo a qualidade do ensino. É que a dispensa de docentes não surge numa altura em que há excesso de profissionais. Pelo contrário: de acordo com os indicadores que permitem calcular o rácio de professores necessários face ao número de alunos, as universidades têm um défice de funcionários que ronda os 13 a 15%.  
 
"Não quer dizer que, numa determinada área ou escola, não haja indicadores superiores, mas no global não há docentes a mais".  
 
Uma das abordagens sem discussão passa pela mobilidade na docência, entre escolas ou faculdades e mesmo entre instituições. Lopes da Silva propõe ainda "uma redistribuição orçamental que não prejudique o défice público". Uma solução que passa por "quantificar o trabalho científico que é feito pelos docentes" com um financiamento suplementar vindo do orçamento disponível para a Ciência.  
 
Reforços nos Politécnicos  
 
Luciano Almeida, presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, não partilha estas preocupações. E considera mesmo que a tendência é de crescimento: "O que tivemos neste ano lectivo e no anterior foi um aumento dos docentes no superior".  
 
Este responsável admite que poderá "verificar-se a necessidade de não renovar alguns contratos, essencialmente devido a cursos que tenham sido extintos [por terem menos de 20 alunos]". Porém, considera que "o reforço de 14%" nos estudantes inscritos nos politécnicos, associado a novas ofertas como os cursos de especialização tecnológica - "que serão financiados para além do orçamento de Estado" -, deverá mesmo "implicar reforços" para o sector.  
 
Um optimismo a confirmar no terreno
 
Bragança ganha alunos e perde docentes  
 
De 2005 para 2006, o número de estudantes matriculados no Instituto Politécnico de Bragança praticamente dobrou: "Fomos talvez o politécnico que mais cresceu a nível nacional, passámos de 1050 alunos para 2000", contou ao DN José Sobrinho Teixeira, presidente da instituição. Mesmo assim, admitiu, "irá haver uma quebra" ao nível do pessoal docente.  
 
A explicação, diz, assenta no facto de o acréscimo de alunos não se traduzir de imediato em mais verbas: "Quando o plafond foi atribuído, as instituições ainda não sabiam quantos alunos teriam", explica.  
 
"Só para o ano é que o aumento terá reflexos". Por outro lado, os efeitos da "redução do Orçamento de Estado" são imediatos e houve "um esforço" da instituição para racionalizar meios: "O esforço que o país está a fazer tem de ser transversal às instituições do ensino superior", considera.  
 
O politécnico de Bragança é citado pela Fenprof como uma instituição que não deverá este ano renovar os contratos a termo de 50 docentes. No entanto, Sobrinho Teixeira rejeita definir esses casos como despedimentos, explicando que se tratam de contratos, muitos deles envolvendo docentes formados na instituição, que "já eram feitos com o pressuposto de terem uma determinada duração".  
 
O presidente do Politécnico de Bragança admitiu no entanto que, entre estes casos e outros, relacionados com a "procura reduzida de alguns cursos pelos alunos", existe o objectivo de fazer uma redução do pessoal. No entanto, assumiu como compromisso "não autorizar nenhum contrato novo sem que se esgotem os recursos existentes".  
 
 
UTAD dispensa requisitados e fecha mais cedo para poupar  
 
Reduzir despesas de funcionamento e dispensar os docentes requisitados às escolas secundárias.  
 
Este é o plano do reitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) para fazer face à crise orçamental. O ano passado foram dispensados cinco dezenas de colaboradores, na área da docência. Agora, mais vinte poderão regressar às escolas onde davam aulas.  
 
"É uma forma de minimizarmos o problema sem afectarmos as famílias em termos financeiros", afirma Mascarenhas Ferreira, que admite ter de fazer algo para reduzir os custos, uma vez que as verbas para a UTAD, provenientes do Orçamento de Estado tiverem uma quebra de cerca de 20%, em relação ao ano de 2002, e é pouco provável que as receitas próprias da instituição cresçam.  
 
Não são apenas os docentes a sofrer. As restrições orçamentais poderão começar a afectar os alunos. A universidade, que estava aberta até à 01.00, passará a encerrar às 21.00 e ao fim-de-semana. Objectivo: poupar energia. O reitor aponta excepções: os horários da biblioteca geral da UTAD não serão alterados.  
 
As consequências dos cortes poderão chegar ao pólo da UTAD em Miranda do Douro. Mascarenhas Ferreira reconhece a sua importância para a região, mas remete para o Governo uma decisão política. Manter o pólo significa combater assimetrias no País.  
 
Universidade do Minho veda mensagens dos sindicatos  
 
As palavras de Guimarães Rodrigues numa reunião da Assembleia da Universidade do Minho (UM), no final do ano passado, caíram como uma bomba. Cem professores, cerca de 20% do corpo docente da universidade poderiam ser dispensados em 2007. O reitor veio depois recusar ter ameaçado com, despedimentos, garantindo que apenas traçou um cenário. Na UM, disse um docente", "O clima é de pânico, não se fala de outra coisa".  
 
Pedro Oliveira, do Sindicato de Professores do Norte, lembra as palavras do reitor a dizer que não podia despedir os professores por serem funcionários públicos. "O que ele não disse é que, desde Agosto passado, houve contratos com docentes convidados que não foram renovados". O sindicalista, que é professor na Escola de Engenharia da UM, aponta o caso de uma pessoa "com 30 anos de casa a quem foi aconselhado ir para a reforma, pois o contrato não seria renovado.  
 
O clima que se vive nos campus de Gualtar, em Braga, e Azurém, em Guimarães, ficou bem patente numa reunião convocada pelos sindicatos no passado dia 3. "Uma adesão enorme".  
 
O clima é tenso. Pedro Oliveira lembra que a lista de divulgação de correio, na intranet, deixou de veicular as mensagens dos sindicatos que manifestem "opiniões diferentes das do reitor". Foram dadas indicações para que apenas sejam enviadas aos sócios.  
 

Porto cortou nos convidados e nos leitores das Letras  
 
A Universidade do Porto resolveu já no ano passado alguns problemas orçamentais, dispensando docentes que estavam a trabalhar nas faculdades como convidados.  
 
Ou seja, pessoas com vínculo mais frágil e mais fácil de dispensar. Outro corte afectou também os monitores (alunos dos últimos anos dos cursos que apoiam as aulas práticas) e os leitores, uma figura que existia sobretudo na Faculdade de Letras.  
 
No ano lectivo 2005/2006 foram dispensados 30 pessoas na área da docência, na Faculdade de Letras. "Uma situação que está estabilizada", garante Jorge Fernandes Alves, recém-eleito presidente do Conselho Directivo da Faculdade. O responsável rejeita que as dispensas tenham a ver com dificuldades financeiras. "Trata-se de problemas de ajustamento do corpo docente", ou seja, há cursos com pouca procura, nomeadamente na área das Línguas e Literaturas ficaram com professores em excesso.  
 
Sem nunca dizer se alguma dessas licenciatura não teve candidatos, Fernandes Alves assegura que este ano isso não aconteceu. "Preenchemos todas as nossas vagas", embora a procura seja maior nos cursos de História, Geografia e Sociologia.  
 
A contribuir para a saúde financeira da Faculdade de Letras estão os cursos livres de línguas. Curtos, com públicos específicos e que contribuem para a manutenção de postos de trabalho.  
 
Mariano Gago relativiza dimensão do problema  
 
O Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Mariano Gago, recusou ontem comentar a estimativa da Fenprof, por considerar não ter dados fiáveis que lhe permitam pronunciar-se sobre as dispensas de docentes que poderão ocorrer no ensino superior.  
 
Em entrevista recente ao "DN", porém, o ministro tinha classificado o problema do desemprego no ensino superior como sendo de "dimensão muito reduzida". O governante deu como exemplo as bolsas de investigação criadas a pensar nos docentes no desemprego, contando que "antes do Natal havia apenas 120 candidatos, dos quais a maioria eram pessoas ainda com contrato, que preferiam ficar como bolseiros de investigação" quando estes terminassem. A propósito da questão antiga da introdução do subsidio de desemprego para estes docentes (ver texto em cima) o ministro explicou que este tema ultrapassava "largamente o sector do ensino superior" e tinha que ser debatido no quadro geral da revisão das carreiras da função pública".  
 
Uma discussão que, a confirmarem-se as projecções da Fenprof, se tornará ainda mais urgente.  

DN, 13/01/2007