Ciência
Dívidas ficam para o próximo Executivo ("Público", 18/02/2005)

Portugal devia mais de 10 milhões de euros a organizações de Ciência em 2004

28 de março, 2005

 

As dívidas de Portugal a organizações internacionais científicas passavam dos dez milhões de euros, no final de 2004. Isto significa que a promessa da ministra da Ciência, Graça Carvalho, de pagar todas as contribuições a essas organizações até ao fim do ano passado ficou por cumprir, e que caberá ao próximo Governo liquidá-las.

Essa garantia de pagamento foi dada no fim de Setembro, através da assessora do Ministério da Ciência da Ciência, Inovação e Ensino Superior (MCIES), Fátima Alves, que em relação a perguntas do PÚBLICO respondia num E-mail e pedia para ser citada na íntegra: "Todas as quotizações referentes à participação nacional em organizações internacionais, na área da ciência, que reportam aos anos de 2002, 2003, bem como as relativas à contribuição de 2004, serão integralmente saldadas este ano, conforme acordado entre o senhor ministro das Finanças e a senhora ministra da Ciência, Inovação e Ensino Superior."

No fim de Dezembro, numa nota informativa interna do MCIES que fazia ponto da situação sobre esta questão, alertava-se para os compromissos por cumprir. Lá se diz que faltavam pagar 10,3 milhões de euros, relativos quase só a contribuições de 2004, tirando 400 mil euros de 2003 de parte da jóia de entrada do país na Agência Espacial Europeia (ESA).

Dessas dívidas, é à ESA que cabe a maior fatia (8,4 milhões de euros). Valores mais pequenos referem-se, por exemplo, ao sincrotrão de Grenoble (875 mil euros), à Fundação Europeia de Ciência (216 mil euros) ou ao Laboratório Europeu de Biologia Molecular, ou EMBL (188 mil euros).

Mas se aos 10,3 milhões de euros se juntarem as contribuições, que não são propriamente quotas, mas que o país acordou fazer para projectos do Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN) e do Observatório Europeu do Sul (ESO), o montante em dívida sobe para 11,4 milhões de euros.

Ontem, o ministério confirmou ao PÚBLICO, em comunicado, que falta pagar mais de 11 milhões de euros, mas faz um ligeiro acerto da dívida, para baixo, segundo uma nova informação de Janeiro: 10,1 milhões de quotas e quase um milhão para os projectos do CERN e ESO. "Em 2004 foram pagos 27,8 milhões de um total de cerca de 39 milhões de euros. Por motivos de contabilidade pública serão liquidados os restantes 11,1 milhões de euros já no ano de 2005", diz-se. "O processo de liquidação está em curso." O que significa, segundo outra assessora de imprensa do MCIES, Lúcia Cavaleiro, que está a tratar-se da descativação, ou desafectação para esse fim, de verbas do Plano de Investimento e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central (PIDDAC) do ministério.

Na informação de Dezembro, apontavam-se consequências a curto prazo da não liquidação da dívida. No caso da ESA, em Janeiro de 2005, Portugal teria de autorizar a agência a fazer um empréstimo bancário em nome do país, no valor da dívida. Mas segundo o comunicado do MCIES, numa reunião ontem do Comité da ESA "nem sequer foi colocada a necessidade de contracção de um empréstimo, uma vez que não existem, neste momento, dificuldades de tesouraria". O comunicado diz ainda que outros países devem à ESA e o empréstimo é corrente na sua gestão de tesouraria.

Também o retorno industrial da ESA (contratos de empresas portuguesas com a organização que compensam as contribuições do Estado) poderia ficar afectado, diz a nota de Dezembro.

No caso do EMBL, alertava-se para a perda do direito de voto nas suas reuniões de 2005. E em termos gerais, falava-se da perda de credibilidade junto destas organizações, uma vez que não cumpre sistematicamente os seus compromissos desde 2003.

A perda do direito de voto foi aliás uma realidade, no ano passado, para os delegados portugueses no Conselho ESO, o órgão máximo desta organização de astronomia. A situação ficaria solucionada em Outubro, quando Portugal pagou cerca de quatro milhões de euros de contribuições de 2003 e 2004.

Na mesma altura, também se resolveu a situação no CERN e pagou 8,6 milhões de euros, não sem antes ter havido um aviso a Portugal que poderia afectar o retorno industrial: em Setembro, o CERN suspendeu as negociações de um contrato com uma empresa portuguesa e dizia que, embora a sua proposta tivesse sido aprovada, as negociações ficariam congeladas até Portugal pagar.

Para pagar os 12,6 milhões de euros ao ESO e ao CERN, Graça Carvalho autorizou, em Junho de 2003, a descativação de verbas do PIDDAC (13,2 milhões de euros, que também saldaram outras pequenas contribuições). Em Novembro, o secretário de Estado da Ciência, Sampaio Nunes, autorizou a descativação de mais quatro milhões de euros, que pagaram sobretudo a contribuição, de 3,4 milhões de euros, à Organização Europeia para a Exploração de Satélites Meteorológicos.

Mesmo assim, restavam dívidas. No Orçamento do Estado Rectificativo de 2004 aprovaram-se 9,1 milhões de euros para saldá-las, mas que não chegavam para cobrir tudo - daí que continuassem em dívida, no fim de 2004, os cerca de 11 milhões de euros.

Público, 18/02/2005