Conferência Nacional do Ensino Superior e da Investigação
II. Desenvolvimento Profissional e Representação Sindical - B. Proposta de princípios a respeitar no exercício de funções dos docentes do ensino superior e dos investigadores

Conferência Nacional do Ensino Superior e da Investigação

13 de abril, 2005

II. Desenvolvimento Profissional e Representação Sindical

B. Proposta de princípios a respeitar no exercício de funções dos docentes do ensino superior e dos investigadores

 1. A necessidade do respeito por um conjunto de princípios no exercício da docência e da investigação no ensino superior

Os sindicatos, como é sua obrigação, têm-se preocupado predominantemente com a defesa e a ampliação dos direitos dos seus associados. Sendo certo que o cumprimento de funções se encontra muitas vezes condicionado pelo efectivo respeito pelos direitos, a verdade é que existem fortes razões para que os sindicatos dediquem cada vez mais atenção ao modo como os trabalhadores que representam exercem as suas funções. Há princípios a respeitar que são inerentes a todos os trabalhadores e condição para a dignificação das suas funções, no processo produtivo e na sociedade. A assunção destes princípios dignifica-os e prestigia-os, como trabalhadores, e reforça a sua influência social.

De acordo com declaração da Internacional de Educação ".À experiência e ao empenho dos professores e pessoal de apoio devem associar-se boas condições de trabalho, o apoio da comunidade e políticas capazes de proporcionar uma educação de qualidade. Só quando todos os componentes necessários estão nos seus devidos lugares é que é possível aos professores e ao pessoal de apoio cumprir totalmente as suas responsabilidades para com os estudantes e a comunidade onde trabalham."

A FENPROF tem denunciado comportamentos ilegais e não pactua com práticas incorrectas. Tem repetidamente formulado propostas que favorecem a exigência de qualidade, justiça e transparência nas carreiras. Tem, por isso, autoridade para lançar este debate entre os colegas.

Esta questão é sempre importante, mas é-o tanto mais quanto se atravessa actualmente um período de forte ofensiva, à qual o ensino superior público não tem escapado, com o objectivo de denegrir os serviços públicos e os seus trabalhadores e de reduzir cada vez mais o papel social do Estado.

O Departamento do Ensino Superior da FENPROF decidiu apresentar e propor aos docentes do ensino superior e aos investigadores, para debate e recolha de opiniões e sugestões, um conjunto de princípios específicos para o respectivo exercício de funções.

2. Proposta de um conjunto de princípios para o exercício de funções dos Docentes do Ensino Superior e dos Investigadores

Antes de tudo será necessário definir o que se entende por um docente do ensino superior e o que é um investigador, sem perder de vista que um docente do ensino superior é também um investigador.

Definição de docente do ensino superior[1]:

Docente do ensino superior é aquele que estando ligado a estabelecimentos ou programas de ensino superior se encontra envolvido em actividades de ensino e/ou de estudo e/ou de investigação e/ou de prestação de serviços educativos aos estudantes ou ao conjunto da comunidade.

Definição de investigador científico[2],[3]:

Investigadores científicos são todos os que investigam um domínio particular da ciência ou da tecnologia.

São profissionais empenhados na concepção ou criação de novos conhecimentos, produtos, processos, métodos e sistemas, e na gestão dos correspondentes projectos.

A proposta encontra-se dividida em dois capítulos: 1. Princípios a respeitar na relação com os alunos; 2. Princípios a respeitar na relação com os colegas, as instituições e a sociedade.

 I. Princípios concernentes à relação docente/discente

1.1 Tratar os alunos com equidade e no sentido de obter de todos e de cada um o máximo desenvolvimento das suas possibilidades e potencialidades de aprendizagem tendo em consideração o objectivo geral da promoção da "cultura integral do indivíduo", cultivando o gosto pelo saber (inesgotável), o interesse pela aprendizagem ao longo da vida, a permanente atenção à mudança e às novas necessidades, e a assunção plena de uma cidadania solidária e responsável.

1.2 Promover as aprendizagens dos alunos, sustentando-as no método científico, estimulando a criatividade, a aprendizagem crítica e o exercício da liberdade de expressão, de opinião e de crítica, explorando o valor formativo da investigação.

1.3 Incrementar as aprendizagens dos alunos aconselhando-os e auxiliando-os a ultrapassar as dificuldades que revelem no processo de ensino-aprendizagem. Desenvolver nos alunos uma atitude positiva face às exigências do ensino superior.

1.4 Respeitar as opções e orientações dos alunos, designadamente nos campos da sexualidade, da religião e da ideologia.

1.5 Ser assíduo e pontual às aulas e a outros tipos de ensino presencial (p. ex. sessões de esclarecimento de dúvidas).

1.6 Cumprir escrupulosamente os compromissos assumidos para com os alunos.

1.7 Planificar processos de ensino-aprendizagem com objectivos claros e partilhados, de conteúdo científico rigoroso e actualizado, apoiados em metodologias pedagógicas activas, adequadas aos objectivos pretendidos e explicitados, e periodicamente revistas, designadamente a partir dos resultados da investigação ou de experiências pedagógicas, com vista a um crescente sucesso educativo dos alunos.

1.8 Elaborar materiais de estudo e de trabalho destinados à aprendizagem dos alunos, nomeadamente propostas de bibliografia e outras fontes de apoio à disciplina.

1.9 Garantir a adequação e a transparência dos processos de avaliação e de classificação dos alunos.

1.10 Promover a validade, a fidelidade e a fiabilidade das provas de avaliação sumativa.

1.11 Assegurar a autenticidade das provas de avaliação, prevenindo as situações de fraude.

II. Princípios a respeitar perante colegas, instituições e a sociedade

2.1 Manter-se actualizado científica e pedagogicamente, procurar adquirir qualificações do mais elevado nível e aperfeiçoar o seu desempenho em todas as actividades que lhe competem nos domínios do ensino, da investigação científica, da gestão, da extensão cultural em geral e da divulgação científica em particular.

2.2 Empenhar-se enquanto cidadão e académico no debate e na procura de soluções para os problemas de desenvolvimento social e económico sustentável do país e para a elevação do nível educativo, cultural e científico da população.

2.3 Desempenhar efectivamente o conjunto de funções que lhe forem confiadas e que sejam da sua competência, de acordo com a respectiva categoria, designadamente: aulas e sua preparação; atendimento a alunos; coordenação; orientação científica e pedagógica de estudantes de pós-graduação e de colegas; actualização e formação científica e pedagógica; investigação; gestão e extensão cultural.

2.4 Respeitar rigorosamente, no caso de opção pelo regime de dedicação exclusiva, a declaração de renúncia "ao exercício de qualquer função ou actividade remunerada, pública ou privada, incluindo o exercício de profissão liberal" (nº1 do art.º 70º do ECDU, também aplicável aos docentes do politécnico).

2.5 Respeitar, quando em regime de tempo integral, com ou sem dedicação exclusiva, a exigência de prestação de 35 horas semanais de trabalho dedicado à instituição a que corresponde o vínculo laboral.

2.6 Respeitar, quando em regime de tempo parcial, as horas semanais de trabalho correspondentes ao contrato.

2.7 Não aceitar trabalhos ou exercer funções que objectivamente ultrapassem as suas competências, capacidades ou estatuto académico.

2.8 Avaliar com objectividade e transparência de critérios o trabalho de colegas, no exercício das funções de membro do júri em provas e concursos ou ser relator na emissão de pareceres qualquer que seja a sua finalidade (vinculação à carreira, aceitação de trabalhos para publicação sob a forma de livro ou artigo, etc.).

2.9 Cumprir rigorosamente as obrigações enquanto orientador de dissertações de mestrado ou de teses de doutoramento, as quais implicam apoio e aconselhamento continuados e apropriados às dificuldades dos orientandos, tendo em atenção as obrigações do orientador perante os Conselhos Científicos das instituições e os prazos estabelecidos nas carreiras para a apresentação desses trabalhos.

2.10 Respeitar os direitos dos colegas legalmente consagrados, em qualquer circunstância e em particular quando no exercício de cargos de gestão ou de funções como membros de júris em provas ou concursos.

2.11 Respeitar a autoria intelectual, abstendo-se de qualquer forma de plágio, citando os trabalhos de outrem sempre que haja que invocar ideias originais que neles estejam contidos e em geral opor-se a qualquer forma de concorrência desleal.

2.12 Inscrever como co-autores de um artigo científico ou de qualquer outro tipo de trabalho todos quantos tenham tido uma participação significativa na sua concepção e/ou concretização.

2.13 Privilegiar os objectivos da produção de trabalho científico realmente inovador.

2.14 Respeitar escrupulosamente o método científico rejeitando a falsificação de resultados experimentais.

2.15 Não abusar da condição de superior hierárquico ou do exercício do poder "de facto", designadamente descarregando sobre os mais novos na carreira ou sobre aqueles que de si dependem responsabilidades que são suas, tanto no ensino, como nas tarefas de coordenação de cursos ou de áreas científicas.

2.16 Respeitar as diferenças de opinião científica e contribuir para o debate e o esclarecimento de polémicas científicas, não se permitindo usar argumentos de autoridade hierárquica para dirimir tais questões.

2.17 Comportar-se lealmente para com os colegas em qualquer circunstância e cooperar com eles em projectos de trabalho conjunto, rejeitando a competição sem princípios.

2.18 Participar na eleição dos seus representantes nos órgãos académicos e representativos da classe, e participar com diligência nos trabalhos daqueles para que tenha sido eleito.

2.19 Exercer os cargos de gestão em harmonia com os planos de actividade aprovados pela instituição, na prossecução do interesse público, abstendo-se de usar tais cargos em benefício próprio ou no de grupos de interesses sejam eles quais forem.

2.20 Respeitar as decisões colegiais, desde que tomadas dentro das normas legais, cumprindo as regras democráticas de funcionamento dos órgãos, sem prejuízo do direito a recolocar as questões.

2.21 Promover as liberdades académicas e de expressão de opinião e de crítica, bem como a liberdade de criação, designadamente dos colegas que se encontrem em situação mais vulnerável, seja porque estão em início de carreira, seja porque se encontram com vínculos precários.

2.22 Prestar contas do seu trabalho com prontidão e transparência sempre que para tal for solicitado por quem de direito.

2.23 Evitar participar em processos de decisão ou de escolha em que o docente ou o investigador se encontre perante situações reais de conflito entre interesses próprios e da instituição a que pertence, que configurem situações qualificáveis como de incompatibilidade ou de impedimento, que devem ser declaradas sempre que existam.

2.24 Cooperar em prol do desenvolvimento profissional dos colegas, contribuindo para a sua valorização.

2.25 Motivar todos os docentes para o cumprimento destes princípios, pugnando constantemente pelo prestígio da classe.

[1] Definição adaptada pela FENPROF da constante na Recomendação relativa à condição do pessoal docente do ensino superior, adoptada pela UNESCO em 1997.

[2] Definição adaptada pela FENPROF da constante na Recomendação relativa à condição dos investigadores científicos, adoptada pela UNESCO em 1974.

[3] Definição incluída em Proposed Standard Practice for Surveys on Research and Experimental Development, Frascati Manuel, OCDE, 2002, tradução da FENPROF.