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Reportagem do debate realizado pela FENPROF no salão nobre da Reitoria da Universidade de Lisboa (16/09/2009)

Partidos políticos analisam e comentam situação no Ensino Superior

17 de setembro, 2009

Todos os partidos com assento parlamentar estiveram representados no debate público que a FENPROF realizou na tarde de 16 de Setembro (quarta-feira), no salão nobre na da Reitoria da Universidade de Lisboa. Subordinada ao tema "Legislativas'09: os partidos e o ensino superior", a iniciativa lançou o desafio para uma reflexão em torno de matérias centrais como o novo Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES); os novos Estatutos de Carreira; a redução, ano após ano, dos orçamentos de Universidades e Politécnicos; e a falta de regularidade e de transparência no financiamento das unidades e actividades de investigação, reflectidas na ausência, durante três anos, de concursos a projectos de investigação em todos os domínios científicos.
Participaram Carlos Bravo Nico (PS); Pedro Lynce (PSD); Miguel Tiago (PCP); João Maria Condeixa (CDS/PP); Miguel Reis (BE); e Francisco Madeira Lopes (PEV), que abordaram aquelas (e outras) matérias numa primeira ronda de intervenções e depois nas respostas às perguntas colocadas pela assistência. Todos os presentes sublinharam a oportunidade desta iniciativa do Departamento de Ensino Superior e Investigação da FENPROF.

Após uma curta intervenção de Mário Nogueira, Secretário Geral da FENPROF, que agradeceu "a resposta positiva" dos partidos a esta iniciativa sindical e lembrou algumas das matérias do ensino superior e da investigação que estão em cima da mesa, Manuel Pereira dos Santos (SPGL), que moderou a sessão, passou a palavra ao representante do Partido Socialista.

Bravo Nico (PS):
"Estas reformas correram bem"

Bravo Nico caracterizou a legislatura que agora termina como "um período muito intenso", com "benefícios" para o ensino superior e a investigação, embora reconhecendo que "há aspectos que poderiam ter corrido melhor".
Listando as questões mais "positivas", o deputado socialista apontou a avaliação internacional ("informações significativas para desenvolver políticas"), os "novos públicos do superior", o "reconhecimento dos graus académicos", o novo RJIES, a "melhoria do apoio social aos estudantes", os novos Estatutos de Carreira Docente do Universitário e do Politécnico e ainda a "aposta significativa na ciência e na rede de laboratórios do Estado".
Bravo Nico garantiu que "estas reformas correram bem" e que a bancada parlamentar do PS "acompanhou e deu contributos para melhorar" essas reformas.
Afirmou mesmo que neste período o "o País avançou".
O deputado e docente da Universidade de Évora manifestou entusiasmo com o Processo de Bolonha, destacando que "o grande desafio, agora, é fazer aparecer o paradigma de Bolonha em cada sala de aula do ensino superior".
Ainda no âmbito da internacionalização, apontou os desafios que se colocam não só a nível europeu, "como no espaço da lusofonia e do mundo".
"Houve momentos difíceis" em matéria de financiamento do ensino o superior, afirmou Bravo Nico, que observou: "Todas as entidades sofreram com a crise..."
Quanto à promoção do emprego científico, declarou que "é possível fazer melhor", exemplificando com a formação de novos investigadores. Garantiu também que mesmo em tempos de crise "a nossa balança tecnológica é positiva".
"O importante é consolidar as reformas e melhorar o que não correu tão bem", concluiu.

Pedro Lynce (PSD):
"Não conseguimos perceber
que tipo de fundação está ali configurado"

Pedro Lynce, que anteriormente desempenhou responsabilidades governativas (entre outros cargos, foi Ministro da Ciência e Ensino Superior no XV Governo Constitucional), chamou a atenção para três objectivos essenciais: o reforço da autonomia das instituições de ensino superior, a igualdade no acesso à afectação de recursos ("nunca foram claros os acordos com as universidades americanas...") e a melhoria da qualidade e da quantidade do ensino superior ("temos 12 por cento de indivíduos com formação superior, quando no plano europeu essa percentagem já vai na casa dos 30 por cento"). Sublinhou ainda que tem que haver uma clara aposta do País a nível cultural.
Em matéria de "inovação e a transferência de conhecimentos", o representante do PSD neste debate da FENPROF acentuou que "ainda não conseguimos acertar".
A propósito do RJIES, em relação ao qual mantém a sua "reserva", Pedro Lynce comentaria a dado passo: "Mais importante do que mexer nessa legislação, é a estabilidade dentro das instituições."
"Não conseguimos perceber", afirmou, "que tipo de fundação está ali configurado... tenho receio que possa criar discricionariedade". Concluiu esta matéria, propondo que o RJIES tenha uma avaliação periódica.
Quanto ao financiamento, Pedro Lynce identificou assim as duas "parcelas" envolvidas: por um lado o Estado, "principal financiador"; por outro, as receitas próprias (incluindo as propinas e a prestação de serviços).
O Estado deve garantir um financiamento-base com estabilidade nas áreas do ensino e da investigação; o actual não satisfaz, destacou, apontando ainda a responsabilidade total do estado na acção social escolar, "primeira prioridade". "É preciso garantir que nenhum estudante deixe de estudar no ensino superior por problemas económicos", realçou.
Salientou a importância dos contratos programa e a transferência de conhecimentos para as empresas e, em matéria de orçamento, a necessidade imperiosa de estabelecer  "critérios rigorosos e transparentes".
"É possível aprender com as experiências do passado" para fazer melhor em termos de financiamento, registou Pedro Lynce, que afirmaria noutra passagem desta sua primeira intervenção do debate promovido pela FENPROF:
"Não é possível aumentar as propinas, face à situação social que se vive no País. Não aceito mais impostos neste momento. Temos que reforçar as bolsas para os que têm mais dificuldades. Temos que investir nas residências para professores e alunos."
"Discordo totalmente" - foram estas as palavras que o Professor Pedro Lynce usou para se referir aos novos Estatutos de Carreira. Estes documentos, realçou, "estão em sintonia com os quatro anos e meio de governação." E noutra passagem: "Tirou-se ao Ensino e deu-se à Ciência". "Estão fora da realidade".
Afirmou também que "terão que se equilibrar" muitas das orientações expressas nos novos Estatutos e que, quanto à regulamentação, "não se sabe o que vem aí". Falou ainda da necessidade de racionalização da rede pública de oferta do ensino superior ("veja-se o cenário das vagas e da colocação dos alunos") e concluiu assim:
"Vamos ter instituições de 1ª, de 2ª e de 3ª. Depois quero ver quem é que vai dizer quem são as instituições de 2ª e de 3ª. O mercado vai ser duro!".

Miguel Tiago (PCP):
Pela saída de Portugal do Processo de Bolonha,
por um ensino superior gratuito

Depois de manifestar a oposição do PCP à "política de submissão do ensino superior aos interesses do mercado", em detrimento dos "interesses nacionais", num espaço em que "as instituições competem entre si", disputando clientes (os alunos), o representante do PCP neste debate, deputado Miguel Tiago, criticou os objectivos de mercantilização do conhecimento do Processo de Bolonha e da Estratégia de Lisboa e acusou PS e PSD de terem políticas que se "toleram" e se "complementam", legislatura após legislatura.
"Antes da crise internacional ter rebentado já os estudantes e as suas famílias sentiam por cá a crise", comentou o deputado comunista, que abordou os aumentos das propinas, fruto das "políticas de asfixia financeira" contra as instituições.
Mais adiante, Miguel Tiago condenou o ataque ao regime jurídico das instituições de ensino superior e às carreiras dos docentes e investigadores.
Esboçando um caminho alternativo à situação actual, destacou que é necessário colocar as políticas para este sector em sintonia com a Constituição da República. Ao longo da sua intervenção, o representante da bancada comunista condenou "a elitização gradual e crescente do ensino superior no nosso País" e as políticas, como as do PS de Sócrates e Mariano Gago, que provocam o aumento do desemprego: "Temos hoje mais de 45 000 licenciados no desemprego. Não há uma valorização do trabalhador licenciado".
Miguel Tiago propôs mais adiante a saída de Portugal do Processo de Bolonha. "Desde sempre fomos contra", recordou. E apresentou razões: trata-se de um "ataque ao valor do trabalho, à formação do indivíduo e à soberania nacional".
A mobilidade, acrescentou, pode ser feita na mesma sem Bolonha. "A circulação é possível".
"Como está na Constituição, propomos um ensino gratuito para todos", declarou noutra passagem, associando a gratuitidade a exigências e critérios de qualidade e responsabilidade no financiamento do ensino superior.
Também o novo RJIES mereceu a crítica directa do represente do PCP, que alertou para as consequências da privatização do ensino superior, aludindo à figura da "fundação pública de direito privado", com gestão, orientação e participação dos privados, incluindo representantes do capital.
Miguel Tiago lembrou, noutra passagem, que o PCP se comprometeu a levar os Estatuto de Carreira à apreciação parlamentar e manifestou a solidariedade do partido para com os professores mais afectados por estes Estatutos, com particular incidência os do Politécnico.


João Maria Condeixa (CDS/PP):
Aos alunos com média acima de quinze valores
deve ser garantido o acesso ao curso pretendido

"Os assuntos de que aqui se fala neste momento parecem os mesmos do tempo em que o Professor Pedro Lynce tinha responsabilidades governativas", comentou o representante do CDS/PP.
João Maria Condeixa criticou "o fraco investimento" no sector ("muito longe dos 3 por cento do PIB") e recordou que a nossa percentagem de licenciados continua muito abaixo da média da União Europeia.
Ao condenar a injustiça e a desadequação dos novos estatutos de Carreira às realidades e às justas aspirações de muitos docentes, destacando que o Governo não compreendeu as especificidades do ensino superior politécnico, "não lhe dando relevância e enquadramento", João Condeixa propôs um modelo único de carreira.
De seguida, desenvolveu aquilo que chamou "três desafios" para o ensino superior e a investigação: qualidade, internacionalização e competitividade.
Falou também da necessidade de "um levantamento da empregabilidade" e da valorização das despesas com a educação nos impostos.
"A avaliação externa foi interrompida e ninguém fala disso", criticou.
"Não acredito num aumento da carga fiscal, directo ou indirecto", salientou, referindo-se às propinas. Exigiu ainda uma "gestão muito eficiente dos recursos".
No capítulo das propostas mais "inovadoras" do CDS/PP, afirmou que o partido é a favor que aos alunos com média acima de quinze valores deve ser garantido o acesso ao curso pretendido. "Actualmente não se valoriza a vocação profissional dos jovens", observou. Falou ainda da necessidade de adequação da oferta à procura e propôs que as propinas dos mestrados sejam equiparadas às das licenciaturas.
Noutra passagem, João Maria Condeixa recordou a importância da prestação de serviços pelas universidades.


Miguel Reis (BE):
"Ultimamente muitos jovens foram obrigados
a abandonar a escola por causa das propinas"

Associando o novo RJIES e a criação das fundações à diminuição da participação democrática nas instituições, o representante do Bloco de Esquerda neste debate apontou a entrada nos conselhos gerais de "figuras exteriores, representantes do mercado", como Paulo Teixeira Pinto, Amorim e outros.
Miguel Reis condenou, depois, as sucessivas políticas de asfixia financeira do ensino superior e lembrou os frequentes alertas dos reitores ("a história tem-se repetido nos últimos anos").
Recordou palavras proferidas anteriormente no sentido de que Mariano Gago tirou ao ensino superior para poder dar à ciência e lembrou as consequências negativas da competição exagerada pelos fundos para a investigação (privados ou públicos): "multiplica-se a quantidade por vezes em detrimento da qualidade dos projectos".
A crítica aos aumentos das propinas esteve em destaque nas intervenções de Miguel Reis, que alertou para os pesados encargos das famílias que têm filhos a estudar no ensino superior ("hoje temos propinas máximas de quase mil euros") e garantiu que ultimamente muitos jovens foram obrigados a abandonar a escola por causa das propinas, que caracterizou, assim, como "um instrumento de selecção". Defendeu um ensino superior gratuito.
"O PS e o PSD não concordam com o fim das propinas. Tentaremos melhorar esta situação das famílias e dos alunos com propostas que coloquem estes partidos do centrão em condições mais difíceis para recusar essas melhorias", declarou.
"Foram-se as rosas, ficaram os espinhos", foi assim que Miguel Reis iniciou a abordagem à temática de Bolonha. "Três anos com propinas e mais dois anos ainda mais caros"- é isto que o estão oferece", destacou o represente do BE, que deixou, em seguida, mensagens de solidariedade com os docentes dlo Politécnico ("há o perigo de muitos ficarem de fora dos quadros das instituições") e com os trabalhadores-estudantes, para quem pediu mais apoios e valorização, na defesa dos seus direitos, com a criação de cursos nocturnos e com condições proporcionadas pelas empresas.
Lembrando "uma das situações mais vergonhosas" no sector do trabalho no nosso país, Miguel Reis chamou a atenção para os problemas dos bolseiros de investigação científica, que cumprem necessidades básicas, e que desde 2002 não têm a suas bolsas actualizadas, vivendo "uma situação precária, sem direitos: não se compreende como é que o PS manteve esta situação."


Francisco Madeira Lopes (PEV):
Ensino politécnico continua a ser encarado
como "parente pobre" do ensino superior


Último orador na primeira ronda, o deputado Francis Madeira Torres começou por lembrar que "o PS prometeu há quatro anos e meio que não aumentava as propinas, mas obrigou as instituições a fazê-lo, devido ao estrangulamento financeiro imposto pelo Governo, numa altura em que se registaram aumentos de encargos". "Foi um autêntico garrote", sublinhou.
Dirigiu críticas ao PS e ao PSD nesta matéria, condenando "a desresponsabilização do Estado" e a transferência de pesados encargos para as famílias.
"Na prática, Bolonha também teve consequências nos cortes financeiros", referiu o deputado do Partido Ecologista "Os Verdes".
Face às crescentes dificuldades dos alunos e famílias e aos protestos de algumas bancadas, de organizações sociais e de sectores da opinião pública, "o Governo respondeu dizendo apenas que tinha reforçado o crédito...", observou Madeira Lopes.
O ensino politécnico continua a ser encarado como "parente pobre" do ensino superior e os novos estatutos de carreira bem o demonstram, registou o deputado, que manifestou a disponibilidade do seu partido para levar à AR matérias como a precariedade no politécnico e a situação dos leitores.
"Não há excesso de docentes. O que começa a ser preocupante são as dificuldades de tesouraria para pagar salários. Mantém-se a ameaça de dispensa de numerosos docentes em várias instituições", alertou Francisco Madeira Lopes, que criticou as políticas economicistas do Governo Sócrates em matérias fundamentais para o desenvolvimento do País.
Quanto ao novo RJIES, lamentou que os diplomas tenham passado "à pressão", "com pouco debate na Assembleia da República",  e criticou o papel atribuído às fundações. Criticou ainda a política dos recibos verdes para pagamento de trabalho relacionado com necessidades permanentes das instituições (lembrou o caso dos bolseiros).

Questões levantadas pela assistência

No período de perguntas e respostas, foram abordados temas como a qualificação do corpo docente no ensino superior universitário e politécnico público e também no privado e cooperativo; e os modelos de financiamento da acção social escolar de outros países, com destaque para o exemplo escandinavo.
Houve quem alertasse para a situação do Politécnico nos próximos seis anos: estão previstos 8 000 concursos. "Uns andarão a avaliar e outros a ser avaliados". Como funcionarão, nessa altura, as instituições?
Como lembrou um dos elementos da assistência, os novos encargos impostos às universidades  com os descontos obrigatórios para a Caixa Geral de Aposentações (CGA) fizeram com que algumas entrassem em ruptura financeira.
Função docente e função de investigação (coexistência de carreiras; sim ou não à carreira de investigação na Universidade?) foi outro dos temas levantados neste debate, onde se destacou que a investigação não se faz só com os investigadores (alusão ao trabalho dos técnicos especializados).
As deficiências no trabalho da FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia), organismo do MCTES, foi outra questão em destaque, tendo os representantes dos partidos, na generalidade, confirmado que têm chegado diversas queixas ao parlamento. Foi ainda colocada a necessidade de promover a "regionalização da ciência".
Destaque ainda na ponta final para a necessidade de reforço dos apoios às famílias e aos estudantes (não basta reivindicar um ensino gratuito, é preciso apoiar quem precisa) e para as declarações de Pedro Lynce e de Carlos Bravo Nico.
O primeiro alertando os presentes, por um lado, para a diferença entre a compreensão face às diversas matérias e, depois, a "força" das prioridades políticas dos governos em tempo de vacas magras; por outro lado, salientando que "chega de situações de excepção" quanto à qualificação dos docentes do privado; e por outro lado, ainda, confirmando que "Bolonha foi mesmo a correr..."
O segundo valorizando "o enorme serviço prestado pelas instituições privadas de ensino superior" nos anos 80 e perspectivando a sua importância no presente e no futuro ...

José Paulo Oliveira
Jornalista