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"Um país sem cultura, sem ensino, é um país condenado a viver na penumbra"

Da fundação da CPLP à “Petrolíngua”!

25 de julho, 2014

Temos ainda presente que, entre outros motivos, o que levou à fundação da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa foi a materialização de projetos de promoção e difusão da língua portuguesa.

Recordamos ainda quais os propósitos e objetivos da mesma: divulgação, implantação e consolidação da língua no mundo. Lembramos os acordos assinados, as cartas de princípios que estabeleciam os níveis de comprometimento na prossecução dos objetivos subjacentes à união dos países em torno do objetivo comum: a divulgação da língua portuguesa!

Até uma revisão quase completa da ortografia, logo no início dos anos 90 foi consubstanciada no chamado AO90, o que tanta polémica tem levantado. O gigantismo brasileiro e angolano a tal levaram; os governos comprometeram-se a ratificá-lo. Uns, correram pressurosos a fazê-lo, outros, ainda pensam no assunto, e outros, fazem tudo por esquecê-lo. É que tal atitude traz no mesmo envelope as contribuições a que estão obrigados para o orçamento comum!

Toda esta estrutura assentava na cooperação, na divulgação e credibilização do português como língua internacional de negócios, permitindo o reconhecimento da sua vertente económica pela comunidade internacional. Tudo bem, tudo boas intenções mas, delas está o inferno cheio! A nível da CPLP o que conta é o número de falantes que, mal ou bem, se vão expressando na língua de Camões. Falantes, que não “escreventes”! Isso é outro assunto.

 O dia 5 de maio foi instituído como Dia da Língua Portuguesa e da Cultura, celebrado em todo o espaço lusófono.

Este ano fomos brindados com a realização, no Luxemburgo, da conferência comemorativa da efeméride. Sob os auspícios da CPLP e de outras entidades representativas de países constituintes, bem como da missão diplomática, responsáveis ao mais alto nível da organização e contou ainda com a presença de ... outros!

Estes outros foram os professores a trabalhar no Ensino Português no Estrangeiro. Estes e outros são os responsáveis pelo ensino e divulgação da língua e da cultura portuguesas na Europa. Estes e outros são os que todos os dias contactam com as comunidades imigrantes espalhadas por esse mundo, Europa incluída, e que procuram ensinar a falar, ler e escrever o português.

Muito se falou, falou e... falou! Muito se comunicou em economês mas, de professores e de língua, ressalvando a intervenção de uma docente do ensino superior em Angola, pouco mais se disse. Gráficos e mais gráficos, folhas de cálculo e mais folhas, imagens e mais imagens, distorcidas em nossa opinião, ocuparam a parca assistência maioritariamente composta por professores.

Interessante foi o peso colocado nos “falantes”. Todavia, com grande pena nossa, uns não sabem ler, outros não sabem falar mas, o importante é serem “falantes”! Todos nós sabemos que existem professores espalhados pelo mundo a ensinar a ler, a escrever e a falar o português, de Díli a Bucareste, de Macau a Santo António na Califórnia mas só um dado resulta: não interessam, precisam de ser eliminados porque ficam muito caros ao erário.

Então é necessário ir “buscar” a Guiné Equatorial, expurgá-la da influência do castelhano e do francês, qual cruzada libertadora do jugo de Cervantes e dos gauleses e “catequizá-los” em português. Os professores agradecem o gesto magnânimo do presidente guinéu, Teodoro Obiang, considerado como o homem mais rico do mundo [sabe-se lá porquê!!!] que anunciou, num francês com “accent” que o português iria começar a ser ensinado, com caráter obrigatório nas escolas guineenses.

Mais um destino para emigrar...

Os portugueses começaram de imediato a vislumbrar mais um destino para emigrar: os professores para ensinar a língua e a cultura portuguesas, os outros para trabalhar nas plataformas petrolíferas. Agora, haja alguém que ouse dizer que a CPLP não dá/cria oportunidades; mesmo que o desrespeito pelos Direitos do Homem seja uma prática denunciada pelas organizações internacionais, isso não invalida a aceitação da candidatura e consequente integração do país no seio da CPLP.

Em tempos passados o governo português vetou a candidatura deste país. E fê-lo com inteira justeza. Desta vez, curvou a cerviz perante os interesses dos grandes grupos económicos. Mais uma vez o nosso país abdica das suas posições por uns barris de petróleo.

E outros se perfilam no horizonte. Talvez o Senegal, onde a língua portuguesa é “sacerdotalmente” ensinada, seja o próximo a entrar na organização. Não se sabem ainda quais os motivos linguístico-culturais aduzidos para apoiar a candidatura. No entanto, os recursos naturais não deixarão de ser tidos em consideração. Quantos “falantes” de português existirão já no Senegal?

O cenário muda radicalmente quando regressamos ao velho continente. A imagem dada pelos cortes efetuados no Ensino Português no Estrangeiro contrastam com a largueza do fausto e dos gastos efetuados com a cimeira de Díli e outros eventos do género. Quanto terá custado organizar a conferência da CPLP em Timor? Se tivéssemos acesso aos números talvez nos permitíssemos afirmar que em lugar de termos menos onze professores no EPE-Europa, teríamos mais onze professores a trabalhar, e que bem precisos são! Mesmo com a propina o EPE continua a ser visto como um sugadouro de dinheiro. Não produz retorno, nem mesmo com o contributo das remessas dos nossos compatriotas imigrados.

Interessante foi ver na televisão o Primeiro Ministro, em digressão por terras timorenses visitar uma escola em Díli e dirigir-se, em português, claro, a uma turma de crianças que ficaram a olhar para ele, como se de um extraterrestre se tratasse sem perceberem “patavina” do que o ilustre governante dizia! Porque será que, em lugar de patrocinar cortes no EPE não nos brinda com uma visita, seja na Suíça, na Alemanha ou em Espanha? Nós compreendemos. Não há petróleo nestes países. Nestes países só há trabalho, perseverança, esforço e dedicação a um país que nos vira, sistematicamente, as costas!

Todavia, novas perspetivas e desenvolvimento são esperados com esta “revitalização” da CPLP. Já eram sobejamente conhecidas as siglas Petrobras e Petrangol. Agora, outra emerge de um furo na plataforma da CPLP, a “Petrolíngua”!

Vamos aguardar para ver o papel que fica destinado a Portugal, à sua língua e à sua cultura. E nós, os professores, vamos aguardando em constante sobressalto, o futuro que nos esteja destinado. Alguém disse, um dia, em jeito de paródia que havia “petróleo no Beato”. Nós só podemos formar, ensinar, educar crianças e jovens que serão o futuro, o amanhã e que, com o nosso esforço e dedicação continuarão a falar, ler e escrever em português. Para isso trabalhamos todos os dias, assim nos permitam manter os nossos postos de trabalho.

Pensamos que seria com extrema dificuldade que sobreviveríamos ao “terrorismo económico” que tudo sacrifica à expressão fria dos números. Somos pessoas que ensinamos a ler, a escrever e a falar em língua portuguesa. Parece-nos que os decisores políticos já nasceram ensinados, quais prodígios predestinados a segurar as rédeas do poder no mundo.

Só que estas mais se parecem com grilhetas que procuram por todos os meios retirar a liberdade às pessoas e condená-las a uma escravatura intelectual, não lhes permitindo a liberdade de pensamento e o acesso ao ensino e ao desenvolvimento das suas capacidades cognitivas. A História tem-nos demonstrado várias épocas cinzentas no que ao desenvolvimento cultural e científico das sociedades ocidentais diz respeito. Mas este cinzento atual está muito carregado, muito escuro! É um obscurantismo quase total.

Um país sem cultura, sem ensino, é um país condenado a viver na penumbra, isento de vida e de vontade própria! Este governo tem perpetrado os mais incompreensíveis atropelos e malfeitorias no que ao EPE diz respeito. Em apenas quatro anos, contabilizando os “sacrificados” de novembro de 2012 e os de julho de 2014, sessenta professores deixaram o EPE. Muitos outros, por não conseguirem sobreviver vão abandonando o sistema. A linguagem dos números em termos de redução de efetivos é aterradora. Em breve ficaremos reduzidos à famosa “meia dúzia” portuguesa.

O Sindicato dos Professores no Estrangeiro tudo fará para que estas medidas agora tomadas e irreversíveis, segundo alguns, possam ainda ser corrigíveis. Em nome do ensino da língua e da cultura portuguesas.

Carlos Pato
SPE/FENPROF