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Opinião

Carta de uma professora que sabe o que anda a fazer no EPE

17 de fevereiro, 2013

O Secretário de Estado das Comunidades afirmou a um órgão de comunicação social que ”(...) há professores nossos [portugueses] que ainda não sabem trabalhar com os níveis linguísticos do Quadro Europeu de Línguas. Têm de aprender!”

É grave uma afirmação destas. É grave pôr em causa a preparação científico-pedagógica dos profissionais que estão no terreno em contacto permanente com a realidade do Ensino Português no Estrangeiro e um governante com responsabilidades tutelares vem aviltar estes profissionais da educação.

Contradições do discurso:

1)  Os professores não precisam de “saber trabalhar” com o QECRL pois têm o QuaREPE, documento elaborado com base no referido quadro mas que estabelece a ponte entre a realidade do EPE e o citado quadro de referência. Aliás, o QECRL é um documento generalista, produzido pelo Conselho da Europa e que deve, com as adaptações nacionais estar na génese dos programas de cada país;

2) Os professores no Ensino Português no Estrangeiro conhecem-no bem, já trabalham com ele há algum tempo, implementam tarefas com base nos seus descritores, calibram níveis de proficiência e enquadramento linguísticos com base nas competências nele descritas;

3) Os professores no EPE, pelo facto de “estarem fora do país há muitos anos” não estão “desenquadrados”, “desligados” da realidade atual do ensino”.

Mas que realidade? A nacional, lusa ou a que é vivida todos os dias nos países do EPE? Quais as vantagens de estarem “no país – Portugal” para propiciar um trabalho “enquadrado” e “ligado à realidade atual do ensino” ? Mas em Portugal os docentes , os colegas professores de língua e cultura portuguesas têm algo para comunicar sobre os “níveis linguísticos” ou pretender-se-ia falar em níveis de proficiência linguística?

Os professores no EPE têm, ao longo dos anos frequentado todas as ações de formação que lhes têm sido proporcionadas pelas sucessivas tutelas do EPE. Talvez não seja de mais expor ao Senhor Secretário de Estado que foram realizadas até 2010, entre 10 a 15 ações de formação frequentadas por cerca de 350 a 400 professores, alguns dos quais já fora do EPE por força de aposentações e despedimentos.

Não podemos aceitar a afirmação do Secretário de Estado quando este afirma, a dado passo da sua entrevista “(...) Não podemos ter professores a ensinar sem saber o que é ensino”.

Isto é muito grave!

Isto é ultrapassar os limites do bom senso! Isto é o insulto puro e duro!

Nós aceitamos que haja professores excelentes, muito bons ou bons, e professores esforçados para atingir os mesmos objetivos: também conhecemos médicos, engenheiros, ministros e secretários de estado, uns melhores do que outros, que por vezes não sabem o que dizem ou o que fazem! Todavia a esses não os podemos ou devemos apelidar de incompetentes ou ignorantes por todo um conjunto de procedimentos e ou atitudes erradas? Não estarão estas afirmações do Secretário de Estado das Comunidades de tal maneira inquinadas, quiçá alicerçadas num mau domínio da temática e na falta de documentação sobre os assuntos versados que o leve a tecer considerações de teor duvidoso?

“Tem de haver programas definidos em Portugal e temos de perceber no fim se há resultados.” Acaso o Secretário de Estado ignora que o QuaREPE é a melhor base programática para o ensino da língua e da cultura portuguesas? Esquece-se ou omite deliberadamente que o mesmo quadro foi aprovado oficialmente pela Portaria nº 914/2009 de 17 de agosto ou referir-se-á aos “ensaios” ultimamente distribuídos e que ainda estão no domínio da discussão pública e que, por omissão grave ou atitude negligente nem um item contempla sobre a História e a Geografia de Portugal? Compreendemos que isso será atitude enriquecedora a ser assumida pelos professores, os tais que estão desenquadrados, desligados e que não sabem o que é o ensino (sic).

Quando o Secretário de Estado se refere à elaboração por níveis de aprendizagem, francamente, deveria estar a referir-se a níveis de proficiência linguística mas do QuaREPE e não do QECRL pois este é um guia usado para descrever os objetivos a serem alcançados pelos aprendentes de línguas estrangeiras na Europa, contemplando os diferentes sistemas e disposições de cada país.

Ainda há pouco tempo autoridades responsáveis pela tutela desta modalidade especial de ensino afirmaram que a certificação dos alunos lusodescendentes seria em língua portuguesa, sem especificações de LH, LE ou L2... Penso que deverá o governante solicitar mais informação sobre esta matéria em lugar de apelidar os professores de ignorantes e pessoas sem norte!

Refere-se ainda à certificação como algo importante a dar credibilidade ao ensino de Língua e Cultura Portuguesas mas não diz como e quem a vai realizar.

Todos andam com pressa para implementar a certificação já este ano letivo. Porquê? Será que estão reunidas as condições para tal? Ou manterá a afirmação anterior de que a mesma seria certificação interna para o Camões-IP?

Por último afirma que tem professores subaproveitados ressalvando que não estão na Suíça mas sim em áreas consulares em França. Classifica esse “subaproveitamento” de enorme. Então poder-se-á aplicar à Coordenação em França a sua máxima adaptada que “(...) Não podemos ter coordenadores a trabalhar sem saber o que é coordenar.”

Senhor Secretário de Estado, exijo respeito pelo meu trabalho, exijo respeito pelo meu sacrifício, exijo respeito pela minha dedicação à causa do ensino e exijo que, como professor que também é ou foi, compreenda e defenda os professores.

Uma professora desencantada.