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“A Língua portuguesa entre o Poder e a Liberdade”

Comunicação ao 10º Congresso da FENPROF

10 de maio, 2010

“A Língua portuguesa entre o Poder e a Liberdade”

A língua é poder, está nas relações de poder, numa arena de conflitos. E é com o peso das leis que a padronizam que ela cai sobre os ombros dos professores. O que dizer do professor de Língua e Cultura Portuguesas?

Entre regras e limites, o que pode e o que não pode, o que é certo e o que é errado? A língua padrão torna-se a materna: ora a mãe boa, ora a mãe má. Nas andanças da vida, quem nunca ouviu dizeres como: isto é um crime, isto é um insulto à língua portuguesa, à boa língua portuguesa! Na sala de aula, a língua oficializada pelo poder é também a madrasta dos contos de fada, recusando os filhos considerados ilegítimos: essa palavra que tu estás a dizer não existe.

Ora a língua é um código, uma linguagem de sistemas, mas ela não está acabada, fechada. A não ser que esteja morta. Estando viva, a língua é um acto de criação ininterrupto de reinvenção. E é experimentando aprendizagens com as outras pessoas que nos tornamos possuidores de um saber linguístico, de uma prática social. O que possuímos da língua, na verdade pertence a todos os falantes, a todos os praticantes dessa língua.

A aprendizagem da Língua Portuguesa bem, como da sua História, é um direito inalienável consignado na Constituição da República Portuguesa. Este documento magno, garante dos direitos dos cidadãos sejam eles residentes ou emigrados, está a montante do que o Estado pretende considerar como tarefas fundamentais, ou seja, o dever de assegurar o ensino e valorizar permanentemente a Língua e a História de Portugal.

É ainda considerado como imperativo constitucional e tarefa do Estado afirmar e difundir a língua e a cultura portuguesas adaptando-se às constantes transformações internacionais, fruto das dinâmicas da globalização, de novas oportunidades económicas e culturais, e de um reconhecimento renovado do valor da língua portuguesa como vector de desenvolvimento em todos os países em que é falado. (sic)

De globalização já podemos falar desde o século XV em sintonia com os nossos descobrimentos marítimos, assim como também podemos falar e, ainda em sintonia, da forma e do tratamento que foram sendo dado ao longo dos tempos, à difusão da nossa cultura e língua e o ostracismo a que têm sido votadas as nossas comunidades espalhadas pelo Mundo.

Realce deve ser dado ao empenho e ao trabalho desenvolvido pelo associativismo consubstanciado no Conselho das Comunidades Portuguesas no Mundo que se tem preocupado na defesa intransigente do ensino da Língua e Cultura portuguesas.

Mas o que têm feito os Governos é diametralmente oposto aos seus discursos:

- encerram cursos com o argumento de que não há alunos quando se assiste a uma imigração cada vez mais crescente em virtude da crise crónica instalada no país;

- limitam as redes horárias como regra de execução do economicismo reinante;

- impõem uma política de horários incompletos tendente à desagregação do EPE;

-  desrespeitam um dos mais elementares direitos dos professores que é o da assistência na doença e aos cuidados de saúde;

-  alheiam-se das regras de funcionamento do sistema de protecção dos outros países e, consequentemente obrigam professores a enfrentar dificuldades económicas, quando, em caso de doença e fruto da morosidade que caracteriza a burocracia governamental, se vêem obrigados a pagar do seu já diminuto orçamento familiar as despesas com a sua saúde e da sua família o que, em países com elevadíssimo custo de vida e com regras inflexíveis, se transforma numa preocupação acrescida;

- ignoram os professores que, em resultado do seu magro salário, resultante do horário reduzido e para enfrentar a carestia de vida, nomeadamente nos transportes de e para os cursos, se vêem obrigados, muitas vezes, a encontrar outro tipo de trabalho para conseguirem sobreviver com o mínimo de dignidade.

Quando trabalhando nos mesmos estabelecimentos de ensino, privando com os nossos colegas estrangeiros, somos confrontados com situações de desigualdade flagrantes suscitando um misto de pena e de desdém dos nossos colegas estrangeiros. Má imagem para quem tanto empenho pretende demonstrar na promoção da imagem do país.

Muitas vezes, quando denunciamos que o orçamento atribuído ao ensino da Língua e Cultura Portuguesas é exíguo e reivindicamos mais e melhores condições de trabalho, o argumento contrário é a crise, o investimento versus esforço económico do Governo para a visibilidade da cultura portuguesa, o contacto com as comunidades imigradas e emigradas, a aposta em outros sectores da diáspora portuguesa e mais e mais e mais.

Não será grande o esforço de análise aos orçamentos astronómicos que dotam as representações diplomáticas, a super-estrutura do sistema representativo oficial de Portugal e que têm por obrigação manter e reforçar os elos de ligação com as comunidades, desde embaixadores a cônsules!

Não é preciso grande pesquisa para encontrar, numa folha de salário de embaixada num país europeu, a informação de que um motorista de embaixada ganha mais do que um professor colocado no mesmo país! Um professor, disse bem!

Os verdadeiros representantes de Portugal junto das comunidades são os professores que diariamente mantêm contacto directo com os pais e os alunos, que ouvem as suas queixas, que procuram muitas vezes a solução para problemas pontuais que os afligem, que com eles falam das festas e romarias que todos os anos os impelem a partir e a percorrer milhares de quilómetros para manter vivas as raízes e os laços às suas famílias e às suas aldeias.

Onde estão aqueles que, por inerência dos cargos, deveriam desempenhar essas funções? Encerrados em gabinetes alcatifados e com os seus aparelhos de ar condicionado em funcionamento, alheados da realidade exterior pois são pessoas de outro nível social e que acham que não se devem misturar com a “arraia miúda” versus operários da construção civil e empregadas de limpeza, os Manéis e as Marias que juntam todas as economias para enviar para o seu país natal na mira de uma velhice digna para a qual têm que diariamente lutar pois o futuro em termos de pensões parece ter uma morte anunciada.

Gastam-se milhões em campanhas publicitárias de gosto e efeito duvidoso, mas investimento real na educação e na cultura não é rosto visível no imediato, não tem “out-doors” coloridos a anunciar: “Aqui ensina-se a Língua e a História de um país de descobridores de mundos que espalharam a sua língua e a sua cultura pelos cinco continentes”.

Não, o Ensino Português no Estrangeiro é um investimento sem retorno, no dizer de responsável do EPE que, se mandasse pôr-lhe-ia fim no imediato mas, quando vê o seu “lugar” em risco empresta a sua fotografia para falar, com ar preocupado, de uma medida de supressão de cursos que provavelmente ajudou a corporizar e que se identifica com a política governativa de redução de custos, ou seja, quantos menos cursos menos dinheiro. Será que também irá receber um prémio milionário de produtividade no final do ano???

Falar da diáspora fica bem em comemorações como o 10 de Junho que leva os governantes a passeatas em redor do planeta gastando milhões que são retirados ao orçamento para o qual todos nós contribuímos com os nossos impostos e que seriam suficientes para pagar o subsídio de refeição aos nossos colegas com horários incompletos espalhados por todo o Ensino Português no Estrangeiro.

Coarctar a possibilidade de acesso através de diplomas jurídico-administrativos, utilizar nuances ou manobras diversivas, catalogando os aprendentes ao sabor das orientações e vontades políticas do momento, é adaptar o inadaptável é fechar o que se quer aberto, é condenar os luso- descendentes a perder os laços, já ténues, que os ligam ao seu torrão natal.

Uma política de Língua e Cultura acessível a todos deve ser a orientação dos poderes instituídos e não uma arma de arremesso contra o sistema e os professores envolvidos. Uma língua é mais uma arma de defesa que de ataque, da mesma forma que um país sem História é um país sem alma.

Uma verdadeira política de divulgação da Língua e Cultura Portuguesas é uma atitude de reconhecimento a todos os que se empenham na sua divulgação. O Português é o embaixador  por excelência do nosso país. Tem valências políticas e económicas. O Português valoriza os emigrantes e leva ao seu respeito assim como é um determinante factor de progresso económico onde devidamente implantado.

Apreendendo na praxis que a língua é um instrumento de comunicação que precisa de ser trabalhado diariamente, pois cada aluno tem o seu modo de expressão e em cada texto produzido por ele, seja oral ou escrito, haverá uma nova realidade linguística a ser desvendada.

 Não podemos negar a contribuição dos racionalistas, mas também já não podemos continuar a ver os nossos alunos apenas como meros recipientes vazios à espera de regras, códigos e nomenclaturas, contidas em diplomas legais que, com o aval dos académicos, sonham com a redução dos saberes e a implementação de saberes estereotipados e segregadores e ao mesmo tempo restritivos, em nome de uma visão economicista do ensino.

Descobrimos, pois, com esse olhar que (des)conhecer algo pode tornar-se caro! Alienar em nome da despesa um momento de aprendizagem, nossa e dos nossos alunos? Quando não sabemos, propomos: vamos pesquisar? Isto estabelece entre nós um pacto de confiança: estamos juntos nos saberes, nos não-saberes, nos que-saberes e nos ainda não saberes. Será que tudo isto é caro? A Língua e a História de Portugal também são Liberdade!

Vivam os Professores Portugueses!

Viva o X Congresso da FENPROF!

Longa vida ao Ensino Português no Estrangeiro.

O Secretário-Geral do SPE

Carlos Alberto Pato

Montemor-o-Novo, 24 de Abril de 2010.