As políticas que vêm sendo imprimidas no âmbito da gestão centralizada do sistema educativo e das escolas, visam o estabelecimento de uma rígida cadeia hierárquica que transforme os professores em meros funcionários acríticos e cumpridores de normativos e passa por:
. afastar os professores da gestão das escolas;
. impor órgãos de direcção compostos por pessoas seleccionadas, não eleitas.
Trata-se aqui de criticar um modelo que já provou que o afastamento da generalidade dos docentes dos destinos das escolas se traduz num menor envolvimento na discussão sobre os caminhos e num total afastamento quanto à participação na definição das políticas nacionais.
A mera participação em estruturas intermédias de gestão do processo educativo ou a delegação de competências em órgãos controlados remotamente pelos interesses políticos locais (no caso dos conselhos gerais) ou pelo aparelho central do MEC (como acontece com as direcções de escolas e agrupamentos) retiram capacidade de intervenção aos professores, impedem o envolvimento nos processos de decisão e desmotiva qualquer professor de ter um papel decisivo contra a padronização dos métodos, das aprendizagens e dos processos de ensino.
O caso do 1.º ciclo é paradigmático:
a) A direita conseguiu reduzir a democraticidade da gestão das escolas, do período pós-Abril de 74 (em que até a própria formação era gerida pelos professores através de uma extraordinária valorização de auto-formação na qual os centros de apoio pedagógico tinham um papel fundamental), até à suspensão da elegibilidade de todos os órgãos, a banalização dos espaços de reunião, o fim dos órgãos colegiais e a redução do papel central que as estruturas intermédias de gestão educativa poderiam ter na afirmação de uma identidade e interdependência próprias de todos os docentes do 1.º ciclo no desenvolvimento educativo.
Passou-se de uma perspectiva colectivista, para uma lógica de promoção individualista e de construção solitária da profissão.
O que era de todos é, cada vez mais, de cada um.
Na verdade, ao 1.º ciclo e à educação pré-escolar nunce se garantiu, efectivamente, o direito de participação plena, excepto nos poucos casos de horizontalização orgânica da gestão das escolas e dos jardins de infância. No entanto, mesmo quando tal aconteceu, a dependência do controlo centralizado no MEC apenas conferiu a estes dois sectores a ilusão de que geriam, com autonomia apenas pedagógica, os seus estabelecimentos.
b) Por outro lado, primeiro, com a verticalização da gestão das escolas e, depois, com a transformação destas em mega-agrupamentos, o que era uma situação já profundamente negativa, agora, agravou de uma forma tremenda o afastamento dos professores do 1.º ciclo da direcção pedagógica e da gestão administrativa dos estabelecimentos de ensino. Ou seja, os professores do 1.º ciclo estão cada vez mais localizados na periferia das decisões, sendo-lhes reservado um papel de meros cumpridores de orientações, com pouca capacidade de influenciar as decisões ao nível da gestão de base do sistema educativo – os agrupamentos de escolas.
O processo de fusão/agregação das escolas:
– aprofundou o isolamento;
– tornou mais rígidas as relações de trabalho;
- aprofundou a inversão da lógica de prevalência da gestão pedagógica sobre a gestão administrativa das escolas e dos seus recursos;
- isolou os problemas que os professores sentem no plano específico e dissolveu-os na panóplia de problemas que todas as escolas vivem.
É, pois, necessário proceder a uma profunda mudança no modelo de gestão das escolas. A defesa de mais autonomia profissional e pedagógica ou de equipas educativas não tem qualquer sentido sem uma gestão democrática.
Não se pense, no entanto, que a direita neoliberal chegou ao fim do seu projecto para a Escola portuguesa. Para os neoliberais, a Escola deve ser um veículo de selectividade social, a qual só poderá ser imprimida com o aumento do proteccionismo ao sector privado e com a desvalorização da Educação Pública.
Para isso, este governo tem um plano de generalização dos contratos de autonomia, com o estabelecimento de uma lógica de gestão e financiamento por objectivos que não tem em conta os contextos sócio-culturais, económicos e educativos.E a contextualização da autonomia, ou seja: “autonomia, se …” ou “autonomia, mas …”. O seu aprofundamento consta do Guião da Reforma do Estado aprovado por este Governo PSD/CDS-PP, o mesmo guião que preconiza a liberdade de escolha e, com ela, a instauração de um sistema em que o público e privado são concorrenciais numa lógica de mercado…
Com os contratos de autonomia e a liberdade de escolha virão os contratos individuais de trabalho, cuja base ideológica é de diferenciação das condições profissionais a nível da duração dos contratos, do valor dos salários, da contratualização dos horários…
É necessário bloquear a máquina que faz andar este projecto. É imprescindível sistematizar informação relevante e criar pontes de esperança para o futuro da Escola Pública. É necessário reforçar a mobilização dos professores em defesa da gestão democrática, provocando o debate nas estruturas de gestão e de orientação educativa, exigindo participar nas decisões. É inevitável confrontar o poder e os poderzinhos locais com as outras soluções que aprofundam a democracia, dando, a cada um, um papel central nos processos de decisão. É preciso combater a contratualização da autonomia.
É urgente defender a escola pública universal e democrática, promovê-la, lutar por ela e chamar para esta luta outros actores sociais.
Mas para isso é impossível contornar o que é uma inevitabilidade: precisamos de outra política e de outro governo.
Luís Lobo,
Secretariado Nacional da FENPROF
Agrupamento de Escolas da Lousã
29.03.2014