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Covid-19, ensino não presencial e organização do novo ano letivo

FENPROF pretende reunir com MCTES e participar na definição do futuro

24 de junho, 2020

A pandemia causada pela Covid-19 deixou marcas profundas em todos os aspetos da atividade humana, evidenciando e aprofundando fragilidades causadas pelas desigualdades sociais. O impacto no ensino é, por esse motivo, bastante significativo. A abrupta exigência de passagem ao “Ensino a Distância”, ou, como preferimos e nos parece mais correto, “Ensino de Emergência”, tem suscitado muitas questões que exigem uma reflexão da comunidade académica e da sociedade em geral. A urgência desta transição implicou que inúmeras questões associadas à especificidade do trabalho à distância tivessem que ser relegadas para um segundo plano, para que não fosse completamente interrompida a comunicação com os estudantes, assegurando que critérios mínimos de ensino e investigação pudessem ser mantidos. Agora que se prepara o próximo letivo, temos de agir de forma a retomar o paradigma do ensino presencial.

Cinco aspetos desta notável e tão célere transição saltam à vista: a extraordinária capacidade de adaptação dos professores e dos estudantes à fluidez das alterações e da situação; um entendimento mais aprofundado das virtudes e das limitações do ensino não presencial; o agravamento das desigualdades sociais, particularmente entre estudantes; o acentuar da fragilidade dos vínculos laborais de um grande número de docentes e investigadores precários; o risco de a desmaterialização das atividades de ensino, lecionação, preparação de aulas, atividades de investigação, etc., conduzir à desregulação da atividade docente, à margem do ECDU e do ECPDESP, bem como da legislação laboral em geral.

Com a situação que ainda continua a ser vivida, as questões associadas à flexibilização do trabalho e à sua digitalização ou desmaterialização ficaram na ordem do dia, mas é essencial que se entenda que os avanços tecnológicos não podem implicar retrocessos dos direitos laborais e sociais. Como tal, no que se refere ao futuro, não se pode deixar que a situação de crise se transforme no que agora se designa de “novo normal”, passando a ditar a organização da atividade docente, com as decisões a serem tomadas sem a participação e a anuência quer de docentes, quer de estudantes.

Considerando que a situação poderá obrigar a que, no próximo ano letivo, continue a ter de se recorrer a uma atividade com forte vertente não presencial, a FENPROF considera que se deverão manter os mecanismos, as práticas e a lógica prevalecente no desenho da distribuição do serviço docente anteriores à pandemia, respeitando os estatutos de carreira. Assim, a concretização desta distribuição deve ser assegurada cumprindo a sincronia das atividades de lecionação com o serviço docente atribuído e qualquer alteração deverá ser devidamente acordada entre professores e a direção de cada faculdade/escola e garantir o cumprimento da regulamentação vigente. Naturalmente, os períodos letivos deverão ser organizados por forma a permitir que se desenvolvam em regime presencial parte das disciplinas com componente mais teórica e integralmente as disciplinas com forte componente prática, como as laboratoriais ou clínicas. Neste contexto, tornar-se-á necessária uma particular atenção ao ensino artístico.

Certamente, esta sugestão minimalista não cobre todas as questões suscitadas por este regime ensino de emergência. Contudo, contribuirá para preservar a identidade da profissão docente no que respeita à autonomia e liberdade de ensino e investigação e impedir agravamentos de cargas letivas pelo previsível desdobramento de turmas. Ou seja, se for necessário desdobrar turmas, tal terá forçosamente de se refletir no horário dos docentes sem aumentar os limites legalmente estabelecidos da carga letiva permitida pelos estatutos, ainda que tal obrigue à contratação de novos docentes.

Entretanto, importa criar um clima de partilha de experiências que contribua para a redefinição do projeto pedagógico neste contexto pandémico. A FENPROF exorta os docentes a uma reflexão mais profunda sobre eventuais vantagens e limitações desta forma de ensino não presencial, como aliás temos vindo a expressar em tomadas de posição já divulgadas. Enquanto docentes, há que ter presente a responsabilidade social inerente à profissão. Como lidar com as desigualdades materiais dos alunos perante esta forma de ensino? Como lidar com o facto de não estar a ser proporcionada aos alunos, nem o ensino, nem a experiência de frequência do ensino superior em que se inscreveram? Como avaliar com rigor e justiça os alunos? E como será, no futuro, avaliado o desempenho de docentes que, agora, estão impedidos de realizar? Estas são apenas algumas questões que, neste momento, terão de ser colocadas e, principalmente, respondidas.

A FENPROF considera ser importante enfatizar que, qualquer que seja a evolução das condições sanitárias, está disponível para participar na discussão sobre esta forma de ensino e sobre a sua putativa generalização ao arrepio do disposto no Decreto-Lei n.º 133/2019, que aprova o regime jurídico do ensino superior ministrado a distância.

Só através de uma forte e ativa participação dos docentes, com a FENPROF, será possível impedir que, do ensino não presencial, resulte uma ainda maior precarização laboral e uma redução dos direitos consagrados no ECDU e no ECPDESP. Com vista a debater e negociar esta e outras questões com a tutela, a FENPROF solicitou uma reunião ao Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

Lisboa, 24 de junho de 2020

O Departamento do Ensino Superior e Investigação

O Secretariado Nacional da FENPROF