Nacional

Mário Nogueira: "É por mudança que os professores reclamam"

20 de junho, 2015

Caros e Caras Colegas, Amigos e Amigas,

Neste sábado de intenso calor e que continua a ser, para muitos docentes, dia de reuniões nas escolas e de correção de provas de exame, não quisemos, nós professores, educadores e investigadores, deixar de estar presentes aqui em Lisboa, na rua, para manifestarmos o nosso protesto e reafirmarmos as nossas exigências, face à situação a que a Educação chegou no nosso país e que nem as cores com que o governo a pinta conseguem disfarçar as maleitas que a afetam.

Está a terminar um ano que, por muito que se pretenda iludir a realidade, não é possível apagá-la e o que fica é a certeza de o MEC ter piorado o seu desempenho, em cada ano que passou desta legislatura de 4 anos. Isso significa que não aprendeu com os erros e mesmo agora, a menos de 4 meses de se realizarem eleições, continua a tentar impor medidas que vão no sentido de fragilizar ainda mais a Escola Pública Portuguesa e de sacrificar, muito para lá do tolerável, os profissionais da Educação.

BALANÇO DO ANO QUE TERMINA: MEC CHUMBADO

Deste ano, fica uma abertura completamente desastrada, com grandes atrasos nas colocações de professores, decorrentes de erros e do próprio regime de colocações à margem da lista nacional de graduação; fica também a perda de ainda mais apoios devidos a alunos com necessidades educativas especiais; fica a PACC que este ano, pela primeira vez, excluiu milhares de docentes dos concursos; e a requalificação ou mobilidade especial que se abateu, pela primeira vez sobre professores; também temos a municipalização que governantes e alguns autarcas teimam em levar por diante sem ter em conta a posição dos professores; e ainda as carreiras que se mantêm bloqueadas ou, nas palavras do maior partido do governo, há dias em tempo de antena, foram consolidadas. Se carreiras “consolidadas” significar congeladas durante toda a Legislatura, com cortes aplicados de 2010 para cá e sem qualquer atualização que permita acompanhar a inflação, então as carreiras docentes consolidaram sim senhor, mas nós os professores exigimos a instabilidade das progressões e da valorização salarial.

Foi ainda o ano em que se acentuou o subfinanciamento do ensino superior e o ano em que se verificaram muitos despedimentos de docentes deste setor de ensino, preparando-se as instituições para despedir ainda mais, ou, para o evitarem, optando por situações de verdadeiro subemprego a que se sujeitarão milhares de docentes, incluindo os leitores das universidades portuguesas. Também na ciência se verificou uma verdadeira asfixia das unidades de investigação, em resultado de uma encomendada avaliação que tinha esse propósito, com consequências que também se abateram sobre inúmeros investigadores.

No ano que está prestes a encerrar, tivemos ainda outros problemas, como a imposição de trabalho acrescido aos professores, fosse o trabalho forçado imposto para servir interesses ainda não esclarecidos na relação MEC – Cambridge – empresas constituídas em consórcio para este efeito, fosse ao serviço da PACC, vigiando colegas que o MEC pretende impedir de terem acesso à profissão.

Foi ainda o ano em que milhares de profissionais das escolas de ensino artístico viram os seus salários atrasar meio ano e que quase centena e meia de docentes da Segurança Social foram atirados para a requalificação. Já agora, dizer que diversos desses docentes (em Bragança, Coimbra, Castelo Branco, Leiria e Beja) voltaram aos seus locais de trabalho por decisão judicial.

TREMENDO DESGASTE DO CORPO DOCENTE EXIGE MEDIDAS QUE ALIVIEM SOBRECARGA HORÁRIA E DE TRABALHO

Mas este foi ainda o ano em que se acentuou a tremenda sobrecarga de trabalho que recai sobre os professores que se mantêm no ativo. Ao longo destes quatro anos, o MEC reduziu em quase 30% o número de professores nas escolas públicas. Dos quadros, saíram cerca de 24.000 e da contratação foram afastados cerca de 20.000 professores. Para compensar esta redução de 44.000 docentes, nos quadros ingressaram cerca de 4.000 que são hoje professores do quadro, mas de segunda categoria, pois não têm uma situação de carreira semelhante à dos seus colegas, tendo ficado com o mesmo salário que teriam se fossem contratados, ainda que tenham 20 ou mais anos de serviço docente.

Neste período, porém, a diminuição do número de alunos nas escolas ficou longe deste nível de redução, pois não foi além dos 10%. Portanto, percentualmente, a redução de docentes triplicou a de alunos, não sendo de estranhar que tal tivesse significado uma concentração maior de trabalho nos que continuam nas escolas. A par deste problema, as condições gerais de trabalho nas escolas pioraram, fosse com a atividade em contexto de mega agrupamento, ou com o aumento do número de alunos por turma, ou ainda com a insuficiência do crédito horário atribuído às escolas para todas as tarefas e funções que aos professores são exigidas.

Este é um problema que deverá ser resolvido no âmbito da legislação que fixa as normas de organização de cada ano letivo. Uma legislação que deveria estar estabilizada e não, como acontece, ser anual e fixada sempre tardiamente. Nesta, como em outras matérias, enche o MEC a boca com a palavra autonomia, mas quanto mais fala dela mais estreitas são as margens que deixa para o seu exercício. Autonomia seria permitir que as escolas estabelecessem o crédito, de acordo com as suas necessidades reais, mas para isso teria o ministro de confiar nas suas direções; autonomia não é criar um quadro escasso face ao que era necessário e depois dizer que as escolas são autónomas para gerirem a escassez, sobrando para elas o quebra-cabeças da distribuição da insuficiência.

A estes problemas, junta-se a conveniente confusão sobre o que integra a componente letiva e não letiva de estabelecimento, a ponto de haver escolas que atribuem a mesma tarefa ao mesmo professor repartida pelas duas componentes. São estas as razões por que os professores chegam completamente esgotados ao final de cada ano, problema que começam a sentir, hoje, cada vez mais cedo no próprio decurso do ano. São estas as razões por que exigimos que se tomem medidas que deem resposta a este grave problema que tem implicações muito negativas no trabalho dos professores e na vida das escolas.

Exigimos tempos adequados para a importante função de diretor de turma, bem como para o exercício das coordenações de departamento e de estabelecimento; tempos limitados para as reuniões de natureza pedagógica; uma clara definição do conteúdo da componente letiva que deverá incluir todo o trabalho desenvolvido diretamente com alunos; que os intervalos sejam, para todos, contabilizados na componente letiva e as deslocações dentro do agrupamento nas horas de estabelecimento. Exigimos que seja aliviada a carga burocrática que o MEC reconhece existir mas nada faz para resolver.

UM REGIME ESPECÍFICO DE APOSENTAÇÃO

QUE TENHA EM CONTA O DESGASTE PROFISSIONAL

Queremos ainda, por ser justo e adequado, que a profissão docente seja reconhecida como de elevado desgaste físico e psíquico e, como tal, se estabeleça um regime específico de aposentação que dê resposta a tal situação. Defendemos os 36 anos de serviço, de vida contributiva, sem qualquer outra exigência, nomeadamente de idade. É recorrente ouvir gente com responsabilidade no setor afirmar que o envelhecimento da profissão é um problema complexo que é necessário resolver. Também achamos isso e a solução passa pelo que propusemos, pois não são os professores que reivindicam que lhes prolonguem a permanência no ativo a que, ainda por cima, correspondem pensões cada vez mais reduzidas, como bem sabem os colegas já aposentados.

NÃO À MUNICIPALIZAÇÃO, SUSPENSÃO DO PROCESSO EM CURSO

Outro aspeto que temos na primeira linha das nossas reivindicações, é a necessidade de suspensão do processo de municipalização. Descentralizar não é municipalizar e os professores não aceitam a entrega aos municípios de responsabilidades em matérias de ordem pedagógica, de definição de currículos ou de gestão de pessoal docente. Esta plataforma sindical está legitimada pelos professores para exigir a suspensão do processo de municipalização, para exigir que um governo, a pouco mais de três meses de cessar o mandato, não avance com medida de tão profundas implicações, para exigir que se abra um processo de debate sobre descentralização com vista para um futuro que não cabe ser definido por um governo que já está em tempo de balanço e, portanto, cuja ação já só é passado. Os 97,8% de docentes que disseram não, numa consulta que envolveu a maioria dos professores portugueses, são bastantes para legitimarem esta exigência que aqui colocamos.

MILHÕES DE EUROS PÚBLICOS A SERVIR INTERESSES PRIVADOS

Mas, disseram-nos os últimos dias – confirmando, aliás, o guião para a reforma do Estado – que o governo está mesmo apostado em, progressivamente, ver-se livre das escolas públicas, não apenas pela via da municipalização, mas também da privatização. E soube-se ontem que o governo reservou 540 milhões de euros para, até 2020, pagar contratos de associação. Desses, 140 milhões destinam-se já ao próximo ano, servindo para alimentar 1.740 turmas que, na maior parte dos casos, teriam lugar em escolas públicas. Este não é o caminho, pelo menos se se entender que o caminho é o que estabelece a Constituição da República Portuguesa. Será o caminho, se, em conta, for tido o relatório do FMI que pretende que sejam afastados da Administração Pública, trabalhadores cujos salários valham 173 milhões ao ano. Se for esse o rumo, muitos serão os docentes que tombarão pelo caminho, uns no inferno do desemprego, outros no limbo da requalificação.

[COMO SE ADIVINHAVA] CONCURSOS NÃO RESOLVERAM PROBLEMAS DE INSTABILIDADE DOS PROFESSORES, TENDO MESMO GERADO INJUSTIÇAS

Uma palavra ainda para os números dos concursos que foram ontem conhecidos, e só para os números, pois o resto, a competência do que está feito, só se perceberá a partir de segunda-feira. Dos 33.506 candidatos ao concurso externo, 95,6% ficaram fora dos quadros, mas não é só esse o problema. É que, desse enorme contingente que ficou de fora, cerca de 19.700 docentes (isto é, mais de 60%) são mais graduados que o último dos colegas que vinculou no seu grupo de recrutamento. Não pretendemos que sejam excluídos os que ingressam, mas exigimos que também vinculem aqueles que, sendo mais graduados, ficam de fora e que, no próximo ano, serão candidatos mas ao desemprego. Iremos, por todas as vias possíveis, continuar a defender esta exigência.

É ainda de assinalar que, neste concurso externo, há cerca de 12.000 candidatos a menos que no de 2013, em que foram 45.341. Se considerarmos os que ingressaram pela via dos concursos extraordinários, concluímos que faltam aqui os milhares que foram expulsos pelo MEC com a aplicação da PACC. Foi para isso que a PACC foi criada, para isso e para enxovalhar, de uma forma geral, todos os professores.

No que respeita ao concurso interno, constata-se que 2/3 dos 32.914 candidatos a uma mudança, não a obteve. E o drama de muitos destes colegas é que não se candidataram para se aproximarem de sua casa, como era legítimo, mas para tentarem fugir ao horário-zero que os deixa à mercê da requalificação, levando alguns a saírem da escola para a zona pedagógica ou a mudarem para escola mais distante da sua residência.

Colegas,

Estamos em período pré eleitoral, pelo que é tempo de os partidos políticos dizerem ao que vêm e assumirem com clareza os seus compromissos. Queremos saber o que defendem para o futuro: se mais do mesmo, se um destino diferente para a Educação e para a Ciência. É por mudança que os professores reclamam, mas uma mudança que respeite os direitos de todos: dos docentes da educação pré-escolar e dos ensinos básico, secundário e superior, sejam de escolas públicas ou de estabelecimentos privados, tanto lucrativos como ditos solidários, trabalhem no continente, nas regiões autónomas ou no estrangeiro, ou sejam investigadores científicos. Uma mudança que, no respeito pela lei fundamental, terá de defender a Escola Pública de matriz Democrática, ou seja, uma escola de qualidade para todos e inclusiva. Só defendendo a Escola Pública e assumindo estima pelos profissionais da Educação assim se defenderá o futuro que somos obrigados a garantir às crianças e aos jovens do presente.

 

Vivam todos os profissionais da Educação e da Ciência

Viva a Educação Pública de qualidade