Nacional

Intervenção de Mário Nogueira

05 de outubro, 2013

Em 5 de outubro de 1966, OIT e UNESCO aprovavam a Recomendação relativa à condição dos professores, na sequência da Conferência Intergovernamental Especial sobre a condição dos professores, que se realizou em Paris.

Era tempo de pensar o Professor, de abrir caminhos para valorizar e dignificar a profissão de Professor, um tempo que, ao mais alto nível na escala planetária, foi devidamente marcado. Em 1993, Frederico Mayor, então diretor-geral da UNESCO, assinalou pela primeira vez a data, mantendo-se a comemoração em todo o mundo, pois continua a ser reconhecido pelas instituições internacionais, designadamente pela UNESCO, que os professores constituem um grupo profissional fundamental sem o qual “não pode haver nem desenvolvimento durável, nem coesão social, nem paz”. Essa é a importância que aos professores é reconhecida em boa parte do mundo.

Este ano, 2013, a Diretora-geral da UNESCO, em mensagem conjunta com o Diretor-geral da OIT, o Diretor executivo da UNICEF, a Administradora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e o Secretário-geral da Internacional de Educação, organização de que a FENPROF é membro fundador, considera que os professores têm nas mãos as chaves para um futuro melhor para todos. Eles inspiram, desafiam e constroem cidadãos do mundo inovadores e responsáveis…/… Todos os dias, ajudam a construir sociedades do conhecimento inclusivas, das quais precisamos para o amanhã. E acrescentam que nada pode substituir um bom professor. As evidências mostram que os professores, os seus conhecimentos profissionais e as suas competências são o fator mais importante para a educação de qualidade.

Confirmada a falta de professores
em todo o mundo


Nesta saudação é confirmada a falta de professores em todo o mundo (segundo dados revelados pela UNESCO esta semana, serão necessários cerca de 5 milhões até 2015, aumentando esse número para 8,5 milhões nos 15 anos seguintes), e não consta dela o que os nossos governantes insistem em repetir: que Portugal é o “cantinho do mundo” em que sobram professores e, por isso, são permanentemente arquivados na prateleira do desemprego.

Em julho e em agosto passados, os professores foram os mais atingidos pelo desemprego. De setembro ainda se desconhecem os números mas todos já adivinhamos o que aí vem. Isto não acontece porque a redução do número de alunos o justifique, pois em país algum a uma quebra de 3% de alunos corresponde uma redução de 30% de professores, mas também nisso parecemos exceção. Mentindo, o ministro da Educação afirma que o desemprego dos docentes, a precariedade e o elevado número de professores com horário-zero se devem à redução verificada e estimada de alunos nas escolas, o que não é verdade por mais que o repita. Resulta, isso sim, de todas as medidas que têm sido tomadas e se destinam a provocar esse desemprego: os mega-agrupamentos; as alterações curriculares com a eliminação de disciplinas, o fim dos desdobramentos nas áreas experimentais ou a supressão de áreas curriculares não disciplinares; o aumento do número de alunos por turma; o regresso em força de turmas do 1.º Ciclo com diversos anos de escolaridade, apesar de terem encerrado as escolas de lugar único; o encerramento cego de escolas e jardins de infância; o fortíssimo corte de docentes na Educação Especial; o encerramento forçado de muitos cursos em instituições de ensino superior.

Em Portugal não há professores a mais mas, como temos afirmado, cada vez menos escola e esse é um problema grave que terá de ser rapidamente resolvido. Mas a questão não se resume ao número de professores. Como afirmam Irina Bokova e Fred van Leeuwen, dirigentes máximos, respetivamente, da UNESCO e da IE, na mensagem que referi antes, o desafio vai além dos números: mais professores, deve significar melhor qualidade das aprendizagens, o que exige formação e apoios adequados. Isso é essencial para garantir o direito de todos os alunos à educação de qualidade…/… [como essencial] é a existência de professores valorizados, responsáveis, profissionais bem formados. Os professores são a principal solução para a crise da aprendizagem…/… Eles são o elemento principal de ambientes de aprendizagem seguros e solidários(…)

Também o anterior diretor-geral da Unesco, Koichiro Matsuura, prestou homenagem aos professores, no último ano do seu mandato, afirmando que não pode haver solução viável de longo prazo para as nossas necessidades educativas e para a falta de professores – que já é sentida em muitos países ditos desenvolvidos que, como acontece hoje em Portugal, se esqueceram dos seus professores – sem investimento em formação e medidas para promover o respeito pela profissão docente,

Declaração conjunta OIT, UNESCO,
PNUD, UNICEF e IE


Recordo outra declaração conjunta das organizações que referi antes – OIT, UNESCO, PNUD, UNICEF e IE – mas esta divulgada em 2007: O sistema educativo deve atrair e fidelizar um pessoal docente bem formado, motivado e composto igualmente por homens e por mulheres; deve apoiar os professores nas aulas e ao longo da sua carreira. A desvalorização dos professores, a fragilidade das suas remunerações, a mediocridade das condições de ensino e aprendizagem e a falta de evolução na carreira ou de formação profissional são outras tantas causas de descontentamento que levaram muitos a abandonar a profissão, por vezes depois de poucos anos de serviço. E terminavam afirmando que Reconhecendo o papel essencial que os professores desempenham, reafirmamos a que ponto é necessário continuar a trabalhar conjuntamente para melhor vencer os problemas e estar no caminho para que as modalidades de recrutamento, de formação e de apoio aos professores permitam dispor de um corpo docente motivado e capaz de contribuir para a realização do nosso objectivo comum: uma educação de qualidade para todos os jovens. Estávamos em 2007. Daí para cá, no nosso país, o que aconteceu aos professores é do conhecimento de todos nós…

A situação que vivem os professores hoje em Portugal não a vou repetir aqui. É de todos e por demais conhecida. Mas são eles e não os governantes; somos nós e não os ministros da Educação; são os Professores que continuam a merecer, dos portugueses uma forte confiança. Se olharmos para o estudo conhecido esta semana sobre a atitude das sociedades de 21 países sobre os docentes e o sistema educativo, verificamos que caem algumas das mentiras que têm sido postas a circular. Os professores portugueses não têm um estatuto social privilegiado – ocupam apenas o 14.º lugar entre 21 – e muito menos têm um estatuto remuneratório acima dos restantes, ainda que o governo português se esforce por omitir dados importantes para a comparação, como são os cortes salariais, os congelamentos das carreiras ou a precariedade que se arrasta durante décadas e tem implicação também no plano salarial.

Porém, o mais importante deste estudo, para os professores, é que num país em que os cidadãos revelam apenas uma confiança moderada em relação ao sistema educativo, aos professores dão nota muito positiva colocando-os em segundo lugar a nível europeu. Salientam os autores do estudo divulgado que Portugal deposita maior confiança nos seus professores do que no sistema de ensino e isto acontece num país e num tempo em que os governantes não se cansam de tentar denegrir a imagem social dos docentes, responsabilizando-os pelos problemas do sistema. Os portugueses confiam e gostam dos seus professores; os governantes desrespeitam esses professores; um governo que não respeita os professores em quem o país confia não merece governar Portugal!

A valorização profissional e social dos professores não se afirma através de uma postura missionária perante a profissão, ou na sequência de uma qualquer e iníqua prova chamada de avaliação de conhecimentos e capacidades que o governo venha a aplicar aos docentes que, não estando na carreira, pretendam exercer a profissão em escolas públicas, ainda que o façam, com avaliações de excelência, há décadas. Como não passa pela criação de um qualquer órgão dito de autorregulação profissional, como defende o atual secretário de estado do ensino básico e secundário por considerar – e as palavras são suas enquanto presidente da designada associação nacional de professores – que o ensino tem sido invadido por aquilo a que chamo de “indiferenciados”, isto é, indivíduos que não possuem nem a vocação nem a preparação adequada para a docência. Provavelmente por os considerar indiferenciados, agora, como governante, tem colaborado ativamente na imposição de medidas que visam despejar estes docentes no contentor do desemprego.

Os professores têm um património
profissional riquíssimo

O debate sobre ética e deontologia é distinto da discussão sobre estruturas representativas embora haja quem, provavelmente por razões de oportunismo e poder, os queira confundir. Os professores, como tem afirmado Isabel Batista, têm um património profissional riquíssimo e um sentido deontológico tremendo, embora implícito. Admitimos que seja tempo de passar do implícito ao explícito. Mas, como também tem sido referido, tal não significa a necessidade de criar uma ordem ou organismo semelhante que se traduza na existência de uma nova tutela sobre os professores, para além da que é exercida pelo MEC. Entre os sindicatos e as ordens há uma diferença abissal: é que enquanto os sindicatos partem de uma visão positiva, para olhar a profissão com exigência e responsabilidade, confiança e colaboração, as ordens partem de uma visão negativa – de que a referência aos indiferenciados é exemplo – entendendo que é preciso ”punir, limpar e separar o trigo do joio”, como refere, e bem, Isabel Batista.

Falar dos Professores hoje, é falar de educadores de infância e de docentes dos ensinos básico, secundário e superior e da Educação Especial; é falar de professores no desemprego, no ativo ou aposentados, todos eles vítimas das hediondas políticas que estão a ser desenvolvidas por um governo que é suportado por partidos que foram, há uma semana, derrotados nas urnas; e também é falar de professores do setor público e do setor privado. Com problemas semelhantes, embora com matizes diferentes. No privado, releva uma exploração desenfreada e sem regras, constituindo o desemprego existente no setor um instrumento de chantagem que o patronato brande a todo o tempo; no público vive-se um tempo em que o ataque às funções sociais do Estado, logo à Escola Pública, é tremendo e já não leva apenas à sua fragilização, mas pretende o seu desmantelamento, enquanto escola democrática.

Ações concretas em defesa
da escola pública

Em tempo tão negativo para o país, de que os portugueses, como afirmaram no domingo passado, se querem livrar, o ataque à Escola Pública democrática não resulta de uma qualquer fatura que Portugal tem de pagar aos credores, mas assenta numa fortíssima ofensiva ideológica que tem por objetivo reconfigurar – refundar, para ir ao encontro das palavras do ainda Primeiro-ministro – o Estado Português. Defender a Escola Pública é dever de todos os democratas e responsabilidade das organizações sociais, onde se incluem, naturalmente, as sindicais, daí que a FENPROF tenha decidido:

- Divulgar profusamente, em toda a sociedade portuguesa, uma Carta Aberta em defesa da Escola Pública;

- Promover um documento a subscrever pelos docentes, em que os Professores tomam posição em defesa da Educação Pública, propondo um conjunto de medidas que contribuem para a elevação da sua qualidade;

- Coordenar iniciativas com outras organizações em defesa da Escola Inclusiva que, como nunca, está a ser posta em causa por um ministro que afirma que os alunos com necessidades educativas especiais estão integrados na turma mas na verdade não estão, pois dadas as suas necessidades não convivem com os alunos daquela turma. Portanto, considera ser mais uma questão administrativa do que outra o desrespeito pelas normas que impõem limites à constituição de turmas com alunos com NEE. Quem pensa e diz uma enormidade destas não pode ser ministro num país democrático;

- Lutar pelos direitos com todos os trabalhadores, sejam do setor público ou privado, em defesa das funções sociais do Estado e por um Portugal solidário e com futuro. Por isso os professores irão dar força à travessia de pontes por Abril e contra a exploração e o empobrecimento, já no próximo dia 19 de outubro, em Lisboa e no Porto.

Os tempos não estão fáceis, daí que exijam uma intervenção ainda mais forte e dinâmica da nossa parte. Não desistir e resistir é, desde logo, fazer caminho, mas não nos podemos limitar a cavar trincheiras e nelas permanecer. É necessário que continuemos a pugnar e a lutar por um processo de transformação social através da educação, com a certeza de que a escola não muda a sociedade, mas a sociedade não muda sem a escola.

Lembrando Paulo Freire

E é com esta convicção que termino, recordando que 2013 marca os 50 anos da extraordinária experiência de Paulo Freire, em Angicos, Rio Grande do Norte, no Brasil quando ensinou 300 adultos analfabetos a ler em 40 horas. Foi este o momento chave do método Paulo Freire, um revolucionário programa de alfabetização que mudou a vida de milhares de pessoas no país irmão. O mais importante, porém, foi que Paulo Freire criou uma maneira simples, mas não mecânica, de aprender, logo um método libertador que não só transmitia conhecimentos, como ajudava as pessoas a tornarem-se capazes de decidir o seu próprio destino. É preciso que os professores sejam, cada vez mais, como Paulo Freire. Que convertam o ato de educar num ato político de rebeldia, que levem a escola a formar cidadãos. Uma escola que se envolva na luta, que pense e que se disponha a preparar um futuro diferente, liberto de exploração. Uma escola que contribua para libertar!

E hoje – dia em que a República Portuguesa, há 103 anos, foi implantada, mas, 103 anos depois, há quem pretenda esquecer esse importante facto – temos razões acrescidas para lutarmos por uma escola que ajude a transformar, rompendo com a que se organiza, apenas, para reproduzir. O tempo continua a ser o de lutar pela Escola de Abril.

Viva o 5 de outubro!

Viva a República Portuguesa!

Viva o Dia Mundial dos Professores! 

Mário Nogueira