Condições de Trabalho Covid-19 Todas as notícias Nacional
Ano letivo 2020/2021

Ministro da Educação disfarça desconhecimento dos problemas, falta de estratégia e atraso na organização do próximo ano letivo anunciando rega de milhões sobre problemas que se arrastam e outros que surgiram com a pandemia

01 de julho, 2020

O ano letivo 2020/2021 será um ano diferente do habitual. Serão necessárias medidas excecionais para dar resposta não só a problemas que se arrastam e agravaram, mas também a problemas novos, de elevada gravidade, criados pelos mais de três meses de ensino remoto.

As exigências que o próximo ano letivo apresentará e que terão de ser consideradas, desde logo, na sua organização, não levam, contudo, o ministro da Educação a esclarecer as escolas e as suas direções, os professores, os trabalhadores não docentes, os alunos e as famílias sobre quais as medidas a tomar, ainda que o atraso em relação a anos anteriores já seja efetivo. Mesmo depois de se ter deslocado à comissão parlamentar de educação, em 30 de junho, o que se ficou a saber sobre a organização do próximo ano letivo foi o que já se sabia: as aulas deverão iniciar-se entre 14 e 17 de Setembro, as escolas terão de dedicar cinco semanas à recuperação de défices acumulados no ano que terminou e, preferencialmente, o ensino será presencial.

É pouco, muito pouco, o que as escolas sabem para se organizarem, atempada e adequadamente, para um ano tão excepcional como o que aí vem. Com falta de informação, Tiago Brandão Rodrigues procurou tornear o vazio agitando uma cifra de milhões. Com o recurso a este sound bite, aposta no efeito mediático do anúncio para disfarçar a situação que se vive a dois meses do início do ano escolar. A questão não é ter de haver um reforço de verba, o que é absolutamente inevitável, mas se 125 milhões de euros serão suficientes para responder a problemas que, muitos deles, não resultam da pandemia, tendo-se tornado crónicos e estruturais, afetando gravemente o ensino e, em particular, as escolas públicas.

Para responder à questão anterior teria sido necessário que, antes de estabelecer o valor da verba, o ministério tivesse feito um levantamento de necessidades. Porém, tal não aconteceu, ficando por se saber como chegou o ministério ao valor anunciado. Sabe o ministro da Educação, como sabem todos os portugueses, que o ensino remoto e a permanência dos alunos em casa durante meses agravaram desigualdades, provocaram défices educativos generalizados, levaram a abandonos, impediram o normal desenvolvimento de conteúdos curriculares, dificultaram a realização de uma avaliação justa e rigorosa e são causa de um enorme desgaste de todos, a começar pelos professores que atingiram níveis críticos de exaustão. Como se traduz isto em cada escola, quais as necessidades que se impõe resolver e que recursos são necessários para reforçar os apoios pedagógicos, o apoio psicossocial e o cumprimento de normas de higienização e segurança sanitária dentro das escolas, isso não sabe o ministro porque, repetimos, não foi feito qualquer levantamento preciso e rigoroso, nem existe histórico. E também não foram envolvidos, inteligente e atempadamente, os parceiros educativos.

Para além da superação de défices e carências acumulados do passado, que terão de merecer resposta, há medidas que, para o ensino voltar a ser presencial, terão de ser adotadas. Serão, aliás, muito mais exigentes se as escolas reabrirem, como devem, com mais de um milhão de alunos fisicamente presentes, do que quando só receberam os 160 000 do ensino secundário. A situação epidemiológica que se continua a viver não permite prever uma organização das escolas, para 2020/2021, sem que se adotem medidas excecionais, tais como: redução significativa de alunos nas turmas; grande reforço de docentes, mas, igualmente de trabalhadores não docentes, incluindo técnicos especializados; distribuição de EPI a toda a população escolar; resguardo dos grupos de risco; distanciamento em todos os espaços, a higienização e desinfeção constantes, entre outras.

Se os anunciados 125 milhões de euros se destinassem, apenas, à contratação de docentes, eles permitiriam que cada um dos 811 agrupamentos de escolas ou escolas não agrupadas contratasse, em média, sete professores. Excecionalmente isso poderia ser suficiente, porém, na esmagadora maioria, desde logo nos agrupamentos de escolas, que reúnem jardins de infância, escolas de todos os ciclos do ensino básico e, em muitos casos, escolas secundárias, essa seria uma resposta insuficiente para situações que, já antes da pandemia, eram marcadas pela falta de docentes e de horas a que o seu crédito global não dava resposta.

Mas, como foi afirmado, a verba anunciada será para contratar docentes, trabalhadores não docentes, sejam operacionais ou administrativos, e técnicos para as equipas multidisciplinares. Ou seja, para contratar profissionais de que existe uma grande e reconhecida carência nas escolas. Por exemplo, só em assistentes operacionais, o que já se calculava é que faltavam cerca de 5000 antes da pandemia… Também em relação aos técnicos administrativos, psicólogos, assistentes sociais ou mediadores, a carência era enorme. Provavelmente, a verba agora anunciada não será capaz, sequer, de garantir o que já faltava antes da pandemia, depois de anos sucessivos de falta de investimento na Educação. Sem estratégia e sem um plano de investimentos do Orçamento do Estado para a Educação, o governo tem-se limitado a anunciar medidas que resultam de financiamentos comunitários (as obras, a remoção parcial do amianto ou a aquisição de computadores, veremos quando), preparando-se para transferir problemas e défices para os municípios.

Em relação à organização do próximo ano letivo, tudo indica que a ausência de uma informação concreta sobre como se organizarão as escolas para receberem os alunos tem, precisamente, a ver com a insuficiência da verba e, portanto, com a falta de condições para que estas se organizem de forma a poderem funcionar com todos os seus alunos. O ministro, contudo, sabe que o ensino a distância, salvo raríssimas exceções, tem merecido avaliação negativa das comunidades educativas que exigem medidas para que ele volte a ser presencial. Por esse motivo, vê-se obrigado a anunciar o presencial, mas não divulga as condições em que as escolas o farão. Percebe-se, pois, que o rei vai nu.

 

O Secretariado Nacional