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REGIME DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA (DL 54/2018)

Como avaliam e o que dizem os docentes e as direções das escolas e agrupamentos - Resultados do inquérito promovido pela FENPROF

20 de novembro, 2019

REGIME DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA (DL 54/2018) 


Ponto de partida

O regime de educação inclusiva, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 54/2018, foi assumido pelo governo anterior, em matéria de educação, como uma espécie de “obra do regime”. O Ministério da Educação desdobrou-se em ações de divulgação e propaganda do novo quadro legal e no seu preâmbulo inscreveu alguns dos princípios mais importantes e positivos da inclusão. Se esse reconhecimento foi feito pela FENPROF no parecer que emitiu ao projeto de decreto-lei, também nesse parecer chamou a atenção para diversos aspetos do articulado que, em sua opinião, contrariavam o texto preambular. Por exemplo, não se encontrar prevista a redução do número de alunos por turma, a falta de recursos humanos, não só docentes como não docentes, ou a previsível falta de apoio direto aos alunos com necessidades educativas especiais.

Já em março deste ano (2019), na sequência de um encontro nacional promovido pela FENPROF, foram apresentadas diversas propostas ao Ministério da Educação, tais como a possibilidade de as escolas, no âmbito da sua autonomia, poderem reduzir o número de alunos por turma e reforçar os recursos humanos adequando-os às necessidades dos alunos das escolas / agrupamentos ou, ainda, que  os anos letivos 2018/19 e 2019/20ossem considerados como de transição entre o anterior e este regime de educação inclusiva. O Ministério da Educação, na ânsia de mostrar serviço, entendeu avançar com a implementação do novo regime, impondo-o, de imediato, às escolas, considerando que as dificuldades por estas sentidas não passariam de uma espécie de “dores de crescimento”. Neste quadro de pressão sobre as escolas, foi mesmo afirmado por responsáveis do Ministério da Educação que a aplicação do regime de educação inclusiva passaria a ser fator chave na sua avaliação externa.

A FENPROF, por considerar que de bondosas intenções está o inferno cheio, quis saber qual a distância entre a teoria, neste caso, presente no discurso dos governantes e inscrita no quadro legal, e a prática. Como todas as distâncias, também esta se mede no terreno, ou seja, nas escolas. Foi, por isso, ao terreno, isto é, aos docentes e às direções das escolas que a FENPROF dirigiu o inquérito.


Uma curiosidade

As respostas dadas pelas direções das escolas / agrupamentos e pelos docentes são quase diametralmente opostas. São uma espécie de espelho que reflete o inverso, com cerca de 2/3 das direções a afirmar que a resposta aos alunos com necessidades educativas especiais (designação que foi abolida, mas estas necessidades mantêm-se) melhorou, enquanto um pouco mais de 2/3 dos docentes responderam que a resposta piorou. Será, no caso das direções, a falta de alguma informação ou mesmo sensibilidade para o que se passa na sala de aula? Ou será, apenas, vontade de agradar ao poder, ainda que afastando-se daquele que é o verdadeiro sentimento da escola, desde logo dos seus profissionais?


Os números

Pelo quadro acima, verifica-se que 63,0% das direções das escolas consideram que a resposta aos alunos com necessidades educativas especiais melhorou e 18,5% consideram que não melhorou; já em relação aos docentes, a opinião inverte-se com apenas 15,6% a afirmar que a resposta melhorou e 67,8% a considerem que não melhorou, dos quais quase metade considera, mesmo, que piorou.

18,5% das direções não responde ou não tem opinião, enquanto nos docentes essa percentagem é ligeiramente inferior, situando-se nos 16,6%.


O que dizem os que consideram (direções e docentes) que o DL 54/2018 veio melhorar a resposta aos alunos

Os aspetos que, tanto docentes como direções das escolas, consideram que evoluíram positivamente são, na sua maior parte, do domínio conceptual:

  • Permite um maior envolvimento do conjunto dos docentes e também um trabalho mais colaborativo, que obriga a maior articulação entre o docente titular de turma, o docente de educação especial e outros docentes em regime de coadjuvação;
  • Possibilita uma maior sensibilização de todos para os problemas da inclusão e, entre os alunos, verifica-se mesmo uma maior interação;
  • São abrangidos mais alunos, incluindo os que apresentam necessidades de caráter temporário e não apenas os de natureza permanente;
  • A resposta não assenta num modelo clínico, não tendo por base um diagnóstico dessa natureza, que também contribui para que deixe de existir a categorização ou catalogação dos alunos;
  • Aumenta a permanência dos alunos com necessidades educativas especiais nas turmas, durante a atividade letiva.


O que afirmam os que entendem que o DL 54/2018 não melhorou a resposta e, em alguns casos, até a piorou

  • Escassez de tempo para a implementação do modelo, não tendo havido oportunidade para debater, refletir, aprofundar e perceber plenamente os objetivos deste novo regime;
  • Carência de recursos humanos, materiais e físicos, a par da estagnação orçamental verificada;
  • Apesar de se exigir o envolvimento de todos os docentes não houve estratégias de formação que os tivessem envolvido e preparado para todas as respostas que deverão dar;
  • Redução do tempo de apoio direto aos alunos com necessidades educativas especiais por parte dos docentes de educação especial, confirmando que, com este novo regime, teria de se ter aumentado o número de docentes de educação especial;
  • A permanência dos alunos com necessidades educativas especiais durante mais tempo na turma obrigaria a que: o número de alunos por turma tivesse sido significativamente reduzido; no 1.º Ciclo do Ensino Básico tivessem sido eliminadas as turmas com vários anos de escolaridade; as escolas fossem dotadas dos recursos indispensáveis para situações de maior complexidade;
  • Maior conflitualidade na sala de aula, com aumento de situações de indisciplina, o que decorre da falta de recursos adequados e da dimensão das turmas;
  • Aumento significativo da burocracia que resulta, designadamente, da transição entre regimes, mas não só, em algumas escolas / agrupamentos esse parece ser um problema que está consolidado;
  • A sobrecarga horária e de trabalho dos docentes dificulta, por falta de tempo, a articulação entre docentes titulares de turma, coadjuvantes e de educação especial, pelo que deveria existir um crédito horário para os docentes, com implicação na sua componente letiva.


“Desabafos”

Os docentes, que, nas salas de aula, implementam este regime dito de educação inclusiva fazem alguns desabafos que, independentemente da opinião que, no plano teórico, possamos ter, eles surgem, precisamente, porque as condições para a aplicação deste decreto-lei estão longe das que as escolas deveriam ter e que aos docentes deveriam ser garantidas no âmbito das suas condições de trabalho.  A FENPROF não as subscreve na totalidade, mas não as pode ignorar porque correspondem ao sentimento dos professores e educadores:

  • “Este regime não tem sido benéfico nem para os alunos com necessidades educativas especiais nem para os outros”;
  • “Os alunos com necessidades educativas especiais sentem-se ainda mais excluídos”;
  • “Alunos com necessidades educativas especiais estão completamente ‘abandonados’ nas salas de aula;
  • “Esta é uma legislação exclusiva, economicista e desumana parecendo que o que incomoda são os alunos” – professora e mãe de criança com necessidades educativas especiais;
  • “Os alunos com necessidades educativas especiais ficam com as suas fragilidades mais expostas”;
  • “É tudo um faz de conta para enganar os alunos, os pais e o país”;
  • “Arranjaram alguém para sobrecarregar e responsabilizar – o professor”.


Conclusão

Os docentes, tal como as direções das escolas, não contestam a necessidade de a educação ter um caráter inclusivo. Os professores têm estado sempre na primeira linha das mudanças em Educação, contudo, sabem distinguir entre mudanças que permitem melhorar as respostas da escola e aquelas que não vão nesse sentido, ainda que, no plano estritamente conceptual (e legal) pareçam adequadas e positivas. E essa poderá ser a questão que divide direções de escolas e docentes.

A maioria das direções, que foram submetidas a ações promovidas pelo Ministério da Educação, parecem responder de acordo com o que lhes foi transmitido e o quadro legal contempla; já os docentes, porque vivem, diariamente, os problemas que resultam da aplicação deste regime sem que tivessem sido criadas as condições indispensáveis, têm opinião diferente.

O que se espera do Ministério da Educação é que oiça os professores e não apenas as direções das escolas; que, em relação a estas, tenha também em conta as críticas que são feitas; que avalie seriamente e de forma ampla o que aconteceu neste período que já decorreu; que tenha a coragem política de corrigir os problemas que estão criados garantindo, assim, uma educação efetivamente inclusiva.

Notas finais: embora a Assembleia da República tivesse aprovado algumas alterações ao DL 54/2018, que têm expressão na Lei n.º 116/2019, elas não alteram a estrutura do anterior diploma legal, logo, não resolvem os problemas de fundo; a FENPROF está disponível para reunir com o Ministério da Educação, contribuindo para a avaliação que se exige e apresentando propostas que poderão responder aos problemas identificados.

Évora, 20 de novembro de 2019

O Secretariado Nacional da FENPROF