Nacional
Entrevista Mário Nogueira - Parte III

O governo não deu resposta aos principais problemas. Para os resolver, compete aos professores não abrandar a luta

13 de maio, 2019

JF: Próximos do final da Legislatura, que avaliação fazes destes 4 anos? 

MN: Foi um tempo cheio de contradições. Na Educação, as coisas começaram promissoras e acabam num desastre completo. Resolveram-se alguns problemas que afetavam grupos de professores, mas em relação às questões de fundo, tanto da profissão docente, como das escolas e do sistema educativo, pouco mudou, consequência da continuada falta de investimento.

JF: Exemplos do que afirmas…

MN: Por exemplo, o fim das BCE, da PACC ou da requalificação, a reposição do valor ilíquido dos salários, o fim dos exames nos dois primeiros ciclos, a gratuitidade dos manuais escolares ou os cortes aos colégios que operam onde há escolas públicas… foram medidas como estas, tomadas, principalmente, na primeira metade da legislatura, que elevaram as expetativas dos professores. Já o período mais recente foi desastroso, os ataques aos professores foram muitos, os sindicatos e a negociação coletiva foram desvalorizados, as escolas viram agravar-se problemas como a falta de pessoal não docente, entre outros… a desilusão é grande.

JF: Também nos professores?

MN: Muito nos professores. Os professores não esperavam ser desconsiderados e desrespeitados como foram. Esperavam um tratamento diferente. Não houve diferença para situações passadas. E a ilustrá-lo esteve a recente campanha movida pelo governo contra os professores, com António Costa à cabeça e o seu séquito de comentadores a acompanhar, que foi suportada em mentiras e destinou-se a virar a opinião pública contra os professores.

JF: Mas, no início do mandato, não foi este ministro que chegou a propor a realização de reuniões regulares e processos negociais transparentes?

MN: Sim, foi ele, mas à medida que as questões de maior complexidade e com implicações orçamentais eram colocadas foi-se percebendo um crescente distanciamento do ministro. Das poucas vezes em que surgia tentava passar ao lado da negociação com os sindicatos em relação a algumas matérias, alegando já ter negociado com os partidos que viabilizaram a entrada em funções do governo; acho que ele não compreendia que as organizações sindicais, independentemente das opções políticas de cada um dos seus dirigentes, são, de facto, autónomas.

JF: Então o relacionamento do ministro com os sindicatos deteriorou-se…

MN: Rapidamente. A partir de certo momento o ministro limitava-se a enumerar os feitos iniciais como se, por conta deles, nada mais pudesse ser exigido. Deixou, então, de responder às grandes questões, mas, igualmente, a problemas de menor dimensão que facilmente poderiam ser resolvidos. Com estrondo, a inicial aparente elevação democrática desmoronou-se.

JF: Embora o ministro nunca tivesse afirmado, como fez Lurdes Rodrigues, que perdeu os professores …

MN: É verdade, mas quando, a propósito do roubo de tempo de serviço, afirmou que os professores eram os únicos a poder escolher entre o melhor de dois mundos, ele sabia que estava a passar a falsa ideia de que havia privilégios a que só os professores tinham acesso. Ele entrou na campanha de ataques aos professores e se o fez, ainda que não admita, foi porque sabia que tinha perdido os professores. Foi também por isso que, a partir de certo momento, deixou de os encarar de frente. As visitas às escolas, por exemplo, passaram a ser preparadas num clima de secretismo.

JF: Mas não foi Brandão Rodrigues que disse que lutava radicalmente pelos professores?

MN: Ridículo… tão ridículo como a ideia, que passou no El País, de Portugal ser, em relação à Educação, a nova Finlândia. Como reconheceu a ministra finlandesa da Educação, quando foi entrevistada pela RTP, os professores são o principal segredo do modelo educativo do seu país. Por cá parece que, se pudessem, os governantes dispensavam os professores…

JF: Achas que a atual equipa ministerial tem pouco peso político no governo?

MN: Isso está à vista de todos. No momento de maior conflito com os professores o governo fê-lo desaparecer.

JF: Um governo e uma legislatura que, em tua opinião, não deveriam ter acontecido?

MN: Pelo contrário. Em minha opinião foi positiva a decisão de criar condições para que a direita não prosseguisse o seu guião, que passava por privatizar as funções sociais do Estado, logo, também a Educação. O problema não foi esse, mas o oportunismo de um governo que para fazer passar os seus Orçamentos do Estado se apoiou na esquerda e para manter as normas laborais gravosas para quem trabalha ou aprovar a municipalização apoiou-se na direita. Quando se viu isolado, optou pela chantagem e, então sim, em menos de dez minutos coligou-se à direita e à esquerda, votando contra tudo. Nem se tratou de uma coligação negativa, foi mais uma espécie de monólogo oportunista.

JF: Mas nesta legislatura houve ou não aumento de rendimentos de quem trabalha e de investimento nos serviços públicos?

MN: Segundo os estudos que têm vindo a ser divulgados pelo economista Eugénio Rosa, isso não é claro, se tivermos em conta o efeito corrosivo do aumento dos preços; para além disso, o emprego que foi sendo criado, e sem querer pôr em causa a importância da criação de emprego, continuou a ser precário, destinado a pessoas de baixas qualificações e a que corresponde um baixo salário; Eugénio Rosa também afirma e prova com números que a Educação, como a Saúde, entre 2010 e 2018,  sofreram reduções orçamentais significativas, respetivamente de 13,4% e 9%. Os maiores cortes foram nos anos duros da troika, depois disso foi estancada a sangria, mas não foram repostos os níveis de financiamento.

JF: E em relação ao futuro?

MN: O futuro será determinado pelas dinâmicas reivindicativas e de luta que os professores forem capazes de desenvolver. Não acredito que seja possível alterar alguma coisa ainda com o atual governo, daí que seja muito importante obter compromissos credíveis dos partidos que concorrem às eleições e pugnar, depois, pela sua concretização. Mas se queremos que seja assim, não podemos abrandar a luta e é preciso, numa fase em que o país entra em campanhas eleitorais, mantê-la visível.

 

 


Recorde a primeira e a segunda parte desta entrevista