Nacional

Inculto ou insulto?

15 de janeiro, 2019

Marques Mendes, na condição de comentador de assuntos políticos, afirmou, numa das suas palestras, que a exigência dos docentes de recuperar todo o tempo de serviço cumprido durante os períodos de congelamento tinha natureza política e eleitoralista, sendo os professores vítimas da mesma. Este é um insulto de Marques Mendes aos professores e aos seus sindicatos, pois, reconhecidamente, nesta matéria, o ex-dirigente partidário não é propriamente um inculto.

Os professores reclamam a contabilização de todo o tempo de serviço que cumpriram há muito tempo. E fazem-no porque, por exemplo, um professor, mesmo nos escalões superiores da carreira (nos quais muitos não estão por não lhes ser reconhecido o tempo de serviço), ganha menos por um mês de trabalho que Marques Mendes por um comentário semanal em igual período de tempo.

Os professores contestaram o congelamento das progressões na carreira desde que foi imposto e, durante os períodos em que este se manteve, não só exigiam o descongelamento, como a recuperação de todo o tempo cumprido. Ainda antes do descongelamento, em 2017, já os sindicatos de professores, na sequência da luta desenvolvida, assinavam, com o governo, uma declaração de compromisso que previa três variáveis no processo de recuperação – o tempo, o modo e o prazo – ficando estabelecido que as duas últimas (prazo e modo) seriam alvo de negociação. Poucos dias depois, os termos dessa declaração de compromisso deram origem a uma norma no Orçamento do Estado para 2018, que, porém, o governo não cumpriu.

Ao longo de mais de um ano (2018), o governo recusou negociar o modo e o prazo da recuperação afirmando que, para tal acontecer, os sindicatos teriam de concordar com um corte de tempo de serviço superior a seis anos e meio. A falta desse acordo levou o governo a impor o corte, o que mereceu parecer desfavorável dos parlamentos regionais da Madeira e dos Açores, a reprovação da Assembleia da República e o veto do Presidente da República. Maior isolamento do governo seria difícil…

Ao longo de 2018 os professores (do continente) viram a generalidade dos trabalhadores da Administração Pública (mais de meio milhão) recuperar todo o tempo de serviço que esteve congelado, em alguns setores, de forma bonificada (cada ano ponderado em 1,5), e viram aprovadas normas legais que garantem a recuperação de todo o tempo aos seus colegas em exercício na Madeira e nos Açores.

Após o veto presidencial ao decreto-lei, houve quem, na área do governo, tivesse afirmado que isso prejudicaria os professores pois deixariam de beneficiar, já em 2019, de progressões decorrentes da entrada em vigor do diploma. É claro que omitiram quais e quantos seriam esses professores, pois sabiam que a “solução” imposta pelo governo não permitia que alguém progredisse em 2019 por via da mesma.

Face ao que antes se expende, é fácil concluir que os professores seriam negativamente atingidos se o diploma tivesse entrado em vigor e não o contrário. Como serão se vier a ser imposta alguma “solução” que não contabilize todo o tempo de serviço. Nesse caso, seriam vítimas de um roubo, vítimas de uma tremenda injustiça, vítimas de uma inaceitável discriminação. Por não aceitarem que metam a mão no tempo que cumpriram, exigindo uma negociação séria, em que apenas esteja em causa o modo e o prazo de recuperar todo o tempo, como estabelece a lei, são vítimas, apenas, de desrespeito por parte de alguns cujas palavras, por não serem incultos, soam a insulto.

 

Mário Nogueira
Secretário-Geral da FENPROF