Nacional
Entrevista ao Secretário-geral da FENPROF

“Reclamar, propor, exigir e lutar. Não há alternativa”

13 de novembro, 2018

Horários de trabalho, carreira docente, aposentação, precariedade, municipalização e… a luta: “…parar é que não. Só mesmo o tempo de retemperar forças para continuarmos ainda mais fortes na luta”. 

 

A luta contra as ilegalidades e os abusos nos horários de trabalho

Ministério faz o levantamento de reuniões não realizadas para poder dizer que não há greve. Enganam-se a eles mesmos…”

 

JFCom esta greve, a FENPROF pretende o quê?

MN: Permitir que os professores tenham, de facto, um horário de 35 horas de trabalho semanal.

 

E não têm?

MN: Apenas na lei. Depois, no seu dia-a-dia, não é assim. O ministério, para dispensar cerca de doze mil professores, acumula trabalho sobre os que estão nas escolas e isso traduz-se em mais de 46 horas de trabalho semanal. O “segredo” passa por obrigar os professores a desenvolver atividade, sobretudo reuniões, que não estão assinaladas no horário.

 

E isso é ilegal?

MN: Claro. A componente de estabelecimento dos professores não pode ir além dos 150 minutos, tendo as reuniões de estar aqui incluídas. Isso raramente acontece. Aderindo a esta greve, os professores só participarão nas reuniões que entram nestes 150 minutos. Como são poucas as que entram, o ministério compreenderá que terá de retirar da componente de estabelecimento as atividades letivas que lá integrou para que nela caibam as reuniões. Aquelas atividades, por serem letivas, deverão constar da componente letiva.

 

E enquanto assim não for…

MN: Enquanto assim não for, os professores estão a trabalhar muito para além do que a lei estabelece. O cansaço e o desgaste que sentem irão agravar-se e contribuirão para que milhares de outros colegas continuem desempregados.

 

E por que afirma a FENPROF que as escolas não podem fazer qualquer desconto a quem fizer esta greve?

MN: Ora, se os professores cumprem todo o seu horário de trabalho e a atividade a que fazem greve está para além dele, sem, sequer, constar do seu horário, como se pode fazer um desconto a quem cumpriu todo o horário e apenas não compareceu às horas que vão para além dele? Quase apetece citar o ministro “O que não está no horário não deve existir nas escolas”. Será que se pode descontar o que não existe?

 

O ministério está a fazer algum levantamento da greve?

MN: Sim, procura saber quantas reuniões não se realizaram. O Ministério faz o levantamento de reuniões não realizadas para poder dizer que não há greve. Enganam-se a eles mesmos… Isso mostra que, para os seus responsáveis, o importante é que as reuniões se façam, nem que seja com um terço dos que deveriam participar. É ótimo, assim, para a estatística. Quanto ao que se passa na escola, eles querem lá saber disso…

 

A greve é para continuar?

MN: O tempo que for necessário. Os professores irão percebendo que esta greve permite-lhes trabalhar só o que a lei estabelece e isso é importante para acabar com as ilegalidades e os abusos. É uma greve que irá crescer e nem o ministério, com as suas ameaças, a conseguirá parar. Vamos dar tempo ao tempo… dia a pós dia a greve tem vindo a crescer e já há várias escolas em que as reuniões intercalares de avaliação não se realizaram.

 

A estratégia do governo para liquidar a carreira docente

Do que tenho a certeza é que não vai haver governo nenhum que acabe com aquilo que os professores tanto demoraram a construir: a carreira docente

 

A contagem integral do tempo que esteve congelado está hoje mais próxima de ser uma realidade?

MN: Penso que sim. O trabalho junto dos partidos políticos e da sociedade em geral tem sido imenso e vai colhendo frutos.

 

Como assim?

MN: Com a opinião pública é muito gratificante verificar como as pessoas assinam os postais de apoio à luta dos professores e afirmam ser injusto o que o governo quer fazer. No plano político, hoje, já contamos com compromissos de PCP, BE, PEV, PAN e PSD para alterar o decreto-lei do governo, no sentido da recuperação integral do tempo de serviço. Gostaríamos de contar com todos e se a coerência e o sentido de justiça prevalecerem será isso que acontecerá.

 

Relativamente à carreira, há ainda o problema do reposicionamento. Uns queixam-se do atraso e outros das ultrapassagens. Que se passa, afinal?

MN: Por um lado, o governo tarda em efetivar um direito que está na lei desde março, procurando fazer deslizar para o próximo orçamento do Estado o que deveria ser garantido pelo do atual; por outro lado, o regime aprovado é passível de levar a ultrapassagens, ficando para trás aqueles que já estavam na carreira antes do último congelamento. Aguardamos que o reposicionamento tenha lugar para, a confirmarem-se as ultrapassagens, avançarmos para tribunal, não para impedir esse reposicionamento, mas para repor a igualdade, permitindo que quem já está na carreira acompanhe os colegas que chegaram mais tarde.

 

Mas, afinal, o que leva o governo a provocar tantas confusões na carreira?

MN: A sua intenção de acabar com ela. As ultrapassagens, as perdas de tempo de serviço, as desigualdades de tratamento… Possa o governo, e todos estes problemas serão argumentos que usará para justificar a extinção da carreira docente e a passagem dos professores para o regime geral da Administração Pública.

 

E isso vai ser possível?

MN: Não, não vai. O que os professores exigem é que a sua carreira seja, realmente, recomposta, com cada um no lugar em que deverá estar de acordo com o seu tempo de serviço. E quanto à extinção da carreira… Do que tenho a certeza é que não vai haver governo nenhum que acabe com aquilo que os professores tanto demoraram a construir: a carreira docente. Que não tentem meter as unhas na carreira dos professores…

 

Portugal tem o segundo corpo docente mais velho da União Europeia

O indispensável e urgente rejuvenescimento da profissão docente passa pela aposentação dos mais antigos

 

Portugal é o segundo país da União Europeia com o corpo docente mais envelhecido. O governo sabe disto?

MN: Claro que sabe, como sabe dos problemas que esta situação gera. E até já se comprometeu, tanto no país como em fóruns internacionais, a tomar medidas para alterar a situação. Mas não faz nada, limitando-se, ano após ano, a assistir a um crescente envelhecimento do corpo docente das escolas.

 

E que poderia ser feito?

MN: Aprovado um regime específico de aposentação, que não pode continuar a ser adiado. O indispensável e urgente rejuvenescimento da profissão docente passa pela aposentação dos mais antigos. Mas o governo não quer e até quando a FENPROF pretendeu negociar a recuperação do tempo de serviço do congelamento com impacto na aposentação – que o Primeiro-ministro tinha admitido em entrevista – o governo disse logo que não aceitava. É uma irresponsabilidade manter esta situação.

 

Precariedade: uma chaga por resolver

”…há ainda milhares de colegas com vínculos precários que dão resposta a necessidades permanentes das escolas e do sistema educativo

 

No seu discurso sobre o que fez na Legislatura, o governo coloca sempre a entrada nos quadros de mais de sete mil professores. Houve, na verdade, um efetivo combate à precariedade?

MN: Teria sido bom que assim fosse. O que aconteceu foi que nos últimos oito anos o número de professores em precariedade aumentou muito e a própria comissão europeia interveio junto do Estado Português obrigando-o a fazer alguma coisa no sentido de impedir abusos no recurso aos vínculos precários. Os governos, este como o anterior, ficaram pelos mínimos.

 

Sim, mas dizem que em cinco anos entraram onze mil professores nos quadros. Não é verdade?

MN: É verdade, contudo, o nível da precariedade mantém-se elevadíssimo e apesar de a lei prever que quem trabalha há três anos deverá ingressar nos quadros, o governo mantém outros requisitos que, por serem cumulativos ao tempo de serviço, faz com que colegas com dez e quinze anos de serviço não consigam vincular. Por essa razão, há ainda milhares de colegas com vínculos precários que dão resposta a necessidades permanentes das escolas e do sistema educativo.

 

A municipalização está em curso

Está aberta uma nova frente de luta dos professores

 

O governo aprovou a Lei 50/2018, que prevê a transferência de competências para os municípios, e, rapidamente, avançou para a área da Educação. Foi uma surpresa?

MN: De forma alguma, essa era a área em relação à qual o governo tinha mais pressa. Quer entregar aos municípios competências que, em nossa opinião, deverão continuar a pertencer às escolas. Por exemplo, a tutela dos trabalhadores não docentes, das cantinas e refeitórios, da aquisição e gestão de equipamentos, mas não só. Veremos se, no futuro, não teremos aspetos curriculares metidos aqui ao barulho… talvez compreendamos, então, para que serve a flexibilidade curricular pretendida pelo ministério.

 

E quanto aos professores?

MN: Para já não entram, mas na intenção de alguns governantes e diversos autarcas essa é uma insuficiência que vão querer superar.

 

E fala-se, também, que se irão acentuar de assimetrias. Esse é um perigo?

MN: É claro que sim. Se a lei prevê, por exemplo, que os municípios, por esta transferência, passem a beneficiar de 7,5% das receitas do IVA em alojamento, restauração, eletricidade, gás, energia e comunicações, todos conseguimos perceber o que se irá passar… ainda que fale em receitas de compensação, o que aconteceu com processos anteriores é suficientemente esclarecedor sobre o que vai acontecer.

 

Esta situação existe em outros países?

MN: Sim e com maus resultados. A Suécia vive há mais de vinte anos uma situação destas e os (maus) resultados estão à vista. A Islândia também entrou em processo semelhante, mas percebendo os problemas saiu dele. Em Portugal, o governo entra de cabeça neste buraco… Está aberta uma nova frente de luta dos professores.

 

A luta

Reclamar, propor, exigir e lutar. Não há alternativa

 

O que podem os professores fazer para estancar o caminho negativo que o governo parece ter decidido seguir neste final de Legislatura?

MN: Reclamar, propor, exigir e lutar. Não há alternativa. Os professores não podem baixar os braços. Não podem desistir. Sente-se o cansaço e até algum desânimo, mas parar é que não. Só mesmo o tempo de retemperar forças para continuarmos ainda mais fortes na luta. Os professores reconhecem isso e irão fazê-lo, sabendo que quando exigem respeito pelos seus direitos e melhores condições de trabalho estão também a pugnar por algo que é fundamental ao bom funcionamento das escolas e às aprendizagens das crianças e dos jovens.