Gestão Democrática das Escolas
Gestão Democrática em perigo

Forum Nacional

15 de julho, 2003
GESTÃO DEMOCRÁTICA EM PERIGO
Todos contra intenções de David Justino

   A FENPROF realizou no passado 25 de Março o Fórum "Defender e aprofundar a democracia na gestão escolar", reunindo em Lisboa cerca de 600 professores e educadores de todo o país.
   Organizado em dois painéis, esta iniciativa contou com intervenções de Paulo Sucena, Secretário Geral da FENPROF, Manuela Esteves e João Barroso, da Universidade de Lisboa, Licínio Lima e António Sousa Fernandes, da Universidade do Minho, e Luís Pargana, vereador da Educação da Câmara Municipal de Portalegre e professor.

   Manuela Esteves, que interveio na sessão da manhã, localizou a sua intervenção questionando as razões das mudanças que o actual Governo pretende introduzir no domínio da gestão dos estabelecimentos de educação e de ensino. Assim, para a investigadora, a aposta é feita claramente na redução da despesa. Tomando esta matéria como primeiro tópico, Manuela Esteves refere que esta redução influenciará significativamente a diminuição da capacidade reivindicativa das escolas e terá como seu executor acrítico o gestor cumpridor da política geral definida centralmente pelo Ministério da Educação. Uma política que "visa a diminuição das despesas sociais. Uma política de contornos neo-liberais que sugere que quem quer beneficiar dos bens sociais básicos, como a Educação e a Saúde, deve pagá-los" e que tem hoje condições para se concretizar, tendo em conta a maioria de direita aparentemente sólida existente na Assembleia da República.

   Outro aspecto referido por Manuela Esteves relaciona-se com o regresso do autoritarismo à gestão escolar. Uma matéria muito cara a este Governo que, demagogicamente tem procurado estabelecer a confusão entre autoridade e autoritarismo. No discurso oficial, a figura do director, do órgão de gestão unipessoal, nomeado pelo Governo, pressupõe uma inversão radical das opções em matéria de política educativa ao nível da escola: o gestor não será seu representante junto da administração central, para passar a representar esta junto da escola. No fundo recuperando a figura do Reitor dos velhos liceus.

   Manuela Esteves reafirma assim a sua ideia de que David Justino persegue o apoio da opinião pública portuguesa, garantindo-a com a recusa de que compete aos especialistas gerir os espaços da sua área de intervenção. O gestor passa a ser, então, o recurso de que se serve o ME para "pôr a casa em ordem". A política do Governo assenta, assim, "na redução do espaço de intervenção democrática e plural", pretendendo, com o ataque que faz à profissionalidade docente, dar um sentido extensivo à recusa da escola pública.

   Manuela Esteves terminou com um conjunto de propostas que considera deverem ser integradas em futura regulamentação desta matéria e que vão no sentido contrário ao pretendido por Justino: melhorar e encontrar formas de maior participação dos alunos, dos professores e da comunidade educativa, devendo, por esta via, ser dada mais importância à gestão no plano pedagógico.

   João Barroso, na sua intervenção fez uma caracterização da evolução do sistema educativo, defendendo que "o debate sobre a gestão escolar deve incidir, numa primeira análise, na questão política", reforçando a ideia desenvolvida por si em outros momentos de que "desde os anos 80 assistimos a uma recomposição do papel do Estado ao nível da Educação".

   Justificando esta ideia, Barroso fez a comparação entre um sistema que foi construído desde os finais do século XIX com um forte compromisso do Estado com a Educação e com os Professores, numa perspectiva de desenvolvimento do ensino público, e o fenómeno de regulação pelo "mercado", estabelecendo, a partir dos finais do século passado, uma aliança com os pais e a chamada sociedade civil, contra os professores. Para tal tem contribuído a acção de instâncias externas ao país, como o Banco Mundial, a OCDE e a OMC, para se referirem algumas, que passaram a ditar, como medida correctora da crise que os países enfrentam, a transferência de responsabilidades para as comunidades e a progressiva desestatização do ensino. João Barroso alertou, a este propósito, para o processo que é utilizado, definindo-o como "um processo de contaminação e de disseminação de receitas veiculadas por redes de especialistas, fazendo propaganda dos êxitos alcançados noutros contextos". Este processo de "regulação transnacional" deve, referiu, merecer a maior atenção, pois fazendo-se informalmente, obtém, no entanto, apoiantes ao nível dos "fazedores de opinião" que condicionam determinantemente o pensamento das comunidades sobre as quais incidem as políticas, aproveitando o reduzido esclarecimento que há sobre as diversas matérias.

   Para João Barroso, a chave da solução pode estar ao nível da regulação local do sistema, defendendo-a como forma de descentralização da administração do sistema educativo.

   Referindo-se à controvérsia entre democratizar ou profissionalizar a gestão, Barroso defendeu que é possível "aperfeiçoar a gestão através do aprofundamento da democracia" e exigiu que os defensores dos "profissionais da gestão" nomeados pelo Governo clarifiquem o seu discurso: "será que melhora a qualidade do serviço prestado pelas escolas públicas? Será que melhoram os processos de gestão? Será que os professores são incompetentes para o exercício das funções de gestão?".

   Este investigador prosseguiu aliás com a sua tese em defesa do processo de eleição, defendendo que "sendo verdade que a eleição em si não resolve nada, é preciso, no entanto, provar o que a eleição impede", lembrando que a elegibilidade é uma tradição específica do sistema e da democracia portuguesa e que a eleição assenta a gestão das escolas numa base de confiança do conjunto dos eleitores, a qual pode ser, em qualquer momento retirada. Ou seja, "a eleição confere legitimidade e confiança aos órgãos de gestão e a supressão da confiança que é conferida por quem elege introduz um claro prejuízo para as escolas e para o sistema".

   Quase a finalizar, João Barroso alertou para o facto de "as escolas não poderem ficar reféns de a autonomia e a qualidade estarem a ser tomadas por um discurso neo-liberal. Há uma lógica de autonomia que passa pelo aprofundamento da democracia, o que não é o mesmo se for ditada pelas leis do mercado".

   Nas outras duas intervenções da tarde Licínio Lima denuncia que se está a colocar a Educação como um problema técnico e gerencial, numa perspectiva tecnocrática, produtivista e empresarial.
   "O poder faz um discurso que nega a educação como um direito humano básico, reconceptualizando-a como um serviço passível de ser privatizado, passível de mercantilização, conferindo-lhe um carácter instrumental do desenvolvimento económico, em torno de três ideias chave: empregabilidade, adaptação ao mercado de trabalho e competência para competir contra o outro".

   Para Licínio Lima uma das preocupações da maioria que governa é colocar escolas contra escolas, alunos contra alunos e turmas contra turmas. "O aluno é tratado como matéria prima num processo de produção, explicando-se, por isso, a defesa que é feita dos "rankings" pelo actual Ministro".

   Sousa Fernandes fez a defesa da regulação local do sistema educativo através de uma maior atribuição de poderes e meios ao nível dos municípios, para que estes, num processo contínuo de negociação com a escola, sejam motores muito envolvidos do desenvolvimento local do sistema educativo. Nesta lógica, qualquer espartilho à autonomia das escolas seria contraproducente para uma efectiva ligação das responsabilidades autárquicas com estabelecimentos de educação e de ensino.

   No Fórum Nacional foi ainda apresentado o último número dos Cadernos da FENPROF sobre esta temática, incluindo artigos de Paulo Sucena, João Barroso, Licínio Lima, Sousa Fernandes, Manuela Esteves, Luís Pargana, Rui Canário, Isabel Baptista e Fernando Bessa Ribeiro. Com o título "Direcção e Gestão das Escolas Defender e aprofundar a democracia na gestão escolar" este Caderno da FENPROF inclui, para além dos depoimentos dos especialistas referidos, as propostas da FENPROF para a Direcção e Gestão das Escolas e Agrupamentos. Refira-se, a este propósito que é intenção da FENPROF, com esta publicação contribuir "para alargar a reflexão e promover o debate em torno do sentido e objectivos das medidas de política educativa que o actual governo pretende levar à prática", como é indicado na sua nota introdutória.

   Este Caderno tem uma edição especial de 2000 exemplares e integra o número de Março do Jornal da FENPROF, chegando, por esta via aos mais de 55000 associados dos sindicatos da FENPROF, prevendo-se agora uma distribuição pelos órgãos de gestão das escolas e dos agrupamentos.