Nacional
Já em modo de campanha eleitoral, o silêncio é a alma da política de direita

O silêncio dos culpados

12 de agosto, 2015

Não há cá inocentes. Podem os governantes afirmar que Portugal está melhor e que os portugueses já veem luzes ao fundo dos túneis, mas até quem afirma tal enormidade sabe que está a mentir. E sabem mais os governantes do PSD e CDS: é que, por agora, não interessa falar nisso, mas está aí mais um conjunto de medidas – e sacrifícios decorrentes – que serão para anunciar e impor logo após as eleições.

Provavelmente, a não obtenção de maioria absoluta por parte de qualquer partido ou coligação nas próximas eleições, fará juntar, mais uma vez, a troika nacional. A mesma que, em 17 de maio de 2011, assinou um pacto com a troika estrangeira (FMI-UE-BCE), cujas consequências são muito visíveis e por todos sentidas.

Afinal, eles não são assim tão diferentes como querem fazer crer e só não percebe as semelhanças quem anda muito distraído. Aliás, bastaria que olhassem para a Alemanha, onde a falta de maioria absoluta juntou a CDU de Merkel ao SPD de Gabriel, ou para a França onde Hollande nega com a prática os discursos que proferiu… mais fácil ainda será olhar para os programas eleitorais que os partidos já apresentaram.

O silêncio tem sido a alma da política. Por um lado, o PS assobia para o lado quando se trata de esclarecer o que propõe em relação a uma dívida que não para de aumentar, aliás, uma dívida curiosa, pois quanto mais se paga mais cresce; por outro lado, a maioria PSD/CDS que, em relação à dívida, é clara ao afirmar que deverá ser paga até ao último cêntimo, mas quando se trata de dizer aos portugueses o que isso irá significar, que mais medidas serão exigidas, prefere dar pontapés nas pedrinhas soltas da calçada, como se estivesse distraída num qualquer jogo de miúdos.

Para desviar as atenções, os governantes e os partidos que apoiam o governo recorrem às estatísticas, mas apenas ao que lhes interessa para que passe a ideia de, finalmente, o país se encontrar no bom caminho. O que, infelizmente (como se previa), não é verdade.

Falam das exportações que aumentaram, mas nada dizem das importações que, devido à destruição do tecido produtivo nacional, cresceram ainda mais; simultaneamente, passam ao lado do défice da balança comercial que se agravou em quatrocentos milhões de euros. Falam da redução da taxa oficial de desemprego, mas escondem a redução continuada de empregos, o que significa que aquela taxa baixou à custa de emigração, subemprego, estágios destinados a manipular estatísticas. Escondem o crescimento da dívida, ignoram projeções internacionais que apontam para o incumprimento de imposições do Tratado Orçamental (preparando terreno para novas e mais duras medidas), fingem que a mancha de pobreza deixou de alastrar, apontam objetivos que sabem que serão inexequíveis à luz do pacto de que se/nos tornaram reféns.

Falam como se não soubessem que a troika, seja FMI ou União Europeia, já tem novo caderno de encargos com medidas que exigem mais reduções na Administração Pública (de custos com trabalhadores, na ordem dos 730 Milhões de euros), mais privatizações (agora, centradas na Educação, Saúde e Segurança Social), mais alterações negativas nas leis laborais e reduções de salários e reformas. Como também sabem que estão a anunciar medidas que não serão tomadas, apenas servindo para acalentar expetativas em relação ao futuro pós-eleitoral. E referem-se a uma inteligente leitura (seja lá isso o que for) do Tratado Orçamental, enquanto prepararam argumentos para, a este tratado, acrescentarem o TTIP (Tratado Transatlântico de Investimento e Parceria).

Os que prometem sabem que estão a enganar e os destinatários sabem que estão a ser enganados. Mas é nesta relação dialética, promovida, diariamente, em pacotes de tamanho XXL pela comunicação social, sobretudo as televisões, que se vão consolidando as condições para, por outra via, bastante mais pacata (ao jeito de uma nacional resignação), serem impostas aos portugueses as mesmas medidas que estão a ser aplicadas na Grécia.

Como manobra de diversão, a maioria PSD/CDS gere as cavadelas de um PS que consegue, em cada uma, encontrar ninho de minhocas.

Neste contexto lamacento, em que uma espécie de mixórdia se vai apoderando de um dia a dia que deixou de ter amanhã, o silêncio passou mesmo a ser a alma da política. E esta passa, nos tempos próximos, por levar ao engano aqueles que têm nas mãos uma importante arma democrática: o voto.

Por cá, vive-se o silêncio dos culpados (o PS não assume a necessidade de renegociação da dívida; PSD e CDS não assumem as consequências de esta não ser renegociada); de fora, o silêncio é, também ele, conjuntural e traduz apenas a cumplicidade assumida com aqueles que servem, cá dentro, os seus interesses. Não fosse o diabo tecê-las e os portugueses, infernizados, decidirem não servir mais tais interesses. Com eleições à porta, há que prevenir…

Tornou-se público que, com a crise grega, a Alemanha já arrecadou qualquer coisa como cem mil milhões de euros. Se assim é, por que haveria a Alemanha (e outros que tanto estão a ganhar com os sacrifícios impostos a milhões de pessoas) de deixar em paz, não apenas gregos, mas também portugueses e outros? A história julga sempre estes factos e condena quem, de fora ou entre paredes, desrespeitou pessoas, espezinhando milhões. Também neste caso não deixará de o fazer.

Mário Nogueira
Professor; Secretário-Geral da FENPROF