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Conselho Nacional da FENPROF define orientações de trabalho: Parte I

29 de junho, 2008

A revisão do ECD, a definição de um modelo de avaliação do desempenho dos professores coerente e pedagogicamente útil, a revalorização social e material da profissão docente, o combate ao modelo de gestão imposto pelo ME, a construção de bases para uma escola verdadeiramente inclusiva e a luta contra a precariedade, são eixos priorirários da acção da FENPROF, como sublinhou Mário Nogueira na apresentação da resolução aprovada pelo Conselho Nacional da FENPROF. Os 115 membros que constituem o órgão máximo da Federação entre Congressos estiveram reunidos em Lisboa nos dias 26 e 27 de Junho. Na Mesa da conferência de imprensa realizada após os trabalhos do CN, além de Mário Nogueira, estiveram presentes, António Avelãs (SPGL), Manuela Mendonça (SPN), Anabela Sotaia (SPRC), Joaquim Páscoa (SPZS) e Armando Dutra (SPRA).  / JPO

RESOLUÇÃO

Parte II

I.
2007/2008 FOI O ANO DOS PROFESSORES,
NÃO OBSTANTE OS VIOLENTOS ATAQUES DO ME/GOVERNO

O ano lectivo 2007/2008 ficará marcado, para sempre e de forma indelével, pela Marcha da Indignação dos Professores, que teve lugar em 8 de Março. A Marcha constituiu uma extraordinária resposta de determinação e unidade dos docentes portugueses, que responderam positivamente ao apelo de expressarem, publicamente, a sua indignação face à política educativa do actual Governo, exigindo respeito e uma verdadeira e séria mudança no rumo de tal política.

Sem pôr em causa o contributo que alguns movimentos não estruturados e pequenos sindicatos deram à Marcha, não restam hoje dúvidas de que só a extraordinária capacidade de mobilização e organização dos sindicatos da FENPROF tornou possível o espantoso sucesso da Marcha da Indignação que juntou 100.000 professores e educadores de infância.

A Marcha fez e faz parte de um processo ainda não terminado e que radica num profundo descontentamento que, em termos temporais, tem origem poucos meses depois da tomada de posse do actual Governo. Só este ano lectivo muitas outras acções foram promovidas, quer pela FENPROF, quer pela Plataforma Sindical dos Professores. A importância dessas acções foi enorme neste contexto de resistência e de luta por alternativas, destacando-se quatro momentos mais marcantes: a comemoração do Dia Mundial dos Professores, em 5 de Outubro de 2007; a Vigília à porta do Ministério da Educação, na semana que terminou em 19 de Janeiro, dia de publicação do "ECD do ME" e, por essa razão, de luto dos professores portugueses; a última semana de aulas do 2.º período lectivo, declarada de luto nacional nas escolas e que mereceu uma enorme adesão por todo o país; o Dia D, que teve lugar em 15 de Abril e constituiu um momento alto da vida democrática do movimento sindical. Antes e depois da Marcha realizaram-se, ainda, concentrações e manifestações distritais e regionais que são parte relevante de um ano que os professores escreveram com acção e luta.

Os professores também lutaram em convergência com os restantes trabalhadores, daí o seu envolvimento na Greve Geral de 31 de Maio de 2007, nas grandiosas manifestações de 18 de Outubro de 2007 e 5 de Junho de 2008 - que juntaram, cada uma delas, 200.000 trabalhadores - em diversos plenários promovidos pela Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública e na Greve Geral da Administração Pública do dia 30 de Novembro. Foi um ano em que os professores e educadores nunca cruzaram os braços, nem viraram a cara à luta. Uma forte acção nos planos jurídico e institucional complementou a luta que os professores travaram nas escolas e nas ruas.

Apesar das dificuldades inerentes ao quadro político que resulta de uma maioria absoluta, da arrogância dos governantes e da obediência da actual maioria parlamentar, os professores e educadores obtiveram importantes resultados com a sua luta. Desde logo, impedindo a transferência para os municípios dos docentes que exercem funções na Educação Pré-Escolar e no Ensino Básico, mas, sobretudo, obrigando a Ministra da Educação, ao fim de três anos, a sentar-se à mesa das negociações, a negociar e a assinar um Memorando de Entendimento, em 17 de Abril, p.p., que permitiu que, este ano, nenhum professor fosse avaliado de acordo com as regras impostas pelo ME, ficando, desde já, salvaguardado que, para o final desta primeira fase de avaliação, não resultarão penalizações, nomeadamente perdas de tempo de serviço ou a não renovação de contratos. Ainda neste âmbito, foi muito importante não só que os Sindicatos passassem a acompanhar a implementação do processo de avaliação, designadamente através da Comissão Paritária constituída para esse efeito, mas também que já tivesse ficado estabelecido o período em que decorrerão as negociações com vista à alteração do actual regime de avaliação. Ou seja, além de este ano lectivo o modelo de avaliação do ME não se aplicar a nenhum docente, no próximo ano, ele assumirá um carácter experimental, por ter um limite temporal pré-definido (o final do ano lectivo 2008/09), por ser acompanhado por uma Comissão Paritária e por não ter consequências negativas para a carreira dos docentes.

O Memorando permitiu, ainda, que se abrissem diversos espaços de negociação, relacionados com estrutura da carreira, salários, horários de trabalho (que pela primeira vez estão a ser negociados) e avaliação do desempenho que deverão servir para alterar alguns dos aspectos mais negativos e penalizadores que neste momento vigoram. Do Memorando, resulta também uma evidente e indispensável desvalorização do designado Conselho das Escolas, órgão consultivo do ME, criado por este, e com quem a tutela, numa evidente tentativa de substituição dos Sindicatos, desenvolvia processos "negociais" e pretendia estabelecer "acordos".

Também nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira se obtiveram resultados positivos, ainda que de forma mais relevante na RAA, só possíveis devido à luta dos professores e educadores e à acção empenhada do SPRA e do SPM, respectivamente. Os estatutos de carreira docente aplicados às regiões, embora mais negativos do que os que vigoravam anteriormente, são menos penalizadores do que os que se aplicam no Continente, o mesmo acontecendo em outros domínios.

Como era previsível, a assinatura do Entendimento suscitou diferenças de opinião entre os professores e educadores e criou incompreensões entre a classe docente. É, porém, necessário que se combata e denuncie a ideia, espalhada por uns poucos, de que se tratou de uma capitulação dos professores. Se é verdade que as melhorias alcançadas com o Entendimento, sendo inequivocamente importantes, são de valor relativo face às grande questões em causa (a avaliação de desempenho, a divisão da carreira), é necessário reconhecer que ele criou espaços de negociação até então inexistentes, de cujo aproveitamento poderão e deverão resultar vitórias importantes. A campanha contra o Entendimento como "capitulação" é a afirmação do mais extremo conformismo e de quem já desistiu de lutar.

Como sempre acontece quando a profissão e os professores atravessam momentos cruciais e de dificuldade acrescida, surgiu a questão da criação de uma ordem dos professores. Em momentos particularmente agudos de ataque à classe e à profissão, a ilusão de que uma "ordem" contribuiria para unir a classe eventualmente dividida e, por essa via, aumentar a capacidade reivindicativa tem caminho fácil. É uma óbvia ilusão: a criação de uma ordem, no actual contexto, seria mais um factor de divisão. E é uma ilusão porque o campo de intervenção de uma ordem restringe-se ao plano das questões éticas e deontológicas que, tendo importância, não constituem as preocupações centrais dos professores e das escolas, até porque há uma ética e uma deontologia historicamente construídas, assumidas e respeitadas pela classe docente. Os Sindicatos de Professores, em particular a FENPROF, têm sido e continuarão a ser espaços de análise e discussão das questões da ética e deontologia da profissão, conscientes que da sua clara assunção também beneficia a imagem social dos professores que só ilusoriamente seria melhorada pela eventual criação de uma ordem.

Contudo, apesar da luta dos professores e dos seus primeiros resultados positivos, o ano também fica marcado pela imposição de alterações legais muito negativas que incidem sobre aspectos estruturantes do sistema educativo, não tendo havido um debate efectivo em torno de tais alterações, mesmo quando a Lei de Bases do Sistema Educativo estava a ser posta em causa.

O Governo, apesar da fortíssima contestação de que foi alvo, prosseguiu a política que vinha desenvolvendo desde o início da Legislatura e que, na Educação, tem tido uma particular expressão nos sucessivos ataques desferidos contra a Escola Pública, com destaque em três planos: a gestão escolar, o carácter inclusivo da escola e os profissionais docentes.

No que respeita aos educadores de infância e aos professores dos ensinos básico e secundário, concretizou-se a fractura da carreira e a sua separação pelas categorias hierarquizadas impostas pelo ME e foi regulamentado o muito negativo regime de avaliação do desempenho. Como em nenhum ano anterior, a conjugação de normas do ECD com o despacho que fixou a organização do ano escolar levou a que os docentes ficassem sujeitos a inaceitáveis horários de trabalho que põem em causa as já de si precárias condições em que exercem a sua profissão. Impedidos de concorrer, milhares de docentes "estabilizaram" à força longe das suas famílias, como se para a estabilidade pessoal e profissional não contribuísse uma fortíssima componente emocional.

Neste ano lectivo, o desemprego docente aumentou, bem como a precariedade, tendo sido introduzidos os contratos individuais de trabalho a termo resolutivo, que o ME se prepara, agora, para generalizar, e vulgarizado o uso de falsos recibos verdes.

Foi, pois, um ano muito violento para os docentes que, no entanto, deram o seu melhor no plano da resistência e da luta por mudanças, apesar do contexto tão negativo em que se movimentaram.

A gestão escolar foi alterada e hoje está já a ser implementado o regime previsto no DL 75/2008, de 22 de Abril, cuja matriz se afasta brutalmente da democracia na gestão das escolas; a escola inclusiva está posta em causa com a revogação, em Janeiro passado, do Decreto-lei n.º 319/91; a municipalização do ensino avançou, com a aprovação de uma lei que transfere para os municípios todas as responsabilidades para com o ensino básico e a educação pré-escolar, com excepção para a tutela dos docentes; as escolas do 1.º Ciclo continuaram a ser encerradas, não tantas como pretendia o ME, graças à luta das populações, mas mesmo assim muitas mais do que poderia ser aceite como razoável, remetendo milhares de alunos para contentores que ocupam espaços de lazer dos recreios das escolas, não se sabe por quanto tempo; o subfinanciamento do sistema acentuou-se, sendo muitas escolas obrigadas a pedir dinheiro às famílias para suportarem custos de funcionamento; entretanto, fruto da estagnação da acção social escolar, os custos com a Educação, para as famílias, aumentaram acima dos 40% desde o início da década.

No Ensino Superior a situação também é marcadamente negativa. Há cerca de um ano o Governo impôs, através da sua maioria absoluta na Assembleia da República, a nova lei do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior que reduziu os direitos de participação e introduziu soluções favorecendo uma gestão de tipo empresarial, em particular, permitindo a transformação das instituições públicas em fundações de direito privado, iniciando um movimento que poderá levar a que deixem de ser públicas. No entanto, dentro dos condicionalismos impostos, a generalidade das escolas procurou superar as insuficiências da lei, tendo optado pela defesa do seu carácter público e mais democrático, com movimentações acompanhadas de perto pelos sindicatos da FENPROF e apoiadas por docentes do ensino superior de todo o país. Assim, de 29 instituições públicas apenas 3 decidiram iniciar negociações para avaliar a sua possibilidade de passar a fundações. Por mais que se esforce por fazer crer o contrário, foi uma clara e expressiva derrota do Ministro, particularmente porque todos sabemos que a lei foi inicialmente concebida e concretizada para promover a passagem a fundação da sua própria escola, pretensão essa que foi democraticamente debatida e derrotada.

Também no que respeita a emprego e estabilidade profissional, a situação agravou-se devido aos violentos cortes orçamentais aplicados pelo Governo nos últimos 2 anos. Várias instituições entraram em ruptura financeira e muitos foram os contratos de docentes precários que não foram renovados. Apostado em transformar o financiamento de Universidades e Institutos Politécnicos num perverso instrumento de manipulação política e de prestidigitação orçamental, o Governo levou a que nos últimos anos o nosso país fosse o único da UE que reduziu o investimento no ensino superior (15 % entre 2003 e 2008), remetendo as instituições para uma lógica de pura sobrevivência, também ela precária.

Deve salientar-se que a luta de 8 anos pela concretização do direito ao subsídio de desemprego em que a FENPROF se empenhou conjuntamente com o SNESup veio a colher frutos pela aprovação daquele apoio social, embora apenas nos casos de contratos a terminar após 1 de Janeiro deste ano, contra a opinião das duas organizações sindicais que reclamavam a sua aplicação retroactiva.

Quanto ao Ministro para o Ensino Superior aposta em manter-se fisicamente ausente, para melhor levar por diante a sua missão. Apesar dos graves problemas que afectam a situação profissional de docentes e investigadores, em particular a enorme precariedade e o bloqueamento das progressões nos escalões, bem como a estagnação nas categorias de acesso dependente de concurso, o Ministro tem bloqueado a negociação sobre todas estas matérias. Tal obrigou à promoção de um abaixo-assinado conjunto, da FENPROF e do SNESup, com as principais reivindicações sobre as carreiras docentes e que foi amplamente participado pelos docentes do Ensino Universitário e Politécnico. Foi na sequência desta acção que o Ministro aceitou reunir com os sindicatos ainda este ano lectivo.

Prossegue entretanto o movimento de crescente transferência dos custos do ensino superior para os estudantes e suas famílias pela via do aumento das propinas para o seu valor máximo nas licenciaturas e para valores bem superiores, no caso de muitos mestrados.

Na área da Ciência, apesar do aumento do investimento, continuam atrasos inaceitáveis na avaliação de projectos e de unidades de investigação e no seu financiamento, crescendo as dúvidas sobre as vantagens para o país dos acordos estabelecidos com universidade estrangeiras, cuja relação custo/benefício continua por apurar.

Mas, no sector da Educação actuam, ainda, quadros legais superiores impostos a todos os trabalhadores portugueses e, de forma, mais imediata, os que se abatem sobre os trabalhadores da Administração Pública. Depois do agravamento das condições de aposentação, do roubo de cerca de 2,5 anos de serviço e da imposição de sucessivas "actualizações" salariais que, sendo menores do que a inflação, desvalorizaram fortemente os salários, os governantes preparam-se, agora, para aplicar, de facto, as regras de mobilidade especial (supranumerários) e outras que decorrem, tanto do novo regime de vínculos, carreiras e remunerações, como do regime de contrato de trabalho em funções públicas.

É face a este quadro - que, para além de negativo, é extremamente injusto para os trabalhadores - que cresce a indignação e a revolta dentro da classe docente. A FENPROF, interpretando esses sentimentos dos docentes, deverá mobilizá-los para desencadear as lutas necessárias para que se desequilibre, a seu favor, a correlação de forças, num ano em que realizam eleições e em que o Governo poderá perder algum espaço político de manobra. Daí que, em 2008/2009, a acção e a luta sejam ainda mais importantes para o desenvolvimento, com resultados positivos, dos processos negociais previstos, designadamente dos que decorrem do Memorando de Entendimento.

Da parte do ME e do Governo, incapazes de alterar a situação de profunda crise que o país atravessa e que, na Educação, se repercute com acrescido impacto, a acção governativa foi, quase sempre, orientada para o "sucesso da estatística" e suportada por uma imensa demagogia. A prazo, pela falta de medidas efectivas e adequadas, o país tenderá a acumular novos fracassos, podendo, como tem sido hábito, deixar impunes os seus verdadeiros responsáveis.

Das normas facilitistas aprovadas no âmbito do Estatuto do Aluno, à distribuição massiva de diplomas, até ao constatado abaixamento do nível de exigência dos exames nacionais, o objectivo que esteve presente na acção do ME foi o mesmo de sempre: construir resultados que disfarcem a realidade, que permitam o auto-elogio e que atribuam às suas políticas e medidas um aparente êxito do sistema. Os números mais favoráveis, que resultarão da manipulação estatística, serão óptimos para apresentar trabalho na União Europeia e, principalmente, para serem usados em campanha eleitoral.

É necessário que os professores, as suas associações profissionais e científicas e os seus sindicatos continuem a denunciar esta postura, condenando-a. O fabrico de resultados positivos que, na verdade, não são fruto de medidas acertadas, mas apenas de artifícios criados, é muito perigoso, pois permite que os problemas se agravem sem que se dê por isso.

Parte II