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Disciplina de Educação para a Cidadania e Desenvolvimento

Conselho Nacional da FENPROF: "Numa escola democrática a preparação para a cidadania não pode ser uma mera opção"

21 de setembro, 2020

A Escola no Portugal após 25 de Abril de 1974 é, por exigência constitucional que traduz a vontade do povo, uma escola democrática. A democracia na escola traduz-se em vários planos que são convergentes. Entre eles sobressaem as competências dos seus órgãos pedagógicos e de direção aos quais compete, entre outras matérias, zelar pelo pluralismo ideológico, pelo rigor e qualidade científicos, pela formação humanista dos estudantes e pelo desenvolvimento de um espírito crítico que conduza à intervenção de cidadania consciente, livre e informada, concretizando programas curriculares nacionais ou, em alguns casos, locais, eles também orientados pelos mesmos princípios.

Nesta matéria, a FENPROF manifesta a sua confiança nos órgãos pedagógicos e de direção e gestão das escolas, estando convicta de que eles seriam os primeiros a intervir se a prática de algum docente contrariasse o espírito democrático que orienta a escola portuguesa, lembrando que também os pais e encarregados de educação têm representação no Conselho Geral.

Não pode, pois, a FENPROF aceitar que um qualquer encarregado de educação pretenda condicionar a escola que o seu filho frequenta quanto ao que ela deve ensinar e como o deve fazer, querendo, dessa forma, impor à comunidade académica a sua opinião, a sua ideologia ou a sua visão do mundo. A menos que comprovadamente se verifiquem desvios face à obrigatória orientação pluralista e democrática por parte da escola.

A FENPROF considera, pois, que o chamado ”manifesto em defesa da liberdade de educação” com que algumas personalidades pretendem defender o facto de um encarregado de educação ter impedido aos seus filhos a frequência da disciplina de Educação para a Cidadania e Desenvolvimento mais não é do que um manifesto contra a democraticidade e pluralismo enquanto pilares da escola portuguesa, sendo lícito entrever na posição tomada o desejo do regresso a uma escola ideologicamente controlada, desde que a ideologia imposta seja a dos subscritores.

O proselitismo religioso e ideológico do encarregado de educação em causa, subscrito pelos que assinam o referido manifesto, fica bem explícito no facto de o mesmo aceitar pôr em causa o normal processo escolar dos seus filhos sustentado em bases, no mínimo, fortemente discutíveis, como sejam o uso (falacioso) do princípio de objeção de consciência ou o subjacente princípio de que há “coisas” que a escola não pode ensinar, informar ou discutir.

Como afirma o constitucionalista Jorge Reis Novais “O (pai) não pode ser objector de consciência em nome de uma criança, é uma indignidade estar a manipular crianças para efeitos políticos em prejuízo das crianças” (Público, 4 de setembro de 2020, pág. 10) - O sectarismo ideológico deste pai leva-o, inclusivamente, a não aceitar as propostas de solução apresentadas pelo Ministério da Educação, visando o sucesso escolar dos alunos em causa.

O manifesto em análise torna-se, aliás, de certo modo caricato se atendermos à larguíssima lista dos objetivos de tratamento possível nesta disciplina, todos eles correspondendo a matérias fulcrais na formação e para as quais a Escola tem sido chamada a intervir. Lamentavelmente, os subscritores do manifesto estão a sugerir que seja facultativo (talvez gostassem mesmo que fosse proibido) que a Escola motive os alunos para o respeito pelos Direitos Humanos iguais para todos, para a salvaguarda do planeta face à crise climática que nos assola, que sensibilize os jovens para que respeitem as diferentes manifestações e orientações sexuais, respeitem as diferentes crenças religiosas ou a posição de ateísmo, para o dever de intervir na vida cívica do país, que ajude à compreensão de que a paz é um objetivo central, que a escravatura e o colonialismo devem ser condenados, mas também que há que cumprir rigorosamente as regras de trânsito, entre outras questões. O que deveria ser equacionado é que esta área da Educação para a Cidadania e Desenvolvimento não deveria restringir-se a 50 minutos por semana, havendo, aliás, escolas onde o tempo que lhe é dedicado é ainda menor.

A FENPROF reafirma a sua confiança nos docentes que têm sido chamados a responsabilizar-se pela disciplina de Educação para a Cidadania e Desenvolvimento. Eles saberão adequar os termos e a profundidade dos temas à idade dos seus alunos, tratando-os com o rigor e a qualidade que a ciência impõe, de modo a que o jovem não seja facilmente manipulável por ideologias, ajudando à criação de um espírito crítico e interventivo, capaz de o tornar mais consciente, mais autónomo, mais responsável, mais cidadão. Mas afinal de contas não é isto o que consta no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, documento que mereceu o mais largo apoio social e político?

A FENPROF considera que o manifesto em causa representa um retrocesso na consolidação de uma Escola democrática, pluralista, cientificamente atualizada, aberta à sociedade, numa linha que politicamente se identifica com setores retrógrados e da direita política da sociedade portuguesa.

A FENPROF tem a certeza de que os docentes saberão defender e continuar a promover a qualidade, a democracia e o pluralismo da Escola Pública Portuguesa.

 

 

Lisboa, 21 de setembro de 2020

O Conselho Nacional da FENPROF