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Mónica Ramôa - Professora do Quadro da Escola Secundária com 3ºciclo Frei Heitor Pinto, Covilhã

A avaliação do desempenho docente: potenciar a qualidade e equidade do ensino

27 de julho, 2011

A Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), Lei n.º 49/2005 de 30 de Agosto, desenha uma escola onde os professores terão de ser profissionais responsáveis, reflexivos e solidários, capazes de reinventar as suas práticas, quotidianamente, num esforço permanente e partilhado. Nesta lógica, o desempenho docente contempla uma multiplicidade de dimensões, uma vez que para além das óbvias capacidades científicas e pedagógicas, o professor terá que ser um dinamizador de outras funções acometidas à escola de hoje, que sendo uma escola inclusiva, deve equilibrar a preocupação com os resultados académicos dos alunos, com a busca da integração e equidade nas relações sociais.

Fazendo jus à LBSE, a avaliação do desempenho docente deve, pois, ter uma abrangência integradora das múltiplas dimensões do exercício desta profissão. Por isso, segundo os legisladores, a progressão na carreira está dependente das qualificações profissionais, pedagógicas e científicas, mas também de toda a actividade exercida pelo professor, individualmente ou em grupo, na instituição educativa, bem como da prestação de outros serviços à comunidade. Estes aspectos devem ser objecto da avaliação do desempenho docente. Assumindo, desta forma, a dimensão mais holística da profissionalidade docente. No entanto, no Despacho n.º 16034/2010, de 22 de Outubro é referido que “embora o trabalho docente se desenvolva articulada e integradamente em todas as dimensões, a função principal deste profissional é ensinar e promover a aprendizagem dos alunos”. É de salientar, nesta fase, que o legislador assume o objectivo claro de premiar os melhores. Mas, são estabelecidas quotas, de acordo com o SIADAP, para as menções de Muito Bom e Excelente. Daqui advém que mesmo que o docente obtenha a classificação de Muito Bom ou Excelente e, portanto, tenha mérito na sua prática lectiva, poderá não ser premiado por esse facto, por não haver quota para que essa menção lhe seja atribuída. Desta forma, não se poderá promover a busca da excelência por parte dos professores.

Relativamente ao âmbito da avaliação do desempenho, verifica-se que no Artigo 42.º da Decreto-Lei n.º 75/2010, os fins da avaliação, ou a concretização da avaliação dos docentes, aspecto que se relaciona com a própria profissionalidade, é feita em quatro dimensões.
E é justamente nestas dimensões que é difícil avaliar, quantificar o desempenho docente, de acordo com os padrões de desempenho docente, Despacho n.º 16034/2010 de 22 de Outubro. A fronteira entre os níveis/descritores é quase impossível de quantificar de forma justa.
Como é que se poderá “revelar um profundo comprometimento na promoção de desenvolvimento integral do aluno” ou apenas “revelar comprometimento”? Como se quantifica? Pela quantidade de acções assistidas ou dinamizadas? Pela prática profissional exercida ao longo dos anos, pelas atitudes e acções face à questão em causa? O docente que mais inputs tem nesta dimensão será o que “revela profundamente”? E esta situação ocorre em todas as dimensões e em quase todos os descritores. As evidências apresentadas ao metro ou ao quilo, como se queira, distinguem realmente os que são melhores? Mas são melhores em quê?

Por outro lado, o facto de se apresentar evidências, não será por si só, a valorização do acessório em vez do mais importante e necessário ao país, neste momento, e que se prende com a capacidade reflexiva dos professores e da promoção, em igualdade, das aprendizagens dos alunos? Tem-se assistido nestes dois últimos anos, nas escolas, a uma crescente mediatização de tudo o que se faz. É este o papel dos professores? Mediatizar a sua acção? Ou, pelo contrário, será investir na sua própria formação e no desenvolvimento integral dos seus alunos? Aliás a LBSE não possui uma única linha a este respeito. Estará o país a transformar a sua classe docente num grupo de animadores culturais sedentos de publicidade? Será esta prática, a que os professores são encaminhados, que Portugal precisa?

E associar a avaliação dos professores aos resultados obtidos pelos alunos em provas de avaliação externa, ou interna, é razoável? A profissionalidade docente não se poderá reduzir apenas a esta dimensão, independentemente de ela ser também importante. Mas o sucesso educativo quantifica-se e resume-se aos valores obtidos em avaliações externas? Aliás, há aqui um conflito de interesses para que o processo de ensino-aprendizagem seja sério e transparente, além de justo, e que é o facto de o próprio professor ficar refém daquilo que os seus alunos quiserem ou puderem demonstrar. Por outro lado, os resultados obtidos pelos alunos nas avaliações externas, não poderão ser imputados globalmente ao professor, pois dependem de variáveis que o docente nunca poderá controlar. Por exemplo, como é que o professor controla se os pais do aluno pagaram ou não à EDP, para que ele possa ter luz e estudar durante todo o tempo que necessita? E a escola inclusiva, onde encaixa nesta lógica?

A avaliação do desempenho docente deverá sempre ser exercida por elementos autóctones à própria escola. Um professor deverá ser avaliado pelos seus pares, mas numa situação em que a avaliação de um não faça depender a avaliação do outro, como actualmente pode acontecer. Tem que haver espaços de reflexão mais alargados para além do avaliado e avaliador, para que a avaliação possa ter como objectivos o que está preconizado no Decreto-Lei n.º 75/2010 de 23 de Junho, alínea a) “ contribuir para a melhoria da prática pedagógica do docente;” e, entre outras, alíneas g) e i) “ promover o trabalho de cooperação entre docentes, tendo em vista a melhoria do seu desempenho”, “promover a responsabilidade do docente quanto ao exercício da sua actividade profissional.”, respectivamente, e não para o penalizar na progressão da carreira.

A profissão docente, devido ao carácter holístico de que se reveste e à especificidade que cada escola, que cada PEE imprime à sua prática, com características únicas, só poderá ser bem compreendida e, por isso capazmente avaliada, por quem a exerce, nas mesmas condições de que o professor avaliado. Logo, será uma falácia pensar-se que se a avaliação for feita por entidades externas à escola será mais justa, independente e eficaz. Antes pelo contrário, será muito provavelmente, mais superficial e distante daquilo que deverá entender-se por ADD. Os professores contratados ou que tenham tido uma grande mobilidade são bem claros nesta questão: o exercício da profissão, apesar do padrão comum de que se reveste, tem contornos diferentes de realidade para realidade (de escola para escola). É um exercício altamente dinâmico e, mesmo, criativo, que obviamente assumirá práticas diversas. Não se poderá formatar a prática docente, sob pena de a destruir na sua essência. Mesmo que seja para a avaliar… A avaliação do desempenho docente terá sempre que ser resultante de um modelo que potencie a qualidade e equidade do ensino.

Por último, não se potencia a qualidade e a equidade nem se motivam profissionais para a excelência e boas práticas, sem que sejam asseguradas as respectivas bonificações. Ou seja, não há ADD séria sem que os professores possam progredir. Não há ADD séria com os professores a perder direitos e qualidade de vida. Não há ADD séria sem que os professores possam activamente construir esse modelo. Não há modelo de ADD que funcione sem que os professores o adoptem como seu. E para isso, ele nunca poderá ser imposto, terá sempre que ser construído, reconstruído conjuntamente com a classe docente.

Mónica Ramôa
Professora do Quadro da Escola Secundária com 3ºciclo Frei Heitor Pinto, Covilhã