Negociação
FENPROF divulga posição

Aplicação do regime de mobilidade especial aos docentes declarados "incapacitados" para o exercício de funções docentes"

24 de outubro, 2007

Alegando "razões de ordem técnica", o Ministério da Educação "desconvocou", ao final da manhã de 26 de Outubro, a reunião marcada para as 15h00 desse dia, sobre a aplicação do regime de mobilidade especial aos docentes declarados "incapacitados" para o exercício de funções docentes".

Segundo o ME, esta reunião realizar-se-á em Novembro devendo, até lá, ser enviada à FENPROF uma nova versão do seu projecto.

A FENPROF, que rejeita liminarmente esta intenção do ME, que, aliás, contraria um compromisso assumido pela Ministra da Educação na Assembleia da República, decidiu entregar à tutela a posição que elaborou para apresentar na reunião entretanto "desconvocada"

O Secretariado Nacional da FENPROF
26/10/2007


  
                                                                                                               POSIÇÃO DA FENPROF

  SOBRE O PROJECTO DO M.E. DE ALTERAÇÃO AO D.L. Nº 224/06


I.
APRECIAÇÃO DO PROJECTO DO M.E.

- Ao dispor que "As regras de mobilidade especial aplicáveis aos docentes dos quadros sem componente lectiva atribuída são as definidas em diploma próprio", o artigo 64º, nº 4 do E.C.D. abriu explicitamente a porta à integração de um determinado universo de docentes no quadro de supranumerários.

Este desiderato viria agora a concretizar-se através das alterações propostas ao D.L. nº 224/06, de uma forma subtil, já que, para o citado grupo de profissionais, o artigo 4º do projecto de diploma respectivo consagra a mobilidade especial ainda de uma forma opcional ao estabelecer que "O docente com nomeação definitiva em lugar do quadro de escola ou de zona pedagógica com ausência da componente lectiva, pode, em qualquer momento, requerer a sua colocação em situação de mobilidade especial..."

O mesmo projecto de diploma veio, surpreendentemente, alargar a aplicação de tal medida a um outro grupo de docentes aparentemente não incluídos nas iniciais intenções do Governo - trata-se dos docentes declarados incapazes pelas Juntas Médicas das Direcções Regionais de Educação para o exercício de funções docentes. Contudo, neste caso, o legislador foi mais longe já que, em determinadas situações, o ingresso na mobilidade especial assume um carácter totalmente imperativo e já não um carácter meramente facultativo. Os exemplos elucidativos desta imperatividade encontram-se consagrados na proposta de alteração dos pontos 3 e 4 do artigo 14º do D.L. nº 224/06, de 13 de Novembro e abrangem, respectivamente, os docentes que, tendo requerido a sua aposentação à Junta Médica da C.G.A., não a tenham obtido e os docentes que não reúnam os requisitos mínimos de tempo de serviço para se poderem aposentar.

De acordo com o projecto de diploma em questão, a mobilidade especial dos referidos grupos de docentes rege-se pelo regime geral regulado pela Lei nº 53/06, de 7 de Dezembro.

Entendendo que alguns dos preceitos deste diploma legal se encontram feridos de inconstitucionalidade, a Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública, que a FENPROF integra, suscitou a respectiva fiscalização preventiva junto do Senhor Presidente da República. Fundamentou tal pedido, na violação de vários princípios e direitos constitucionais, designadamente do princípio do Estado de Direito Democrático e nos seus sub princípios da Protecção da Confiança e da Segurança Jurídica (artigo 2º da C.R.), do direito ao trabalho (artigos 58º, nº 1 e 59º, nº 2, alínea b) da C.R.) e do direito à segurança no emprego (artigo 53º da C.R.).

Consequentemente, desde logo se há-de concluir que o projecto de diploma em análise, ao aplicar ao pessoal docente o regime de mobilidade especial regulado por um diploma que nessa matéria se encontra ferido de inconstitucionalidade, também ele próprio é inconstitucional.

Na verdade, e no que ao caso concreto se refere, sempre se dirá que, nas situações em que não seja promovida a reclassificação ou reconversão profissional, a aplicação do regime de mobilidade especial configura, inequivocamente, uma violação dos já citados princípios e direitos constitucionais, designadamente o princípio do Estado de Direito Democrático, o direito ao trabalho e à segurança no emprego.

Com efeito, o projecto de diploma em análise esbulha os particulares dos seus direitos subjectivos já constituídos, à carreira, à categoria e ao índice remuneratório. Tais direitos integram a esfera jurídica constituída do funcionário, para além de manterem o seu direito constituendo à progressão e promoção e, inerentemente, através do reposicionamento noutro índice remuneratório, a um aumento do valor do vencimento.

A aplicação do regime de mobilidade sonega ao funcionário ou agente esse direito constituído, cuja titularidade lhe pertence e que legitimamente adquiriu, o que configura uma violação do princípio do Estado de Direito Democrático e do seu sub-princípio da Protecção da Confiança, consagrado no artigo 2º da Constituição.

Por sua vez, o artigo 58º da Constituição da República dispõe, no seu nº 1, que "Todos têm direito ao trabalho" e o artigo 59º, nº 1, b) da C.R. dispõe que todos os trabalhadores têm direito "A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes de forma a facultar a realização pessoal...". Ora, como decorre da Lei nº 53/06, aplicável, de acordo com este projecto de diploma, ao universo de docentes pelo mesmo abrangidos, a mobilidade especial compreende várias fases (transição, requalificação e compensação), sendo que o funcionário pode permanecer inactivo ao longo de todas elas e até à respectiva aposentação. Nas duas últimas fases, o funcionário deixa de auferir a remuneração base mensal correspondente à categoria, escalão e índice detidos no serviço de origem e passa a auferir, respectivamente, cinco ou quatro sextos da mesma.

Esta consequência, decorrente da mobilidade especial, contraria o mencionado direito constitucional ao trabalho (artigo 58º, nº 1 da C.R.) na acepção da ocupação efectiva (artigo 59º, nº 2, b))

Na verdade, tal como foi referido no pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade supra identificado, trata-se de saber se, existindo um vínculo jurídico de emprego, o trabalhador tem o direito de ser efectivamente ocupado, ou se, pelo contrário, a entidade pública empregadora pode, sem justificação definida, deixá-lo inactivo e improdutivo.

O reconhecimento deste direito à ocupação efectiva carece de ser analisado, não apenas no plano da realização pessoal do trabalhador, mas também do ponto de vista económico.

O direito ao trabalho, enquanto assegura a realização do homem numa dimensão plural, deve entender-se como algo mais complexo do que uma pura relação económica, na qual o acento tónico seja posto na retribuição auferida pelo trabalhador. Sendo esta uma das componentes essenciais do respectivo direito, outras existem que não podem deixar de a ele estar indissoluvelmente associadas. Entre elas deve conter-se o próprio exercício do trabalho e do emprego, do qual o trabalhador não pode, salvo motivo ilícito, ser afastado ou impedido de actuar.

Este exercício do trabalho e do emprego é uma das componentes do direito ao trabalho, constitucionalmente reconhecido no artigo 59º, nº 1, não podendo o trabalhador ser impedido de o concretizar.

Decorre claramente do artigo 59º, nº 1, alínea b) da CRP, enquanto iluminada pelo disposto nos seus artigos 1º e 2º, um dever de ocupação efectiva.

A nossa Constituição assenta na dignidade da pessoa humana, que é o fundamento de todo o ordenamento jurídico base do próprio Estado, a ideia que unifica todos os direitos fundamentais e perpassa também pelos direitos sociais, que incluem o próprio direito ao trabalho.

A Constituição, ao determinar que "todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal ?", para além de estabelecer uma clara limitação, conformadora do conteúdo negativo da liberdade de organização do empregador, estabelece também, por forma mais concretizadora, o direito do trabalhador realizar o pleno desenvolvimento da sua personalidade pela forma socialmente mais dignificante, que é, indubitavelmente, trabalhando, ou seja, exercendo as tarefas inerentes ao seu conteúdo funcional.

Em suma, o correlativo dever de ocupação efectiva do trabalhador decorre, em primeira linha, do disposto nos artigos 58º, nº 1, e 59º, nº 1, alínea b), da CRP, sendo ainda que a existência deste dever estará sempre intrinsecamente relacionada com o princípio da boa-fé.

- Para além das considerações genéricas sobre o regime da mobilidade especial, cuja aplicação compulsiva aos docentes se rejeita liminarmente, impõe-se fazer ainda as seguintes considerações:

a) Temos muitas dúvidas sobre a legalidade da aplicação aos docentes declarados incapacitados pelas Juntas Médicas do regime geral de mobilidade especial previsto na Lei nº 53/06. De facto, o artigo 11º deste diploma legal procede à enumeração das situações em que tal processo pode ocorrer, destacando os casos de extinção, de fusão, de reestruturação, de racionalização de efectivos. Numa primeira apreciação, podemos ser levados a concluir que o caso em apreço se enquadra neste último (racionalização de efectivos), uma vez que qualquer um dos outros é automaticamente excluído.

Sucede que o artigo 15º do mesmo diploma legal vem referir que a "racionalização de efectivos" ocorre "Quando o número de postos de trabalho seja inferior ao número de efectivos existentes no serviço?", o que não é o caso, já que existem postos de trabalho para manter estes docentes ao serviço. Tanto é assim que todos os que se encontram nesta situação se têm mantido ocupados.

Posto isto, é forçoso concluir que estes docentes não poderão ser integrados na mobilidade especial, apresentando a FENPROF uma proposta alternativa à do M.E., que consta no final desta apreciação.

b) O D.L. nº 15/2007, de 19 de Janeiro, que procedeu às alterações do E.C.D. revogou os artigos 1º, nº 1, 3º, 4º, 5º e 6º do D.L. nº 224/06, que regulavam o regime de dispensa da componente lectiva. O artigo 7º do mesmo diploma, que também regula esta matéria, não foi então revogado. O projecto de diploma em análise, inexplicavelmente também não resolve a questão, porquanto não propõe a revogação de tal preceito legal, cuja permanência na ordem jurídica não faz sentido no actual quadro legal.

c) Finalmente, o projecto de diploma em questão também não dá reposta às situações de reclassificação e reconversão profissionais que se encontram pendentes e cujo procedimento se desenrolou ao abrigo do D.L. nº 224/06, na sua primeira redacção (docentes que se apresentaram à Junta Médica prevista no artigo 8º, nº 1 e preencheram as preferências conducentes à reclassificação e a reconversões profissionais). É, portanto, indispensável que se preencha este vazio legal, através de uma medida legislativa a adoptar no âmbito do direito transitório.

II
PROPOSTA DA FENPROF
PARA RESOLUÇÃO DO PROBLEMA DOS PROFESSORES
COM DECLARAÇÃO DE INCAPACIDADE PARA O EXERCÍCIO DE FUNÇÕES DOCENTES

Tendo em conta a necessidade de solucionar os problemas profissional e social dos docentes com declaração de incapacidade para o exercício de algumas funções docentes, designadamente as lectivas, a FENPROF apresenta a seguinte proposta:

1. Os docentes que pretendam poderão, voluntariamente, requerer licença sem vencimento ou ser integrados no regime de mobilidade especial;

2. Tendo em consideração que se encontram identificadas as funções docentes que os professores, com incapacidade para o desempenho de funções lectivas, poderão exercer, estes deverão permanecer colocados nas escolas, em funções docentes adequadas às suas condições, depois de ouvidos os órgãos de gestão e tendo em conta as decisões da junta médica a que se submeteram. Em casos devidamente justificados e clinicamente comprovados, os docentes deverão ser deslocados para estabelecimentos em que seja possível o seu acompanhamento médico ou familiar, bem como o acesso a tratamentos;

3. Os docentes impedidos de desempenhar quaisquer funções docentes deverão ser reclassificados ou reconvertidos para outras funções tendo sempre em consideração, por um lado, a sua formação académica, por outro as suas capacidades para o desempenho de outras funções. Sempre que possível, após o processo de reclassificação ou reconversão estes docentes deverão ser colocados preferencialmente em escolas. Em situações excepcionais, compete ao Governo garantir a sua colocação em outros serviços;

4. Em casos de incapacidade total para o desempenho de funções deverá ser garantida a aposentação dos docentes.

Lisboa, 26 de Outubro de 2007
O Secretariado Nacional da FENPROF