Política Educativa
Neste século XXI, assistiu-se a um dos mais atribulados e negativos arranques de um ano letivo

Governantes consideraram normal a anormalidade, mas isso já começa a ser normal... (inclui vídeo)

19 de setembro, 2013

"Como é que se pode considerar normal a abertura de um ano letivo com 30 000 professores no desemprego e com milhares de docentes por colocar no primeiro dia em que os alunos chegaram às escolas?",  interrogou Mário Nogueira, na conferência de imprensa realizada no passado dia 20 de setembro, em Lisboa. Além de uma apreciação detalhada sobre as condições em que arrancou o novo ano escolar, foram divulgados exemplos concretos de situações muito graves que se verificam em escolas de todas as regiões do país.


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Portugal assistiu a um péssimo arranque do ano letivo. Todos os portugueses puderam confirmar isso mesmo e só os governantes parecem não o reconhecer.

É certo que, em 2004, as tremendas confusões com as listas de colocação de professores - era então ministro David Justino - fizeram com que o ano tivesse começado, igualmente, com níveis elevados de turbulência, mas este ano os problemas são em maior número e mais diversos. Alguns correspondem a situações que se julgava não voltarem a suceder, como é o caso do atraso na colocação de professores, o número excessivo de alunos por turma ou o desrespeito pelas necessidades educativas especiais de milhares de crianças e jovens, outros decorrem de políticas que visam desvalorizar a Escola Pública e provocar o seu colapso.

A abertura do ano letivo 2013/2014 fica marcada por:

- Colocação de milhares de docentes dos quadros noutras escolas, cujo quadro não integram e aumento da situação de instabilidade de milhares de docentes dos quadros de zona pedagógica, devido ao enorme alargamento da sua área geográfica;- Atraso na colocação de milhares de professores para efeitos de contratação, tendo, por isso, milhares de docentes sido impedidos de participar na preparação das atividades letivas;

- Falta de professores em muitos estabelecimentos de educação e ensino, nuns casos por incompetência da administração, noutros por estarem impedidas de contratar professores a partir da lista de concurso nacional (são exemplos disto, escolas de ensino artístico especializado, TEIP, contratos de autonomia, professores de técnicas especiais…);

- Indefinições que resultaram do atraso no envio de orientações para as escolas sobre aspetos de organização pedagógica e alterações de rede (homologação de turmas e mesmo encerramento de escolas), não apenas durante o mês de agosto, mas ainda durante o mês de setembro, havendo ainda turmas e cursos por homologar e falta de informação sobre esta matéria por parte do MEC;

- Falta de pessoal não docente nas escolas, nomeadamente assistentes operacionais, e necessidade de recurso aos centros de emprego para satisfação de necessidades permanentes do sistema e das escolas;

- Falta de muitos professores de Educação Especial, em particular nas escolas do 2.º e 3.º ciclos e das escolas secundárias, e de outros técnicos, como psicólogos ou terapeutas;

- Proliferação de situações muito díspares relativamente à organização dos horários letivos dos professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico, com o MEC, até hoje, a recusar fazer a clarificação devida sobre esta matéria e responder ao pedido de reunião que a FENPROF tem feito diariamente, na qual pretende entregar o abaixo-assinado já subscrito por milhares de professores;

- Com o único intuito de reduzir o número de docentes, constituição de turmas em escolas do 1.º Ciclo, com vários anos de escolaridade. A eliminação destas turmas era uma das alegadas vantagens do encerramento de escolas do 1.º Ciclo e concentração dos alunos em centros escolares;

- Dúvidas quanto à manutenção das atividades de enriquecimento curricular em escolas do 1.º Ciclo, e integração do Inglês na chamada “oferta de escola” dependendo da disponibilidade de professores existentes no agrupamento, quando, ao tornar-se curricular, a oferta deveria ser obrigatória. Em vários casos as AEC continuam a ser realizadas, ilegalmente, entre os tempos letivos diários;

- Constituição de turmas com mais de 30 alunos, essencialmente no ensino secundário;

- Constituição de turmas que desrespeitam as normas que vigoram relativamente a alunos com necessidades educativas especiais (NEE), com a presença de mais de dois alunos com NEE em turmas que muitas vezes têm mais de 20 alunos;

- Coexistência de vários manuais de matemática e português, com abordagens didáticas e exercícios de aplicação muito diferentes, já que uns foram elaborados em função dos programas, e outros de metas que, em muitos casos, os contradizem. Esta situação é geradora de confusão e de desigualdades, o que é tanto mais grave quanto se trata de duas disciplinas em que os alunos estão sujeitos a exames nacionais;

- Penúria financeira de muitas escolas, que as obriga a pedir aos pais que ofereçam resmas de papel ou outro material de trabalho, assim como papel higiénico.- Más condições de trabalho para alunos e docentes, designadamente em escolas que não foram requalificadas ou em escolas cuja requalificação foi interrompida, com alunos cuja sala de aulas é um contentor;

Até deu para inaugurar escolas já inauguradas...

Ministro da Educação e primeiro-ministro tentaram fazer crer que tudo começava com normalidade, mas não conseguiram criar, sequer, essa ilusão. Todos perceberam que os governantes inauguravam escolas já inauguradas; que as colocações que, segundo Nuno Crato, não estavam atrasadas, apenas tiveram lugar no dia em que as próprias aulas se iniciavam; que a entrada de um ministro nas escolas pela porta das traseiras não passava de uma enorme incapacidade de lidar com a contestação; e também deu nas vistas a falta de estatura democrática do ministro ao dar a entender que a professora, que o interpelou em Viseu, sofreria de um qualquer distúrbio mental.

A atual equipa do MEC constitui, ela sim, um dos principais distúrbios com que a Educação se confronta e são as políticas que impõe que estão na origem de todas as perturbações que se verificaram no arranque de mais um ano letivo.

O ano letivo começou mal! Por esse motivo, foi marcado pela contestação de professores, pais, estudantes e trabalhadores não docentes das escolas. Mas o que se pode esperar do seu desenvolvimento é ainda mais perturbador. Nuno Crato gosta de afirmar que a FENPROF, já antes, previa o pior, mas o pior não aconteceu, acrescentando que continua tudo dentro da normalidade.

Como pode um ministro da Educação considerar normal que mais de 30.000 professores fiquem sem emprego? Que pretenderá o MEC ao querer submeter professores, que já confirmaram a sua capacidade científica e pedagógica, ao longo de anos de atividade, devidamente avaliada e certificada, a uma prova de avaliação de capacidades e de conhecimentos?

Como pode achar normal que cerca de 18.000 estejam sinalizados como tendo ausência da componente letiva na sua escola ou estejam fora do quadro de qualquer escola, apesar de serem necessários? Como pode continuar a argumentar com a falta de alunos, para despedir docentes, quando a falta de professores é gritante, em todo o país? Como pode achar normal toda a anormalidade do início deste ano letivo? Não é normal que Nuno Crato e a sua equipa não vejam a anormalidade, mas mais preocupante ainda é que não reconheçam os problemas. Isso significa que enquanto eles perdurarem nos gabinetes da “5 de Outubro” não serão encontradas soluções.

Aliás, Nuno Crato parece cada vez mais especializado no recurso à mentira quando se trata de justificar os problemas! São as vagas que sobram por falta de interesse dos professores ou o inglês que existe no 1º ciclo de acordo com a decisão das escolas no exercício da sua autonomia.

O ano que se iniciou vai desenvolver-se, maioritariamente, em 2014, ou seja, sob o signo de um Orçamento do Estado que se prevê devastador dos serviços públicos. As verbas para a Educação deverão ser reduzidas em mil milhões de euros, caso se concretize o corte de 4,7 mil milhões de euros nas funções sociais do Estado. Este corte terá particular implicação no emprego, nas condições de estudo e de exercício da profissão, designadamente na organização dos horários dos professores, e no funcionamento das escolas públicas, pois já não é possível tomar muito mais medidas, uma vez que: alguns mega-agrupamentos já têm dimensão invulgar e absurda; é difícil eliminar mais disciplinas ou cortar-lhes mais horas; não podem impedir-se crianças e jovens de frequentar a escola e mal ficaria se houvesse recuo na escolaridade obrigatória. Então o que se seguirá?

É nesse sentido que se enquadra esta permanente criação de dificuldades às escolas públicas. Faz parte da estratégia de privatização, denegrir a imagem da Escola Pública. Sabem que se conseguirem isso, mais fácil se tornará atingir os seus objetivos, mais fácil será convencer os pais a trocarem a escola pública pelo colégio privado. A legislação recentemente aprovada em conselho de ministros - que esperamos venha a ser declarada inconstitucional - atribui ao governo, através dos seus serviços de Educação, as condições para satisfazer os lobbies  que atuam no privado – afinal, amigos e  familiares políticos - com grave prejuízo para o serviço público.O segredo parece passar agora por desviar alunos das escolas públicas para as privadas, daí a aprovação, para aplicação em futuro próximo, de legislação que visa permitir que isso aconteça, colocando público e privado em pé de igualdade. Essa será agora a principal aposta da atual equipa educativa. Levar à sua demissão será um passo importante para impedir que PSD e CDS concretizem esse seu velho sonho.

Ação sindical no imediato

Os professores, com a sua mais importante organização sindical, a FENPROF, não ficarão de braços cruzados à espera que façam o funeral à Escola Pública. A ação sindical no imediato, manter-se-á em diversas vertentes:

- Realização de reunião com a Inspeção-Geral de Educação e Ciência, onde será apresentado um rol de situações ilegais ou irregulares que se vivem em escolas, exigindo que sejam devidamente alteradas no sentido estabelecido pelas lei ou pelas normas que vigoram;

- Dinamização do trabalho com os professores aposentados. A sua coordenação nacional reunirá segunda, dia 23; a FENPROF confirma a PRESENÇA DE MUITOS PROFESSORES APOSENTADOS NA CONCENTRAÇÃO QUE TERÁ LUGAR, EM LISBOA NO ROSSIO, NO PRÓXIMO DIA 25; será marcada uma Conferência Nacional de Professores Aposentados, a realizar ainda este ano letivo, procurando definir linhas de maior e melhor intervenção junto destes docentes;

- QUINTA-FEIRA, DIA 26, NO PORTO, ÀS 11 HORAS, terá lugar a iniciativa “(I)MURAL DO DESEMPREGO E DA PRECARIDADE DOS PROFESSORES PORTUGUESES”. Ai se procurará destacar a falta que os professores fazem às escolas, a sua adequada formação, a imoralidade da prova de ingresso na profissão imposta pelo MEC e a exigência de vinculação dos professores das escolas públicas em termos semelhantes à que vigora no setor privado. Será o início de uma ação que pretendemos muito forte com os professores desempregados;

- Será divulgada uma Carta Aberta junto das mais diversas organizações e entidades - representativas de pais, estudantes, trabalhadores não docentes das escolas, autarquias, associações, movimentos… - em defesa da Escola Pública e procurando unir forças para um amplo movimento em torno deste elevado objetivo;

- Nesse sentido, serão desenvolvidos contactos com o movimento associativo de pais e estudantes, organizações representativas dos trabalhadores não docentes, outras organizações representativas de docentes, sejam sindicais, científicas ou profissionais;

- Será promovida a subscrição de uma TOMADA DE POSIÇÃO DOS PROFESSORES em defesa de uma educação pública de qualidade;

- Em 5 de Outubro, Dia Mundial dos Professores, a FENPROF promoverá uma sessão pública em que será apresentado um vídeo em defesa da Escola Pública, contendo apontamentos da Caravana que percorreu o país durante os passados meses de maio e junho permitindo mostrar aos portugueses o que de melhor se faz nas escolas públicas. Haverá comunicações adequadas à data que se assinala, confirmando-se desde já a presença de Ana Maria Bettencourt que até julho passado exerceu as funções de presidente do Conselho Nacional de Educação e Michelle Domingos. Será feita uma exposição exterior de painéis em defesa da Escola Pública e projetados depoimentos de várias personalidades, da política, das artes, da ciência, da cultura, da educação, etc, em defesa da Escola Pública;

- Dia 19 de Outubro estaremos na rua, na ação nacional que será promovida pela CGTP, em defesa do emprego, dos salários e pensões, dos direitos laborais e dos serviços públicos;

- Realizar-se-ão reuniões sindicais nas escolas e agrupamentos, em todo o país, onde iremos refletir sobre as medidas que serão apresentadas pelo governo no âmbito do próximo Orçamento do Estado e debater as formas de envolvimento dos docentes e de ação e luta contra o atual governo e as suas políticas. O incumprimento dos compromissos assumidos pelo MEC na ata negocial assinada em 25 de junho estará na agenda de trabalho, sendo naturalmente debatida a forma como se imporá ao ministério que respeite aqueles compromissos.