Política Educativa Nacional
Entrevista a Mário Nogueira, Secretário-Geral da FENPROF

"O essencial, para defender o ECD e a carreira docente, será a disponibilidade dos professores para lutarem por ele. A FENPROF estará, como sempre esteve, disponível para essa luta"

25 de outubro, 2019

O governo toma posse hoje, 26 de outubro, e ao Secretário-Geral da FENPROF pedimos que fizesse uma primeira apreciação sobre a nova equipa da Educação, as expetativas para a legislatura e perguntámos-lhe o que, em sua opinião poderia fazer a diferença entre o que o governo pretenderá e o que, para os docentes e as escolas, é justo, adequado e necessário. A resposta foi imediata: “a capacidade de luta dos professores”, acrescentando que “Só a luta dos professores lhes permitirá evitar alterações negativas de quadros que, já de si, não lhes são favoráveis, e obter o que ainda não foi conseguido”.


1. A FENPROF foi muito crítica à recondução, no governo, de Tiago Brandão Rodrigues. Isso não contraria a ideia de que o mais importante são as políticas e não os executores?

MN: Não, de todo. A recondução do anterior ministro da Educação foi o sinal que António Costa e o PS quiseram dar de que as políticas para o setor iriam continuar na mesma linha e, em alguns domínios, até aprofundadas. Políticas que, como tem sido notório, estão a ser desastrosas para as escolas, que hoje se debatem com falta de docentes, de pessoal auxiliar e dos mais variados recursos, dificultando a sua capacidade de dar, com a qualidade necessária, todas as respostas que à escola se exigem.

2.  A antiga secretária de estado adjunta, Alexandra Leitão, é agora ministra e o seu ministério terá, entre outras missões, a de rever as carreiras da Administração Pública. Que implicação isto poderá ter na carreira dos professores?

MN: Uma grave implicação. Como se sabe, de há muito a esta parte que os governos têm tentado acabar com o que resta de carreiras especiais na Administração Pública e a dos professores tem sido das mais visadas. Nesse sentido, têm sido usadas todas as mentiras, sobre alegados privilégios dos docentes, quando o que, na verdade, temos é uma carreira cada vez mais desvalorizada, em que muitos professores não ganham para a despesa que têm com o exercício da sua profissão. É uma carreira em que os professores continuam a ser roubados em mais de seis anos e meio de tempo de serviço que cumpriram. O que tentará o novo governo, nesta revisão que já anunciou querer fazer, é desmantelar a carreira docente, o que para os professores seria inaceitável.ã

3. Que conta a FENPROF fazer para evitar que isso aconteça?

MN: Em primeiro lugar, opor-nos-emos a qualquer processo de revisão da carreira docente que não seja específico. Não consideramos ser necessário rever o ECD, falta é cumpri-lo verdadeiramente, mas se acontecer, então exigiremos que, como sempre aconteceu desde que há ECD, o processo decorra no Ministério da Educação. Não faremos parte de  qualquer mesa geral que inclua outros setores da Administração Pública, pois os docentes têm carreira própria, não se integrando no regime geral. Essa foi uma luta de décadas dos professores, que a FENPROF não deixará que seja posta em causa. O essencial, contudo, para defender o ECD e a carreira docente será a disponibilidade dos professores para lutarem por ele. A FENPROF estará, como sempre esteve, disponível para essa luta.

4. Já se conhece toda a equipa ministerial. Alguma novidade? Alguma coisa que da sua composição se possa retirar?

MN: Sim, penso que sim. Por um lado, a ainda maior fragilização do Ministério da Educação que, para além de continuar sob o comando das finanças, agora também passará a subordinar-se ao ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública. E é nesse quadro que se deverão juntar peças e tirar conclusões. Por exemplo, fica claro que duas das prioridades do novo governo para o setor são, como disse antes, a revisão / desmantelamento da carreira docente, cabendo esse papel ao ministério de Alexandra Leitão, que terá no seu ex chefe de gabinete, agora promovido a secretário de estado, o rosto principal, e a municipalização. Em relação à municipalização, teremos a articulação dos dois ministérios, com Jorge Botelho, ex presidente da câmara de Tavira e da Comunidade Intermunicipal do Algarve, e a secretária de estado de Susana Amador, ex coordenadora da subcomissão parlamentar que acompanhava este processo.

5. Então e o que sobra para o Ministério da Educação?

MN: Provavelmente, a revisão do regime de concursos, não no sentido que se exigia, mas, por vontade do Ministério da Educação, no contrário. Não poderemos deixar que isso aconteça. O que está mal e deverá ser corrigido no regime de concursos são as enormes áreas geográficas dos quadros de zona pedagógica, o facto de a vinculação não ter lugar ao fim de 3 anos de trabalho, a falta de critérios para a abertura de vagas nos quadros das escolas e dos agrupamentos ou o desrespeito pela graduação profissional quando se trata de concursos a que podem apresentar-se docentes dos diversos quadros. Por vezes dizem-nos que a graduação profissional está longe de ser um critério perfeito. Eventualmente será verdade, contudo, como já está provado, é, de entre todos, o menos imperfeito.

6. Só os concursos?

MN: Não, temos também a flexibilidade curricular ou o regime de educação inclusiva, que são dois caminhos de que o Ministério da Educação e o Governo se têm vindo a gabar, mas que os professores sabem, porque estão nas escolas e lidam com a sua concretização, que aquilo que se faz de bem se deve ao seu empenhadíssimo trabalho e não aos regimes que vigoram ou aos recursos, que continuam em falta. Infelizmente, continuamos a viver num faz-de-conta que irá sair muito caro à Escola Pública.

7. Como será o relacionamento da FENPROF com o novo poder institucional?

MN: Espero que muito diferente, para melhor, do que aconteceu até aqui, ainda que tenha grandes dúvidas sobre isso, principalmente em relação ao governo. Já pedimos reuniões aos partidos políticos e vamos pedir reunião à equipa ministerial já nesta segunda-feira. Em ambas, iremos apresentar o Caderno Reivindicativo dos professores e também cadernos específicos dos docentes do ensino particular e cooperativo e dos docentes do ensino superior e investigadores, neste caso ao Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior a quem também pediremos reunião nesta segunda-feira, já depois de ter tomado posse. A abrir a legislatura, entregaremos na Assembleia da República uma Petição subscrita por milhares de docentes que exigem a resolução dos problemas de ordem socioprofissional que continuam a cair sobre si.

8. Face ao atual contexto político, o que poderá fazer a diferença e ser decisivo para que os professores façam valer o que é justo, adequado e necessário à sua profissão e à vida das escolas?

MN: Como sempre, a sua capacidade de luta. Será ela que abrirá portas à negociação e que reforçará as posições dos seus representantes nessa sede. Só a luta dos professores lhes permitirá evitar alterações negativas de quadros que, já de si, não lhes são favoráveis, e obter o que ainda não foi conseguido, a começar pela recuperação do tempo de serviço em falta ou por condições específicas de aposentação.