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7 perguntas a Mário Nogueira a propósito da concentração do dia 20

"Ensino Superior e Ciência exigem financiamento adequado"

17 de março, 2015

Por iniciativa da FENPROF, vai realizar-se no próximo dia 20 de março, em Lisboa, uma concentração nacional de docentes do ensino superior e de investigadores. A ação integra-se na luta que o setor tem desenvolvido "por uma investigação e ensino superior de qualidade", reivindicando financiamento e equidade de acesso. A concentração decorrerá a partir das 15h00 junto ao MEC, na "5 de Outubro" e vai exigir o alargamento do período transitório e a regulamentação da Diretiva 70/CE, de 28 de junho de 1999. Os Sindicatos da FENPROF estão a organizar os transportes para a deslocação dos docentes e investigadores de todo o país a Lisboa. A propósito desta iniciativa, ouvimos o Secretário Geral da FENPROF, que acusa o Governo de desvalorizar os serviços públicos, com destaque para a Educação. "O subfinanciamento das instituições de ensino superior, este ano, faz-se sentir de forma agravada porque, relativamente a 2014, houve um corte global que ultrapassou 1,5%, a que acresceu a não cabimentação de despesas inevitáveis, como é o caso dos salários que, em cerca de 20%m, estão a ser suportados através de receitas próprias", sublinha Mário Nogueira.

1. 
A FENPROF vai realizar no próximo dia 20 de março, em Lisboa, uma concentração nacional de docentes do ensino superior e de investigadores. Quais são os principais objetivos desta ação?

Mário Nogueira (MN): O enquadramento geral tem, naturalmente, a ver com a exigência de um financiamento adequado para o ensino superior e a ciência, pois aí reside a origem de quase todos os problemas que têm vindo a agravar-se. Naturalmente que quando falamos do acesso à estabilidade de emprego e profissional há dois aspetos concretos que desde logo se destacam: a aplicação da diretiva 1999/70/CE, da comissão europeia, sobre vinculação e remunerações, e a existência de condições de equidade no acesso à carreira. Neste caso, o problema que se coloca tem a ver com a necessidade de alargamento do período transitório para os docentes a quem não foram dadas as condições previstas para concluírem os seus doutoramentos ou obterem o título de especialista. São estas duas questões – aplicação da diretiva e alargamento do período transitório – que no dia 20 serão destacados.

2.
Tal como a FENPROF tem alertado e antes se refere, um dos problemas principais e causa de quase todos os demais é o do subfinanciamento do setor que, ano após ano, tem vindo a agravar-se. Há algum motivo especial para este problema?

MN: A causa principal é, sem dúvida, a política do governo que desvaloriza os serviços públicos, naturalmente, também o de Educação, naquele que tem sido o mais violento ataque às funções sociais do Estado nestes 40 anos de democracia. O subfinanciamento das instituições de ensino superior, este ano, faz-se sentir de forma agravada porque, relativamente a 2014, houve um corte global que ultrapassou 1,5%, a que acresceu a não cabimentação de despesas inevitáveis, como é o caso dos salários que, em cerca de 20%, estão a ser suportados através de receitas próprias.

3.
O que defende a FENPROF neste domínio e quais as principais consequências deste problema?

MN: De uma forma muito geral, a FENPROF exige, e será essa a prioridade, que o governo honre o compromisso que assumiu de devolução das verbas subtraídas às instituições, e que em 2014 atingiram os 42 milhões de euros. Depois, que seja, de facto, aumentado o valor do financiamento público, de modo a que as instituições pudessem recuperar do sufoco em que se encontram e que, para muitas, as coloca à beira da insolvência.

É necessária uma aproximação aos valores médios europeus no que respeita ao valor do financiamento por aluno. Para aí chegar, há que respeitar princípios como o da existência de uma fórmula de financiamento em que intervenham indicadores que premeiem a qualidade, acautelando, porém, o agravamento de desigualdades entre instituições. Nesse sentido, poderão ser celebrados contratos programa para atribuição dos meios necessários ao aumento da qualidade.

Entende a FENPROF que o ensino superior não deverá viver de “taxas moderadoras”, pelo que as propinas deverão ser gradualmente abolidas, até porque o nosso país, ao contrário do que acha a senhora Merkel, não tem licenciados a mais, pois continua longe da realidade existente no espaço europeu.

Sem que sejam desperdiçados fundos comunitários disponíveis, entende a FENPROF que o governo não pode cair na tentação de substituir financiamento público, do OE, por financiamento europeu que tenderá a reduzir-se, para além de condicionar o desenvolvimento de um rumo estabelecido no quadro da autonomia de cada instituição, pondo também em causa a própria soberania nacional, neste caso, em relação às opções de política educativa. É indispensável o incremento de contratos de desenvolvimento institucional, bem como de contratos programa que, responsabilizando as instituições, imponham compromissos ao Estado que deverão ser devidamente assumidos e honrados.

4.
De entre os aspetos mais relevantes e mobilizadores para 20 de março, a FENPROF seleciona a defesa do emprego. Quais são os contornos dessa defesa e como procura concretizá-la?

MN: A questão é, como antes referi, a aplicação da diretiva comunitária que impõe normas legais semelhantes entre os setores público e privado no que respeita ao limite para a contratação a termo, a partir do qual se deverá converter em contrato por tempo indeterminado. Para além desta ação que levará mais de uma centena de docentes a entregarem requerimentos no MEC com vista à aplicação da diretiva, teremos reunião com o Senhor Provedor de Justiça, no dia 20 de manhã, e estão a entrar ações nos tribunais também com esse objetivo.

5.
Qual o balanço da reunião realizada com os secretários de estado do ensino superior e da ciência?

MN: Em minha opinião, foi a confirmação do que já se desconfiava. Fica a ideia de que, também no ensino superior e na ciência, como em toda a Educação, a prioridade do governo é aplicar as medidas previstas no guião da reforma do Estado e estas apontam no sentido da elitização do acesso às respostas de qualidade, reservando-se para a maioria o acesso a respostas menos qualificadas que, neste caso, seriam reservadas a instituições menores.

Ficou também a ideia de haver uma enorme cegueira na procura de estratégias que permitam substituir financiamento do OE por fundos comunitários, sendo que estes apontam para que haja mais portugueses mais qualificados, embora à custa da redução média das qualificações. Afirmou um dos governantes que “nem todos podem ser doutores”, o que é uma verdade, mas a questão terá de ser colocada de outra forma: estarão os filhos dos pedreiros condenados a ser pedreiros, porque doutores só os filhos dos doutores poderão ser? Esta é, no momento atual e com as políticas em curso, a questão de fundo.

6.
Já se conhece o projeto do MEC para a constituição de consórcios. Há já uma posição da FENPROF sobre esse documento?

MN: Ainda não. Estamos na fase de debate e teremos uma discussão importante no próximo dia 21, em que reunirá o conselho de departamento, com vista a prepararmos uma posição a entregar no MEC. Numa primeira leitura, e isso apenas me compromete a mim, parece-me que, mais uma vez, o MEC parte de uma ideia com algumas potencialidades positivas para fazer o pior que se poderia imaginar. Concordo com quem considera que a solução proposta pelo MEC põe em causa a autonomia e compromete quaisquer ideias positivas que pudessem existir em algumas cabeças. Mas em breve a FENPROF terá uma posição tomada que tornará pública.

7.
Os problemas do setor deviam merecer da parte do ministro uma postura de diálogo com as organizações representativas dos docentes e investigadores, mas isso não tem acontecido. Como se pode interpretar esta situação?

MN: O ministro tem tentado passar por entre os pingos da chuva, mas isso não o iliba de tudo o que o governo tem estado a fazer na Educação com impacto, também, no ensino superior e na ciência. Crato tem sido um mau ministro e, chegados que estamos à reta final da Legislatura, pode já afirmar-se que a Educação perdeu muito por não ter sido governada por alguém com capacidade de diálogo e negociação, com ideias, com propostas e com uma visão de futuro. Infelizmente, o atual ministro olha de costas para o futuro e isso tem-se refletido em medidas que constituem retrocesso no sistema educativo, com reflexos na própria sociedade. Espero que este rumo possa corrigir-se em breve, com uma alteração política profunda.