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FENPROF em conferência de imprensa

Fundações de direito privado não são solução para o futuro das instituições de ensino superior público

27 de junho, 2016

"Transformar as Instituições Públicas em Fundações de direito privado ameaça o interesse público das suas missões e as condições para o exercício da Liberdade Académica dos seus docentes e investigadores", alerta a FENPROF em declaração à comunicação social, divulgada na tarde da passada segunda-feira, em Lisboa. Mário Nogueira, Secretário Geral da FENPROF; João Cunha Serra, Presidente do Conselho Nacional; Tiago Dias, do Secretariado Nacional; António Matos (Departamento do Ensino Superior do SPRC) e António Mortal (Departamento do Ensino Superior do SPZS) participaram no encontro com os jornalistas.

"É claramente contraditório o discurso do Governo para a área da Educação: por um lado, afirma-se defensor da Escola Pública; por outro, procura promover fundações de direito privado como futuro para as instituições de ensino superior público", sublinhou Mário Nogueira numa breve nota introdutória.

Para a FENPROF a solução para o reforço da autonomia do Ensino Superior Público não está nas fundações de direito privado, como realça a declaração da FENPROF, apresentada e comentada nesta conferência de imprensa por João Cunha Serra (foto).

Está sim em conseguir que o Estado – Governo e Assembleia da República – assegure a autonomia constitucionalmente consagrada, legislando em conformidade.

Algumas instituições, exasperadas pelas crescentes burocracias que lhes têm sido impostas e que tolhem gravemente o exercício da sua autonomia administrativa e financeira, com prejuízos graves para o seu funcionamento, voltam-se para a figura do regime de fundação pública com regime de direito privado, como se de uma tábua de salvação se tratasse (depois do Porto, Aveiro e ISCTE, mas também do Minho, com diploma legal já publicado, é agora a Universidade Nova e alguns institutos politécnicos que parecem começar a orientar-se para esta "solução").

No entanto, esse regime jurídico, introduzido em 2007 no RJIES (Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior), tem estado muito longe de corresponder às expectativas então criadas.

Consequências negativas...

Estas fundações não só não receberam o “dote” que lhes fora prometido aquando da sua constituição, como não abandonaram o perímetro orçamental, tendo ficado sujeitas à maioria das restrições impostas às restantes instituições que permaneceram no regime público.

Mas, mais grave do que isto, na ânsia desta ilusória “libertação” das restrições burocráticas, não se dão conta, ou desvalorizam, a perda de autonomia que representa ficarem na dependência de um Conselho de Curadores inteiramente nomeado pelo governo, que o facto de o ser sob proposta das instituições não atenua.

Pendor autocrático

O RJIES veio já atingir, com severidade, o princípio da colegialidade das decisões, ao escancarar as portas ao autoritarismo, representado pela atribuição de todo o poder a órgãos unipessoais que tudo podem nomear e que quase tudo decidem.

O regime fundacional vem acentuar este pendor autocrático, atribuindo a um conjunto de membros externos nomeados pelo governo os poderes de homologar:

1) os planos estratégicos e de ação;
2) as linhas gerais de orientação científica, pedagógica, financeira e patrimonial;
3) os planos anuais de atividades, as propostas de orçamento e as contas anuais.

Uma instituição fica, deste modo, dependente de decisões que se sobrepõem aos órgãos de gestão internos, em particular aos Conselhos Gerais que já incluem membros externos, com um peso de pelo menos 30%. Senhores da banca e dos grupos económicos, já hoje membros de Conselhos Gerais (por exemplo, Ricardo Salgado, Zeinal Bava, Henrique Granadeiro, António Saraiva, António Mexia, Miguel Cadilhe ou Alexandre Soares dos Santos), embora em minoria, podem constituir a totalidade dos curadores, com os inerentes riscos de substituição das missões de longo prazo, inerentes ao ensino superior, por visões de curto prazo próprias das políticas neoliberais de mercantilização dos saberes e de submissão aos mercados.

Uma forma de dividir
trabalhadores

As fundações de direito privado são ainda uma forma de dividir os seus trabalhadores entre os que se manterão no regime público e os novos que serão predominantemente contratados no âmbito privado, uns e outros com diferentes estatutos profissionais.

A lei possibilita a criação, em cada fundação, de carreiras próprias, quase sem limitações, permitindo, por exemplo no caso dos docentes, que o regime de dedicação exclusiva, sendo a norma, possa deixar de ser um direito do docente para passar a ser uma decisão discricionária de cada instituição. Permite ainda que, pela via dos concursos, seja privilegiada a passagem do regime de contratação pública para a privada. A médio prazo, todos os contratos poderão ser privados, sendo a privatização total da instituição e a mercantilização do ensino e da ciência um passo que estará muito facilitado.

O poder dos docentes e dos restantes trabalhadores para negociarem as melhores condições contratuais e de trabalho estará muito diminuído, no domínio privado. Veja-se o que se passa no ensino superior particular e cooperativo, onde grassam a precariedade e os baixos salários, e onde a liberdade académica é letra morta e a tenure uma miragem.

Por tudo isto, a FENPROF está frontalmente contra a transformação das instituições públicas de ensino superior em fundações com regime de direito privado."É um mau serviço ao ensino superior público universitário e politécnico", salientou João Cunha Serra.

O caminho a seguir 

A solução para o necessário reforço das autonomias administrativa e financeira não é esta espécie de expediente, esta “fuga para a frente” para tentar contrariar as restrições burocráticas que lhes são impostas, que acaba por representar uma capitulação face à incapacidade política dos sucessivos governos para resolver o problema.

A alternativa é, assim, pugnar por que o Estado, e em particular o Governo, reconheçam que uma instituição de ensino superior não pode ser gerida com as regras de uma qualquer repartição pública e legislem de forma a garantir a autonomia consagrada constitucionalmente. "Há que recuperar a autonomia", referiu, a propósito, João Cunha Serra, que destacou também que "a vontade política" do Executivo é fundamental neste contexto.

O ensino superior, pela função económica e social que representa, deve ter um estatuto de autonomia reforçado. A Academia e as suas organizações representativas devem exigi-lo ao Governo e à Assembleia da República, conclui a FENPROF.