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Um país em que os operadores privados da Educação parecem querer manter-se acima da lei

Maioria dos contratos de associação com colégios privados são desnecessários...

23 de abril, 2016

Tem sido notório um evidente nervosismo, por parte de operadores privados da Educação e sua associação representativa, na sequência da aprovação do artigo 25.º do Despacho Normativo n.º 1-H/2016, de 14 de abril (matrículas e constituição e turmas para 2016/17).

Ora, no ponto 3 deste artigo 25.º é afirmado que a IGEC, em articulação com a DGEstE, deverão verificar o “cumprimento, pelos estabelecimentos do ensino particular e cooperativo com contrato de associação, da respetiva área geográfica de implantação da oferta abrangida pelo contrato outorgado”. Face à contestação que isto tem gerado, somos levados a perguntar: pretenderiam os operadores privados que assinaram contratos de associação com o Estado ter carta branca para matricular alunos de áreas geográficas não abrangidas pelo contrato outorgado (com o governo anterior, note-se)? E que, violando os termos do contrato, isso não fosse fiscalizado?

Parece que alguns destes senhores ainda não terão compreendido que vivem num Estado de direito democrático, devendo submeter-se às normas que lhe estão inerentes!

Têm-se ouvido também algumas preocupações relativamente ao desemprego que o cumprimento escrupuloso da lei poderá provocar. São estranhas essas preocupações, principalmente se lembrarmos que o principal motivo de desemprego dos docentes foi a imposição ao setor de um contrato coletivo de trabalho que, ao ter aumentado o horário de trabalho, provocou o despedimento de cerca de 20%  dos docentes dos colégios que o aplicaram. Os que agora se revelam preocupados com o eventual impacto no emprego foram os que assinaram tal contrato provocando, precisamente, o despedimento de muitos professores.

A necessidade de moralizar a situação e respeitar a lei fundamental do País

A FENPROF sempre questionou a justeza, vantagem e mesmo constitucionalidade da atribuição de financiamentos ao ensino particular e cooperativo, através de contratos de associação quando, na mesma área geográfica em que se situa o colégio, não há carência de resposta pública. Um financiamento que remonta ao início dos anos 80 do século passado, num contexto de insuficiência da resposta pública, e que teve o seu apogeu no início deste século, num momento em a situação se alterou profundamente e a oferta pública é, de uma forma geral, suficiente.

Sendo este procedimento que se manteve contrário à Constituição da República Portuguesa, a FENPROF opôs-se a que o mesmo se mantivesse e sempre denunciou todos os processos desenvolvidos por governos que, numa prática atentatória da lei fundamental do País, beneficiaram os interesses privados em detrimento do interesse público. Nunca como na anterior Legislatura isso foi tão claro, tendo inclusivamente levado à alteração do estatuto do ensino particular e cooperativo, com o governo a introduzir todas as alterações que, no atual quadro, melhor serviam os interesses dos operadores privados.

Afirmava o anterior governo que, antes, já teriam existido mais turmas entregues a privados, o que é verdade, mas tal aconteceu num quadro diferente, em que a resposta pública tinha menor expressão e o número de alunos era mais elevado.

A manter-se este nível de financiamento dos colégios privados através de contratos de associação, Portugal, um país empobrecido, irá, em muitas regiões, duplicar a resposta educativa, o que seria inaceitável. Por outro lado, não estaria a respeitar o preceito constitucional, designadamente o disposto no seu artigo 75.º. A FENPROF não põe em causa a liberdade de escolha das famílias; pelo contrário, esse é um princípio que respeita. O que associa a esse direito é, havendo oferta pública, o dever de pagar a escolha.

De forma hipócrita, têm alguns operadores referido que, se houver quebra de financiamento, isso porá em causa direitos e emprego dos docentes que trabalham nos seus colégios. Ora, os grandes inimigos dos professores e educadores dos colégios privados têm sido os próprios operadores. São eles que despedem, bastas vezes de forma ilegal, os professores (os Sindicatos da FENPROF acompanham inúmeros casos desses), e são também muitos deles quem nega direitos aos seus trabalhadores e quem enriquece à custa de procedimentos que, como é do domínio público, encontram-se hoje sob a alçada da justiça. São eles, também, que promovem alterações contratuais que agravam a exploração dos docentes, favorecendo por esta via o aumento dos seus próprios lucros.

Com o afastamento de PSD e CDS do governo, a entrada em funções de um novo governo e a existência de uma maioria parlamentar diferente, foram criadas condições para que a lei fundamental passasse a ser respeitada e, portanto, que esta situação fosse moralizada, pondo cobro à duplicação de ofertas educativas. O programa do governo e as declarações conjuntas que o PS estabeleceu com o BE, o PCP e o PEV, apontam nesse sentido, tendo eco nas declarações de responsáveis do Ministério da Educação.

Foi na sequência dessa nova realidade e das declarações produzidas que a FENPROF afirmou a sua disponibilidade para contribuir para o estudo da situação e para apoiar uma solução que pusesse fim ao desbaratamento de dinheiros públicos para enriquecimento de alguns empresários do setor.

Assim, a FENPROF, honrando o seu compromisso, divulga uma primeira listagem sobre a duplicação de oferta pública que será entregue ao Ministro da Educação na reunião que se realizará na próxima terça-feira, dia 26 de abril.

Custos com o privado são mais elevados

Como a FENPROF já lembrou no final de 2014/15, em novembro de 2012 foram divulgados os estudos de um grupo de trabalho criado pelo MEC, coordenado por Pedro Roseta. Nele eram avaliados os custos das turmas nas escolas públicas e privadas. Concluía-se que, no ensino público, cada uma tinha um custo médio de 70 648 euros, no básico, e que, no secundário, o valor médio subia para 91 421 euros.

De acordo com a Portaria n.º 172-A/2015, o valor do financiamento de cada turma atribuída ao sector privado foi de 80 500 euros. Isto é, de acordo com o estudo antes citado, 9 852 euros acima do custo médio das turmas do básico nas escolas públicas e 10 921 euros abaixo do que se estima para as do secundário. Poderia pensar-se que o valor encontrado correspondia a uma média. A questão é que as turmas de ensino secundário que os colégios privados mantêm sob contrato de associação são uma minoria. A esmagadora maioria são as turmas de ensino básico, ou seja, as que dão lucro elevado.

O caso da região centro: só aí, os contribuintes arcarão com uma despesa acrescida de 5 milhões de euros

Divulga o aviso de abertura do concurso para financiamento lançado a poucos meses do fim da anterior legislatura que, na região centro, 228 turmas serão para o ensino básico (106 do 5.º ano e 118 do 7.º) e 45 para o ensino secundário. Tendo como referência, por um lado, o valor do financiamento a atribuir por cada turma que será contratualizada (80 500 euros) e, por outro, o custo médio por turma no ensino público (a valores de 2009/2010, que baixaram significativamente nos últimos 3 anos com a redução de milhares de professores), conclui-se que os contribuintes, só nesta região, pagarão mais 1,8 milhões de euros com a entrega destas 274 turmas de 5.º, 7.º e 10.º anos ao sector privado. Se tivermos em conta as turmas de todos os anos de escolaridade dos ensinos básico e secundário – e não, apenas as dos anos iniciais de ciclo –, o acréscimo da despesa do Estado, só em 2016, quase atingirá os 5 milhões de euros.

Quadro comparativo de alguns concelhos (diversas regiões do país)

A região centro é a que conta com maior número de contratos de associação celebrados, mas o problema está longe de se esgotar nessa região. A FENPROF recolheu informação junto de escolas públicas de todo o país e, pelos primeiros dados obtidos, está em condições de provar que a situação que atualmente se vive é, de facto, de duplicação da oferta educativa, o que é inaceitável, imoral e inconstitucional.

A FENPROF concorda que, nesta primeira fase, haja um rigoroso controlo sobre a origem dos alunos matriculados nos colégios. Não para impedir que estes os frequentem, mas para estabelecer quais os que deverão ser abrangidos pelo financiamento decorrente de contrato de associação. Para além disso, simultaneamente, deverá o governo reintroduzir no estatuto do Ensino Particular e Cooperativo o conceito de “zona carenciada” determinante para a celebração deste tipo de contrato.

 

CONCELHO (1)

N.º DE TURMAS QUE ESCOLAS PÚBLICAS PODEM RECEBER, ALÉM DO DISTRIBUÍDO EM REDE (2)

 N.º DE TURMAS CONCEDIDAS AOS  COLÉGIOS

   OBSERV.

 

5.º ANO

7.º ANO

10.º ANO

5.º ANO

7.º ANO

10.º ANO

 

Águeda

4

4

----

4

4

----

 

Alcobaça

----

6

4

----

8

5

 

Anadia

4

4

2

4

4

2

 

Ansião

1

1

----

1

1

----

 

Batalha

1

1

----

3

3

----

 

Braga

22

5

4

18

18

8

 

Caldas da Rainha

6

5

2

8

7

3

 

Cantanhede

5

5

3

4

4

2

 

Coimbra

31

30

19

21

22

5

 

Covilhã

----

1

1

----

1

1

 

Figueira (Norte)

2

2

----

2

2

----

 

Fundão

3

3

2

1

1

1

 

Guarda

4

4

----

2

2

----

 

Leiria

4

8

1

17

16

2

 

Macedo de    Cavaleiros

3

3

3

1

1

----

 

Mirandela

----

2

2

----

2

2

 

Nazaré

----

3

----

----

1

4

 

Oliveira do Bairro

5

4

3

5

4

3

 

Peso da Régua

3

4

3

3

3

0

 

Pombal

2

2

1

10

11

3

 

Porto de Mós

5

6

7

5

5

3

 

Proença-a-Nova

2

2

2

1

1

1

 

Resende

----

10

----

4

 

Sabugal

----

2

----

2

2

----

 

Seia

13

12

6

2

2

----

 

Sertã

2

2

2

2

2

1

 

Soure

5

5

2

2

2

2

 

Sta Maria da Feira

10

10

0

10

9

9

 

Viana do Castelo

11

10

11

0

3

2

 

Vila N. de Cerveira

3

3

2

2

2

1

 

Vila Real

6

6

4

2

2

2

 

Viseu

22

7

7

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(1) Em alguns concelhos ainda não foi possível concluir o levantamento de dados

(2) Informações recolhidas junto das direções das escolas/agrupamentos. Por vezes, foi indicada, simplesmente, a capacidade de receber as turmas a concurso pelos privados e não a capacidade total disponível das escolas/agrupamentos que é, na verdade, ainda superior.

Em todo o país, oferta pública cobre as necessidades

O que se verifica pelos dados que já se divulgam (a FENPROF prosseguirá o levantamento), é que as escolas públicas têm uma capacidade que suplanta em muito, as turmas financiadas por contrato de associação, atribuídas a operadores privados com fins lucrativos. Apenas em alguns concelhos do distrito de Leiria e em Sta Maria da Feira (no ensino secundário), com a progressiva instalação de colégios privados, a Escola Pública não acompanhou a evolução das crescentes necessidades da população escolar, decorrentes, designadamente, do alargamento da escolaridade obrigatória. Na origem destes casos estiveram, também, opções dos decisores políticos.

Ora, perante este quadro que permite perceber a dimensão do logro a que sucessivos governos têm sujeitado o país, que corresponde a muitos, mas muitos, milhões de euros, será importante que o governo avance com o indispensável processo de avaliação da situação, com vista a evitar a duplicação de resposta, combater o despesismo e fazer valer os preceitos constitucionais. A crer nas declarações da Secretária de Estado Adjunta e da Educação, só os alunos residentes na área para que foi feita a contratualização serão abrangidos pelo contrato de associação outorgado, o que parece absolutamente normal.

O Secretariado Nacional da FENPROF
23/04/2016