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"Primeiro, era o desrespeito pelos professores, agora é também pelas leis"

06 de outubro, 2007

"Neste ano de 2007, o sentimento dos docentes portugueses descreve-se de forma sintética: grande e crescente insatisfação profissional, descrença cada vez maior na capacidade e vontade do Governo e da equipa do ME para inverterem a crise profunda em que a Educação está mergulhada, enorme desgaste, principalmente psíquico."

São palavras de Mário Nogueira na intervenção de encerramento da jornada comemorativa do Dia Mundial do Professor, em Lisboa.
"Todavia
", prosseguiu o secretário-geral da FENPROF, "e isso é extraordinário, os professores não alienaram as suas responsabilidades e mantêm um grande empenhamento profissional e uma grande atenção à escola e aos alunos, confirmando que são cidadãos sérios, profissionais competentes e trabalhadores exemplares. Com esta atitude profissional, os professores têm conseguido manter valorizada a imagem que tem de si a sociedade e contrariam toda a campanha que ME e Governo se esforçam por desenvolver, denegrindo-os e desvalorizando-os profissionalmente."

Afirmando que "a actual situação profissional dos docentes é extremamente preocupante" e que "as consequências, mais tarde ou mais cedo, acabarão por se reflectir nas escolas e nas aprendizagens dos alunos", Mário Nogueira chamou a atenção para estes quatro aspectos fundamentais, de vincada actualidade:

1. O desemprego.
Atinge uma dimensão nunca vista, em resultado de políticas e medidas deliberadamente orientadas nesse sentido. No caso do ensino superior, a situação agrava-se pelo facto de o Governo e a bancada parlamentar do PS negarem no poder o que prometeram na oposição: aplicar aos docentes o subsídio de desemprego que existe para os colegas dos restantes sectores de ensino e educação;

2. A precariedade.
Aumenta, com mais de 13.000 contratados a prazo que , hoje, com os contratos individuais de trabalho, as renovações e a oferta de escola, estão ainda mais dependentes de apreciações subjectivas para garantirem o emprego;

3. A instabilidade profissional.
Atinge quase todos os docentes dos quadros, sobre quem pendem ameaças que, se não temos denunciado a tempo, já poderiam ser mais do que isso. Ainda há dois dias, em reunião com o secretário de estado adjunto, este, para justificar ilegalidades cometidas na colocação de professores, afirmava que as pressões sobre o Ministério para que se aplicasse a mobilidade especial aos docentes eram muitas e fortes, o que é curioso, se recordarmos que a ministra garantiu, no Parlamento, que esta não se aplicaria aos professores...

4. O cansaço físico e psicológico.
Que se acentua, não só pela pressão permanente a que os professores estão sujeitos, mas porque foram reduzidas ou liquidadas regras de carreira que os protegiam desse desgaste. As intermináveis horas nas escolas, o trabalho burocrático, as sucessivas reuniões, o medo de denunciar o que está mal - sim, o medo que hoje se faz sentir nas escolas - fazem com que menos de um mês depois de terem começado as aulas, encontremos colegas num ponto de saturação que só deveria surgir na recta final do ano.

Lei sindical

"Para que aqui se chegasse", lembrou o dirigente sindical, "contribuíram a política do Governo, a equipa que governa a Educação em Portugal e se comporta como subsecretaria de estado do Orçamento e uma maioria parlamentar composta por deputados que não têm tido coragem para contrariarem os interesses políticos e os caprichos do Governo, mesmo quando estão em causa questões de fundo do regime democrático e refiro-me à proposta do Governo para alterar a lei sindical e reduzir estes direitos."
Mais adiante, Mário Nogueira observou: "Os deputados não podem empurrar a democracia, com o pé, para debaixo do tapete e esperamos que não o façam. O PS não pode continuar a adiantar serviço a uma direita, que, estando cada vez mais perigosa até se dá ao luxo, hipocritamente é claro, de criticar o Governo, insinuando-se à sua esquerda, com o intuito de confundir e criar ilusões nos incautos de memória mais curta."

Categoria só há uma!

Voltando à política do Governo e às medidas impostas por Ministérios que governam a Educação sem diálogo efectivo, sem negociação verdadeira? apenas com conversas, o dirigente da FENPROF recordou que da acção do actual Executivo "resultou o ECD que foi imposto unilateralmente em 19 de Janeiro originando o agravamento das condições de exercício profissional dos docentes".
"Decorrente do ECD do ME", salientou, "temos a divisão dos professores em duas categorias e um anexo: os Titulares, que são esmagados com o conteúdo funcional que lhes é imposto, e a quem o ME delegou o falso poder de avaliar os colegas; os Professores, que existem para dar aulas e obedecer acriticamente a ordens; os Contratados, cada vez com menos direitos, incluindo o de se candidatarem aos computadores que os membros do governo, nas suas horas livres, têm vendido pelo País."

"Esta divisão dos professores", são ainda palavras de Mário Nogueira relativas às consequências da política do ME, "está a causar dificuldades em muitas escolas, não apenas na sua organização pedagógica, mas, também, devido à deterioração do ambiente de escola e da relação entre pares. Para a FENPROF, não há hesitações: combater esta divisão é uma prioridade reivindicativa. E continuaremos a afirmar, como fazemos desde a primeira hora, que (aqui a assistência antecipou-se a Mário Nogueira e gritou:) "categoria há uma, Professor(a) e mais nenhuma", impedindo que o ME consiga, como pretende, a transferência desta divisão artificial da carreira para uma divisão efectiva entre os professores. Nesta situação não há privilegiados, pelo contrário, na esmagadora maioria dos casos, a maior pressão, a ameaça e a instabilidade recairá sobre os titulares de quem o Governo espera que sejam dóceis e obedientes fiscais na aplicação de medidas de natureza economicista e que garantam o controlo político. Por essa razão, combater a fractura introduzida na carreira docente é responsabilidade de todos".

Avaliação do desempenho:
irresponsabilidade


"O regime de avaliação de desempenho, cuja regulamentação o ME pretende agora impor e que a FENPROF, para manter aberta a discussão entre os professores, decidiu remeter para a fase designada por "negociação suplementar". A primeira reunião, neste âmbito, terá lugar em 15 de Outubro", revelou Mário Nogueira noutra passagem da sua intervenção, atentamente seguida pelos educadores e professores presentes no Coliseu no passado dia 5 de Outubro.

"É uma irresponsabilidade do ME iniciar este processo de avaliação logo após a publicação da legislação em Diário da República: as escolas não estão preparadas e não conseguem em 30 dias criar as condições para que se aplique um regime que, inclusivamente, mexe com regulamentos internos e projectos educativos; a Inspecção Geral de Educação não tem condições para se envolver no processo e necessitaria, segundo o presidente do Sindicato dos Inspectores de, pelo menos, 3 anos para se organizar; as reuniões previstas, as entrevistas individuais a 150.000 docentes, as observações obrigatórias (meio milhão por ano), as fichas e grelhas apresentadas levarão a que rapidamente este processo se burocratize e, a suposta, mas falsa objectividade da avaliação acabe em fortes penalizações dos docentes, designadamente ao nível da sua carreira", declarou.

"Uma avaliação deste tipo", observou Mário Nogueira, "só poderia ser imposta por quem desconhece, por quem não se preocupa, por quem não dirige com rigor e qualidade os destinos da Educação, ou por quem tem objectivos que não são os de conferir qualidade ao sistema educativo. Todas estas apreciações se ajustam a quem realmente impôs esta avaliação e recusou, há duas semanas, uma proposta da FENPROF que referia "O avaliado tem direito à avaliação justa do seu desempenho e a uma classificação que corresponda ao mérito absoluto revelado". Quem pode recusar uma proposta destas? Pois bem, o ME recusou afirmando que contrariava os seus princípios sobre a avaliação dos docentes. Reconheçamos que desta vez falou verdade!"

O secretário-geral da FENPROF teve ainda oportunidade de se referir às "orientações centrais, muitas delas ilegais, que chegaram às escolas em pleno Agosto impedindo os colegas dos órgãos de gestão de gozarem as suas férias, e que estão a provocar sobrecargas de trabalho e horários acrescidos, que roubam tempo e disponibilidades aos professores para que preparem, desenvolvam e avaliem o que deverá ser a essência da nossa profissão: a prática lectiva, o trabalho com os alunos dentro e fora da sala de aula"

Quanto ao ensino superior, recordou que "o novo regime jurídico que deixou escancaradas as portas à privatização com todas as consequências que daí advêm, incluindo o aumento do desemprego, e são diversas imposições de Bolonha, agravadas pela forma como se pretende aplicá-las, a não contribuirem para a democratização do acesso ou para o aumento da qualidade educativa"

As leis ficam na gaveta...

"Também nos confrontamos com outro grave problema", alertou o dirigente sindical, que pormenorizou assim: "Primeiro, era o desrespeito pelos professores, agora é, também, pelas leis. No ME, as regras do Estado de Direito Democrático, tal como os jornalistas quando acompanham dirigentes sindicais, estão proibidas de passar da porta da rua. Assim, as leis aplicam-se quando dão jeito; as leis violam-se quando é mais conveniente ao ME. O que está a acontecer com os concursos é paradigmático: na Educação Especial é como se não houvesse concurso e as colocações fazem-se por convite; no 2.º Ciclo são colocados professores sem habilitação para os grupos de recrutamento criados e que nem a eles concorreram, sendo o caso do grupo 210 o mais conhecido, mas havendo outros; ainda sobre concursos, foi a publicação de uma portaria no mês de Agosto que, de forma arbitrária, decidiu iniciar a oferta de escola antes do prazo legalmente previsto; é o secretário de estado da educação a prometer transferências definitivas de quadro, sem concurso, e por despacho individualizado...

Ao melhor estilo kafkiano...

"Mas foi também o concurso a professor titular, tendo a senhora ministra, conhecidas que foram as irregularidades, as ilegalidades, os abusos cometidos, as discriminações - e de saber que mais de mil candidatos recorreram do concurso, sem resposta ainda, e já começaram a recorrer aos tribunais - depois de uma extensa posição do senhor Provedor de Justiça e, até, calcule-se, com o secretário de estado adjunto a afirmar que havia questões a corrigir, a senhora ministra veio clamar que o concurso foi um sucesso, sem erros, sem irregularidades, sem ilegalidades, sem injustiças! De facto, este ME é surreal e os seus protagonistas parecem figurantes de uma qualquer repartição visitada pelo senhor K, para tratar do processo que Kafka lhe arranjou."
E acrescentou:
"Esta atitude dos responsáveis já lhes valeu sentenças desfavoráveis em tribunais de 1.ª instância, no Administrativo e Fiscal, no Central Administrativo, no Supremo, no Constitucional e, ainda, posições duras da Provedoria de Justiça. O certo é que a impunidade vai reinando e as responsabilidades e os responsáveis políticos não existem! Contudo, a razão que nos é reconhecida, deve-nos dar ainda mais força para continuarmos a denúncia e os recursos, pois a justiça acabará por se fazer."

"Esta política, esta postura antidemocrática, estas medidas que degradam a nossa Escola Pública", afirmou noutra passagem da sua intervenção, "têm sido denunciadas e combatidas pelos Sindicatos, daí que se tenham constituído num dos principais alvos a abater pelo Governo e, principalmente, pelo ME. Tentaram reduzir-nos com a imposição de fortes restrições aos tempos inteiros, mas não conseguiram. A nossa representatividade garantiu que não fossemos beliscados. Viraram-se para os professores e para os separar nas reuniões, tentaram impedi-los de participar em reuniões sindicais fora das suas escolas, mas o Tribunal suspendeu o despacho do SEE e na sequência do seu recurso jurisdicional, o Tribunal Central Administrativo, no passado dia 27 de Setembro, não deu provimento ao recurso do ME e manteve suspenso o despacho do secretário de estado, dando razão aos professores que participam na actividade sindical, dentro das horas legalmente estabelecidas."

Como interpretar o ataque
aos Professores?


"Nunca devemos perder de vista que o ataque que é movido aos professores e educadores se enquadra em planos mais vastos de uma ofensiva que é contra todos os trabalhadores (e as alterações negativas ao Código de Trabalho, confirmam-no); que é contra a Administração Pública (e a legislação sobre vínculos, carreiras e remunerações, bem como o SIADAP, não deixam dúvidas); que é contra os serviços públicos, nomeadamente a Escola Pública!" -  disse Mário Nogueira no convívio do 5 do Outubro, no Coliseu, acrescentando ainda a este propósito:

"O ataque aos direitos dos docentes e a degradação das suas condições de trabalho são uma vertente, das mais relevantes, do ataque a uma Escola Pública de qualidade. Mas como são, também, os cortes financeiros que ano após ano são mais duros, a municipalização de todo o ensino básico, a revogação do Decreto-Lei 319/91 que, tendo antecipado Salamanca, estabelecia as normas que conferiam à nossa escola um carácter inclusivo, a falta de qualidade das respostas sociais (e o que se passa com as AEC é o aspecto mais visível, mas também se estende à falta de qualidade dos transportes escolares e ao serviço de refeições em muitas escolas de acolhimento), o encerramento cego de escolas do 1.º Ciclo como alternativa barata à requalificação necessária levando muitas crianças a um esforço a que não deveriam estar obrigadas, os contratos de autonomia como forma de desresponsabilizar, ainda mais, o Estado na sua obrigação para com as escolas..."

Demagogia e ilusionismo
já não convencem

"Bem pode o Primeiro Ministro e mais 20 governantes desdobrarem-se a visitar escolas, um dia por ano, que os portugueses já não se deixam enganar com demagogia e ilusionismo", salientou Mário Nogueira, que acrescentou: "Os pais continuarão, decerto, a reclamar melhores condições para os seus filhos, os professores melhores condições de trabalho que promovam melhores condições de aprendizagem, professores e alunos a vestirem luto à passagem da ministra, as associações de docentes a criticar, ainda que isso lhes valha a exclusão, os tribunais a decidir contra a vontade do ME... Cada vez mais isolada, a ministra não conseguirá sair do fundo da tabela de governantes apreciados pela qualidade do seu trabalho e das medidas que tomam!"

A FENPROF, concluiu Mário Nogueira, "não tem apenas críticas, tem propostas sobre política educativa e medidas concretas que, a serem consideradas, permitirão que a Educação comece a tomar outro rumo. Não apenas dirigidas aos aspectos sócio profissionais dos docentes, mas também sobre a sua formação, sobre o funcionamento das escolas, a sua gestão, autonomia e financiamento, o reordenamento da rede escolar, os currículos e a avaliação dos alunos, as respostas sociais, a acção social escolar - enfim, sobre tudo o que à Educação diz respeito e na Lei de Bases está consagrado. Sobre isso, convém dizer que o ME está, permanentemente, a contrariá-la. Percebemos a intenção, torná-la irreconhecível para que, facilmente, se altere sem debate público. Mas não será assim tão fácil, pois a FENPROF estará disponível para contribuir para que surjam e cresçam movimentos sociais que defendam uma Lei de Bases do Sistema Educativo verdadeiramente democrática. Neste quadro, ainda este ano lectivo, a FENPROF empenhar-se-á na promoção de uma grande iniciativa em defesa da Escola Pública."

"Queremos discutir as nossas propostas com a equipa ministerial, só que a ministra recusa reunir com os Sindicatos de Professores, completam-se agora dois anos. E não reúne porquê?! Há dias, no "Prós e Contras" deixou a ideia de nada ter para dizer. Mas, ainda que não tenha, há respostas que se lhe exigem, contas que tem de prestar, responsabilidades que deve assumir. Deve fazê-lo e, nesse sentido, convidamos a senhora ministra para um debate público em que todas estas questões sejam discutidas. Se não o aceitar, todos teremos legitimidade para pensar que, em definitivo, o vazio tomou conta do pensamento político do ME."

Desafio da acção e da luta

"Pela nossa parte, FENPROF, não iremos parar de criticar, de propor, de agir e de lutar! Com os professores e educadores, e estes com todos os parceiros educativos e sociais que pugnem por uma sociedade mais justa e mais solidária. A aposta na Educação, o investimento na Escola Pública e o respeito pelos profissionais docentes serão eixos fundamentais dessa construção democrática que defendemos, sendo isso válido para o nosso país como em qualquer parte do mundo. Com determinação, com confiança, com propostas e com responsabilidade, os professores portugueses irão abraçar esse desafio de acção e luta", concluíu Mário Nogueira.