Nacional

Intervenção de Mário Nogueira

29 de abril, 2016

12.º CONGRESSO NACIONAL DOS PROFESSORES 

SESSÃO DE ABERTURA

Mário Nogueira, Secretário-Geral da FENPROF

Excelentíssimos

Senhor Secretário-Geral da Internacional de Educação, Companheiro Fred van Leuwen

Senhora Vice-Presidente da Câmara Municipal do Porto, Dr.ª Guilhermina Rego

Amigos e amigas convidados de organizações e entidades nacionais e internacionais, que partilham connosco este importante momento da nossa vida

Colegas, Amigos, Amigas e Camaradas Delegados e Delegadas ao nosso 12.º Congresso

Bem-vindos a todos e a todas!

Uma primeira nota para assinalar que este 12.º Congresso se realiza num tempo que é nosso, pois tem por margens o 25 de Abril e o 1.º de Maio. Um tempo com cheiro a Abril e sabor a Maio será sempre o nosso tempo. Saibamos manter o seu colorido a cravo.

Encerrámos o 11.º Congresso sentindo que saíamos com mais força para agir… e agimos. Percorremos o país a mostrar aos portugueses o valor da Escola Pública e, simultaneamente, iniciámos uma luta fortíssima, das mais exigentes em que nos envolvemos: a greve às avaliações do final desse ano, que se prolongou por três semanas e só terminou quando o governo, dos mais arrogantes da nossa democracia, aceitou, em ata assinada, um conjunto de compromissos importantíssimos para os professores. Destaco, como exemplo, o não agravamento dos horários de trabalho, por força do aumento para as 40 horas, o que provocaria ainda maior desgaste, mais horários-zero e mais desemprego no nosso setor. Os professores estiveram em nível elevadíssimo numa exigente luta que só não viu quem não quis reparar.

Os anos do mandato que termina coincidiram com um dos períodos mais negros da nossa democracia. Foram anos muito difíceis e tão cedo não esqueceremos, quer as políticas impostas, quer os seus protagonistas. Nesses anos, o movimento sindical nunca baixou os braços e nunca desistiu da luta mesmo quando, ao nosso lado, alguns fraquejavam, uns por desânimo, outros, que ressuscitam agora, porque a luta naquele tempo não era a sua.

O Plano de Atividades que aqui apresentamos confirma que saímos para a rua logo após o Congresso de 2013 e nela permanecíamos em 10 de novembro de 2015, na grande concentração junto à Assembleia da República, quando o governo da direita, que perdeu a maioria nas eleições de 4 de outubro, caiu, com estrondo, no hemiciclo. Nesse dia, quem viveu Abril em 74 não deixou de sentir uma certa brisa a cravos a afagar-lhe o corpo e a alma; quem já nasceu em liberdade percebeu ainda melhor a importância da democracia e da Constituição da nossa República. Foi ela que impediu o golpe que pretendia dar quem tinha jurado cumprir e fazer cumprir a Constituição. Teve mesmo de a cumprir e, apesar de novembro, foi Abril foi que falou mais alto.

Nestes 3 anos, convocámos ou participámos em vários processos de greve e ações de rua, só nossos ou em convergência com outros trabalhadores. As ações, contudo, não se esgotaram em greves e manifestações, longe disso. Outras houve com impacto muito forte, servindo plenamente os objetivos propostos. Destaco duas: i) a Caravana em defesa da Escola Pública que, durante um mês, permitiu que escolas mostrassem nas praças de todo o país algumas das suas melhores práticas; ii) a consulta nacional sobre a municipalização do ensino em que participaram mais de metade dos professores das escolas públicas, com 98% dos inquiridos a pronunciarem-se contra. Foi uma ação muito importante que impediu que a municipalização atingisse outras proporções, limitando-se a 15 municípios, na maior parte sob forte contestação e só um ano depois do inicialmente previsto. Foi ainda um importante momento de esclarecimento e denúncia pública de um processo que o governo e quem a ele aderiu pretendiam secreto.

Afirmava, há dias, o senhor presidente da Associação Nacional de Municípios, que a transferência de competências para os municípios avançaria até 2018 em toda a escolaridade obrigatória e disse esperar que as coisas chegassem a bom porto “sem perturbações colaterais”. Não sei se esta referência se dirigia aos docentes e à sua indispensável participação neste processo. Mas creiam os decisores políticos que, com ou sem gestão e colocação de professores pelos municípios, estes não deixarão de participar no processo, mas para defender uma verdadeira descentralização, que encaramos como forma de adequar as respostas educativas aos contextos locais e de combater as desigualdades que decorrem das diferenças económicas e sociais entre as diversas regiões e não como estratégia para desresponsabilizar o Estado de financiar a Escola Pública. Dissemos isso ao ministro há 3 dias.

O mandato 2013 – 2016 foi essencialmente de resistência. Evitámos males maiores, é verdade, mas, apesar disso, não conseguimos evitar grandes males. Por exemplo, o sistema assistiu à imposição de cursos vocacionais no ensino básico, à imposição de exames nos primeiros ciclos de ensino, ao empobrecimento dos currículos escolares, sendo eliminadas algumas disciplinas, e à criação de meias-licenciaturas no ensino superior politécnico; as escolas viram aumentar o número de alunos por turma, consolidar a opção por mega-agrupamentos, ser impostas as mais diversas restrições, ao nível orçamental, mas não só, eas instituições de ensino superior e a ciência sofreram grandes cortes de financiamento público; os professores foram impedidos de progredir nas carreiras, foi-lhes roubado o tempo de serviço prestado, os salários foram reduzidos, o desemprego docente disparou, os horários de trabalho tornaram-se esmagadores por via do manobrismo na sua elaboração e agravaram-se os requisitos previstos para a aposentação.

Foram medidas integradas numa estratégia de embaratecimento de custos, visando criar condições para o passo seguinte, a concretizar nesta Legislatura, que seria a chamada reforma do Estado e se traduziria:

- Num pré-escolar eminentemente social, garantido por uma rede cada vez menos pública;

- Num ensino básico organizado para selecionar, daí os exames no 4.º e 6.º anos e, para separar cedo, daí o desvio para as chamadas vias vocacionais a partir do 7.º;

- No empobrecimento curricular, centrando-se as aprendizagens no ler, escrever e contar e no treino de algumas destrezas;

- Na entrega aos municípios da gestão de uma resposta pública minimalista, de cariz social, em boa parte suportada por fundos comunitários;

- No desvio de alunos com dificuldades, necessidades educativas especiais ou deficiência para ambientes de segregação, alguns dentro das próprias escolas – as unidades de apoio especializado –, problema que poderá agudizar-se se, à permanência de 60% ou mais do tempo da generalidade destes alunos na sua turma, conforme veio estabelecer despacho publicado há dias, não corresponderem medidas que exigem um forte investimento. Pelo fraco orçamento da Educação para 2016, é muito elevada a possibilidade de exclusão provocada por medida dita de inclusão;

- Na entrega a operadores privados de respostas educativas de qualidade, dando-lhes a liberdade de escolherem os alunos e transformando o “papão” Estado, que tanto criticam, num Deus que não impõe limite ao consumo do maná que cai do céu e lhes entra diretamente no bolso;

- Num ensino superior a duas velocidades, uma para as elites, outra para os filhos da classe trabalhadora para quem “meia-licenciatura” seria suficiente.

Esta era a escola que a direita tinha em projeto, ou melhor, em guião. A escola reprodutora de uma sociedade injusta que, no nosso país, tem vindo a tornar-se cada vez mais cruel para os desafortunados. Esses são os filhos dos trabalhadores, desempregados muitos, com salários de miséria bastantes, vítimas de chagas sociais, como pobreza e exclusão, um grande número, e milhares com os pais ausentes, obrigados a emigrar.

Foi brutal o desinvestimento da direita na Educação. Quando a própria troika impunha um já de si forte corte na Educação, de 380 milhões de euros, no período mais violento da agressão foram cortados mais de 3.000 milhões, o que demonstra que o desinvestimento no setor e, principalmente, na Escola Pública, não resultou apenas da ingerência estrangeira, mas da agenda neoliberal do governo.

Os professores contribuíram, e muito, para o combate às políticas de empobrecimento de Portugal e dos Portugueses. A sua luta em defesa da Escola Pública e dos direitos dos seus profissionais foi contributo importante nesse sentido. Contudo, foram igualmente importantes as lutas setoriais desenvolvidas, tais como:

- Dos professores das escolas de ensino artístico especializado;

- Dos investigadores em defesa dos seus direitos e da ciência;

- Dos docentes do EPC desenvolvida em condições muito difíceis, eles sim, tornados mão de obra barata por patrões sem escrúpulos e um CCT que os discriminou e desvalorizou;

- Contra a PACC, ou contra o negócio com a Cambridge;

- Em defesa da inclusão, luta que é de todos e continua a merecer um particular envolvimento dos colegas da Educação Especial;

- Dos educadores por um calendário escolar adequado e não só;

- Dos professores do 1.º Ciclo contra todos os atos de vandalismo economicista que têm descaracterizado o setor;

- Contra horários de trabalho que deixaram de ter fundamento pedagógico e deixaram de tratar os professores como pessoas com direito a vida para além da escola;

- Dos que se encontram em situação de precariedade, uma luta muito difícil que, na maioria dos casos, é cheia de contradições, confrontando-se a revolta de ser descartável e injustamente tratado com a necessidade de manter um emprego que, apesar de precário, é o único conseguido;

- Dos que tendo ficado com horário-zero procuraram fugir ao despedimento que se travestia de requalificação;

- A luta por uma aposentação muito antes do caixão;

- A luta dos docentes aposentados que têm sido tão ou mais maltratados que os seus colegas no ativo.

A FENPROF esteve em todas estas lutas!

Nestes difíceis anos que vivemos, foi notório o cerco da direita à comunicação social e a FENPROF como, em geral, o movimento sindical unitário e os mais consequentes opositores às políticas de direita passaram a ter curta presença nos media.

Não seria assim se, dos sindicalistas, se suspeitasse que se envolviam nos “negócios” da moda: corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de influências, desvio de dinheiros públicos ou privados para fins ilícitos, compra ou venda nem que fosse de barcos a remos; se contribuíssem para levar bancos à falência, ou tivessem grandes amigos com sotaque beirão ou passaporte panamiano, se pagassem impostos na Holanda, fugissem ao fisco, falsificassem documentos ou constituíssem offshores em paraísos fiscais.

O problema é que os sindicalistas outra coisa não fazem que não seja defender os interesses de quem trabalha, lutar pelos direitos individuais e coletivos, agir solidariamente com os mais fragilizados, incluindo os que, no mundo, fogem da morte e procuram refúgio longe dela. Os sindicalistas passam muito do seu tempo em reuniões na construção de propostas que apresentam a governos e patronato. Organizam lutas em defesa de uma sociedade justa e verdadeiramente solidária… E isso, para a caneta e a língua daqueles que o capital alimenta a caviar, é indesculpável, pelo que dedicam parte do seu tempo a manipular a opinião pública, tentando virá-la contra quem denuncia e combate a mão que os alimenta.

Se a situação nacional, após estes anos, é difícil e complexa, no plano internacional as coisas não estão melhores. No mundo, a exploração e as desigualdades cresceram, temos mais focos de tensão e conflito e as perseguições, prisões e assassínios dispararam. Entretanto, de forma mais explícita, o capital tenta dominar em todas as regiões, com o pressing maior, depois de destruídas várias nações magrebinas e do médio oriente, a recair sobre nações que, na América Latina, mais lhe têm batido o pé.

O que nos tem chegado do Brasil, um país irmão, daí estarmos ainda mais atentos, ilustra o que afirmei. O que vimos no passado dia 17, em direto na televisão, foi apenas mais um episódio de uma longa novela que poderia chamar-se “O crime compensa”. É extraordinário vermos corruptos e saudosistas da ditadura a liderarem um movimento pela demissão de um governo legitimamente eleito e cuja presidente não está acusada de qualquer crime, nem sob suspeita de corrupção. Trata-se, na verdade, de um golpe sujo travestido de ato democrático e a FENPROF já manifestou e reitera, nesta sua reunião magna, toda a solidariedade junto dos companheiros das confederações sindicais de professores brasileiros, cujos presidentes estão aqui connosco. Eles têm sabido lutar pelos direitos dos trabalhadores, contestando as medidas do governo que os prejudicam, mas sem perder de vista que o que está em curso e a direita pretende é outra coisa. O povo brasileiro não esquece a ditadura e, aconteça o que acontecer, estamos certos que saberá defender a democracia, impedindo o regresso ao passado.

Na Europa, a situação continua marcada pela ingerência dos mais fortes na vida dos restantes e as exceções são sempre à medida dos interesses dos primeiros. Nós portugueses sabemos bem o que isso é e conhecemos os sacrifícios que são impostos para alimentar interesses alheios. Uma ingerência que põe em causa a própria democracia e se ainda se admitem eleições nacionais, para os que se julgam donos do espaço europeu é indiferente a opção dos povos. Sob chantagem, impõem a chamada austeridade, ainda que o mandato dos governos democraticamente eleitos seja opor-se às políticas de austeridade. Desta forma, fica a soberania posta em causa, o que é gravíssimo!

No plano económico entrámos numa espiral que parece não ter fim: a dívida cresce, a austeridade aperta, o FMI reconhece que a austeridade falhou, a austeridade aperta ainda mais e a dívida continua a crescer. Entretanto, a economia vai sufocando e acabamos a assistir a lutas, não de galos, mas de abutres pelos despojos. Uns dão pelo nome de Santander ou Caixabank, outros chamam-se Santoro ou China Three Gorges.

Simultaneamente, têm crescido as ameaças e os atos terroristas que merecem o nosso forte repúdio. França, Bélgica, Turquia, Tunísia, Iémen, Líbia, Síria, Iraque, Palestina ou Sahara Ocidental, sendo estes últimos territórios ocupados, são apenas alguns países onde o medo e a morte ganharam terreno. Sem pôr em causa a necessidade de garantir a segurança dos cidadãos, há, no entanto, que rejeitar o que alguns estados já anunciaram: limitações ao exercício de liberdades individuais e coletivas.

Mas, por vezes, o terror é imposto pelos próprios estados, como acontece na Ucrânia, onde sindicalistas foram assassinados pelo fogo dentro da sede dos seus sindicatos, ou na Colômbia onde 16 sindicalistas foram assassinados só no último ano. O nosso repúdio é igualmente total.

Referi-me antes a situações extremas que condenamos, mas não podemos ignorar outras, que não sendo tão brutalmente violentas, deverão ser igualmente condenadas pelos democratas. Há países que nos são próximos, por razões geográficas ou laços culturais, e que impõem limitações graves à liberdade de pensar, falar, agir, contestar ou lutar, algumas através da lei, outras por decisão política ou judicial. Temos disto em países de todos os continentes e entristece-nos ainda mais quando a intolerância se expressa em língua oficial portuguesa.

Este estado de intolerância e violência global não é gratuito. Ele é útil aos querem cavar cada vez mais as desigualdades, sendo uma das faces do atual estádio do capitalismo. Existissem dúvidas e os números dissipá-las-iam: 1% da população mundial possui riqueza igual aos restantes 99%; 319 milhões de pessoas vivem com pouco mais de 1 dólar por dia; no mundo há 200 milhões de desempregados, 168 milhões de crianças em trabalho infantil, 21 milhões de pessoas em trabalho forçado e 232 milhões de pessoas forçadas a migrações. Como se isto não bastasse, preparam-se ataques ainda mais brutais à soberania dos estados, aos direitos dos trabalhadores e à vida das pessoas. Refiro-me a tratados como o TTIP, o TPP ou o TISA, que procuram reconfigurar os estados à medida dos interesses do capital.

Nada disto é inevitável e não nos venham falar de crise para que nos tornemos dóceis, acomodados ou compreensivos. Como afirmou Juan Somavia, em 2011, quando ainda era diretor-geral da OIT, “o respeito pelos princípios e direitos fundamentais do trabalho não são negociáveis nem mesmo em tempo de crise”.

É neste quadro, que é negro, mas real, que a Escola assume maior importância. Não a escola que operadores privados usam para fazer dinheiro ou para formar as elites, mas a escola democrática. A este propósito, recordo que até o Papa Francisco, em novembro passado, se afirmou envergonhado pelo facto de muitos dos colégios católicos optarem por uma educação elitista e seletiva, acrescentando que essa elitização e seletividade faziam com que a Educação, em vez de aproximar os povos, os afastasse entre ricos e pobres, defendendo, então, uma educação inclusiva por todos terem direitos iguais. Estavam, nesse congresso internacional das escolas católicas, representantes portugueses, mas não consta que tenham aprendido com o que ouviram.

O importante papel que a Escola tem a desempenhar, passa por ensinar, sem dúvida, mas também por educar. Educar para a paz, para a tolerância, para a solidariedade, para os valores da democracia… esse terá de ser papel da Escola. Da Escola Pública. Da Escola Democrática. Daí serem tão fortes os interesses que se opõem à Escola Pública Democrática; daí ser tão grande a responsabilidade de cada um de nós em defendê-la, em particular de quantos entendem que uma educação pública de qualidade para todos é fator fundamental de transformação social.

E foi neste quadro internacional tão negativo que, em Portugal, chegámos a 4 de outubro de 2015. Nesse dia, os portugueses aproveitaram as eleições para interromperem o caminho que a direita já tinha traçado e dado como certo. Os deputados eleitos, em 10 de novembro, confirmaram o fim da maioria de direita e do seu governo.

Na presente Legislatura, as primeiras medidas foram importantes para os professores, indo ao encontro de reivindicações que foram bandeiras das suas lutas: o fim da PACC, da requalificação, do exame Cambridge, das BCE, dos exames nos 4.º e 6.º anos ou a reposição integral dos salários ainda em 2016.

Depois destas primeiras medidas, entrámos numa fase em que o ME, talvez “apertado” pelos comentários da direita e condicionado pelo ex-ministro que agora preside ao CNE, de onde sopra grãos de areia para a engrenagem da mudança, por vezes, parece hesitante no caminho. Refugia-se, na aprovação de determinados regulamentos legais, em procedimentos de consulta pública que, por alegada urgência, passam por cima de fases importantes de auscultação.

No plano negocial, depois de um longo período de silêncio, iniciar-se-á no próximo dia 3 um importante processo negocial sobre as normas de organização do próximo ano letivo, em que procuraremos introduzir medidas que valorizem as condições de trabalho dos professores, desde logo os seus horários de trabalho. Entretanto, começa a ser tempo de avançar para medidas de outro fôlego: a revisão global do regime de concursos, a aprovação de horários de trabalho que sejam pedagogicamente adequados, o descongelamento da progressão nas carreiras, a aprovação de um regime de aposentação específico para trabalhadores que, comprovadamente, sofrem um enorme desgaste físico e psicológico dada a atividade que desenvolvem, a revisão do estatuto do EPC conformando-o com a a Constituição da República, a revisão dos currículos e, nesse quadro, dos modelos de avaliação dos alunos e da própria organização dos ciclos, o modelo de descentralização do sistema educativo, entre outras.

Para assegurar as mudanças que se impõem, há que garantir o investimento que o OE para este ano não contempla e estabelecer um clima de permanente diálogo e discussão política que o acordo para a realização de encontros trimestrais, a par de diversos processos negociais, poderá garantir se o diálogo for consequente. Registámos positivamente o discurso, saudámos as primeiras medidas tomadas e não ignoramos a disponibilidade manifestada, mas reafirmamos que o sistema precisa de obras de fundo. Urgem os projetos de mudança e exige-se coragem para que a caravana passe, apesar dos ruídos que possam ser ouvidos.

Nunca a luta pela inclusão e o investimento numa Escola Pública de qualidade foi tão importante porque as desigualdades sociais em Portugal nunca foram tão acentuadas e o seu impacto tão forte nas crianças. Relatório da UNICEF há dias divulgado, sobre as desigualdades no rendimento das crianças, coloca Portugal no 33.º lugar de uma lista de 41. O grupo das crianças portuguesas mais pobres tem um rendimento que fica 60% abaixo de uma média que, já de si, é muito baixa.

Ainda de acordo com a UNICEF, uma em cada três crianças vive em privação material. Pertencendo esta ao grupo das mais pobres, a probabilidade de não ter acesso a um conjunto de bens e serviços essenciais aumenta em 70%. Portugal e Grécia são os países onde as prestações sociais têm menor impacto na redução das desigualdades no rendimento das crianças, pelo facto de serem extremamente baixas face às enormes necessidades das famílias.

Estas crianças, felizmente, chegam à escola que as acolhe, a Escola Pública. E se são as políticas gerais e setoriais do governo, designadamente as laborais, sociais e económicas que podem dar resposta a tão grave problema, num momento destes, a Escola Pública tem também de o enfrentar, sendo enorme a sua responsabilidade. Não conseguirá eliminar as diferenças, mas terá de garantir os apoios indispensáveis a estes meninos, para que tenham, não só acesso à educação e a um ensino de qualidade, mas sucesso no seu percurso escolar e de vida. É nisto que a Escola Pública terá de fazer a diferença, proporcionando condições de igualdade de oportunidade. Condições que as políticas de direita negaram, porque apostam numa escola de matriz diferente.

A estratégia sindical que definiremos neste congresso é para um mandato que coincidirá com o período fértil da Legislatura. Nele, sendo muitos os nossos objetivos reivindicativos, destaco dois que teremos como essenciais: a defesa intransigente dos estatutos de carreira docente, recusando liminarmente a sua eliminação e consequente integração num regime geral; a luta determinada por um modelo de gestão democrática para as escolas, convictos de que uma escola que não é democrática, não pode formar cidadãos e cidadãs para a democracia. Neste caso, estamos também perante uma questão de cidadania, sendo matéria que já apresentámos ao ME como de elevada importância. A iniciativa que proporemos neste congresso ajudará a reintroduzir esta questão na agenda dos professores.

Quanto aos estatutos de carreira, lembro que, por exemplo, em relação ao ECD os professores nunca se dispensaram de o defender. A sua exigência é anterior ao 25 de Abril, quando os professores ainda estavam proibidos de ter sindicatos mas já se organizavam nos Grupos de Estudo; foi tema central do Congresso constituinte da FENPROF em 1983; levou os professores a fazerem 13 dias de greve em 1989/90, ano em que o ECD foi aprovado; de todas as lutas que fizemos em torno do ECD saímos sempre vencedores: nos anos 90, obtivemos a contagem integral do tempo de serviço e acabámos com a prova de candidatura; em 98, conseguimos que as grelhas salariais integrassem o corpo do estatuto; em 2010, eliminámos a divisão entre professores e titulares; agora extinguimos a PACC. Tão rico património de ganhos permite-nos afirmar que, se algum governo tentar acabar com o ECD, ou dele retirar a estrutura de carreira e a tabela salarial autónoma dos professores, faremos dessa luta o jogo das nossas vidas. Se necessário, nesse jogo, comeremos a relva, mas sairemos vencedores mesmo conhecendo a força do adversário. Também em relação ao ensino superior, embora com história diferente, a defesa dos estatutos de carreira será também, se forem postos em causa, motivo suficientemente forte para a mobilização dos docentes.

No mandato que se seguirá, queremos ter uma FENPROF ainda mais forte. Reconhecida no plano internacional, como já hoje é, e ainda mais reconhecida pelos professores portugueses como a sua grande organização sindical e que os representa no âmbito do movimento sindical unitário corporizado na CGTP.

Num quadro tão difícil em que o sistema educativo perdeu mais de 20% dos seus professores, os Sindicatos da FENPROF tiveram uma quebra inferior a 5%. Reforçámos a nossa representatividade, é verdade, mas isso não chega, queremos aumentar, também, o número de associados, renovar a nossa ação e rejuvenescer o nosso corpo dirigente. E foi precisamente a pensar no futuro que propusemos ao delegado mais jovem de cada Sindicato que transportasse a bandeira da sua organização e a colocasse no palco.

Estou certo de que, neste 12.º Congresso, saberemos encontrar os caminhos para continuarmos a ter uma FENPROF capaz de responder às questões da Educação, às dificuldades da Escola Pública, aos problemas dos docentes do pré-escolar ao superior, sejam do público, do privado ou do setor social. Uma FENPROF capaz de convergir com outras organizações de professores sempre que estejam em causa aspetos essenciais à profissão. Uma FENPROF que continuará a rejeitar o corporativismo e se envolverá em ações e lutas gerais dos trabalhadores, sejam eles da Administração Pública, do setor empresarial do estado ou do setor privado. É certo que o tempo é outro, mas, não nos iludamos, não nos dispensará de lutar. Se há melhores condições para conseguirmos resultados positivos, isso aumenta a nossa responsabilidade em obtê-los

Nós, professores, desempenhamos um importante papel na sociedade. Como profissionais que somos, assumimos uma missão que é particularmente exigente, a de dar rosto ao futuro. A questão está entre sermos meros executores ou sermos artesãos. Olhando o rosto do presente, não temos dúvidas: os professores deverão ser artesãos de mudança. Compete ao nosso 12.º Congresso aprovar o caminho que devemos seguir.

Viva o 12.º Congresso Nacional dos Professores

Viva a FENPROF, os professores e todos os trabalhadores