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Artigo de Manuel Carvalho da Silva, "DN", 30/03/2005

Plano tecnológico, emprego e trabalho

04 de abril, 2005


A Direcção da CGTP-IN, ao apreciar o Programa do Governo, considerou-o ambicioso sobre a inovação e a investigação e desenvolvimento (plano tecnológico) e contendo indefinições e omissões importantes nas questões do emprego e do trabalho. São duas observações que importa analisar.

O Plano Tecnológico pode, efectivamente, constituir-se como componente essencial de uma estratégia de desenvolvimento, mas só dará resultados se essa estratégia de desenvolvimento existir, de facto, o que implica não se confundir o conceito de desenvolvimento com o necessário objectivo de crescimento económico, como sucede em vários pontos do Programa. Por outro lado, é imprescindível valorizar o planeamento de médio prazo que se deve reflectir nas Grandes Opções do Plano e nos Planos de Desenvolvimento Regionais.

O Plano Tecnológico exige uma aposta forte no sector produtivo e uma política industrial que, tomando as realidades do tecido empresarial, nomeadamente o peso das médias, pequenas e micro empresas, impulsione a sua modernização. Obriga, ainda, à tomada de medidas que assegurem a qualificação dos trabalhadores, a aprendizagem ao longo da vida, formação dos empresários, uma estratégia de educação não restringida a visões de estrita competitividade, a par do investimento público em I&D, com igual esforço por parte das empresas.

As propostas do Programa nestas áreas, estão longe de dar garantias à luz do estado actual da sociedade portuguesa e, em particular, face aos objectivos e comportamentos da maioria dos empresários, a quem cabe um papel decisivo nos sinais imediatos de mudança, ao nível organizacional e de gestão.

O segundo aspecto diz respeito às indefinições e omissões importantes nas questões do emprego e do trabalho.

O nível de emprego depende, sobretudo, da política económica. O Governo compromete-se a criar 150 mil empregos e a atingir um crescimento económico de 3%, usando como instrumentos principais o Plano Tecnológico e o investimento, tornando este mais eficiente. Deve-se porém ter em conta que os resultados do Plano Tecnológico não são imediatos e que a elevação da produtividade tem que ser suportada em políticas que incorporem preocupações sociais, sob pena de se agravar o desemprego. E não há soluções para o emprego sem combate à precariedade, tema que o Programa não aborda.

É imperdoável a omissão de compromissos quanto aos salários, ainda que estes dependam, essencialmente, da negociação colectiva e das práticas das empresas. O Estado é um grande empregador e o Salário Mínimo Nacional (SMN) tem um grande impacto, quer nos salários em geral, quer nas políticas sociais. O SMN não pode ter apenas uma função de "imunidade à pobreza", ele tem que ser também, instrumento de justiça na distribuição da riqueza e factor dinamizador da procura para impulsionar o crescimento económico.

A formação profissional tem formalmente um tratamento destacado no Programa. Entretanto, o número mínimo de horas de formação a que todos os trabalhadores têm direito por lei e que todas as empresas devem cumprir, é hoje de 20 horas anuais e, a partir de 1 de Janeiro de 2006, de 35 horas. O Programa, que é para quatro anos, compromete-se apenas com as 20 horas e não avança com compromissos sobre o reconhecimento e certificação das qualificações e das competências adquiridas pelos trabalhadores, em contexto de trabalho.

Sobre a legislação de trabalho, diz-se que o Governo promoverá a revisão do Código de Trabalho com base nas "propostas de alteração apresentadas na Assembleia da República", mas acrescenta-se que se terá em conta a avaliação do novo regime legal, o que pode remeter para as calendas a sua revisão. E as preocupações são maiores quanto à contratação colectiva que o Governo reconhece estar em crise como consequência das normas referentes à caducidade das convenções colectivas. O Governo não pode ficar-se pela proposta de discutir com os parceiros sociais e de pôr funcionar a arbitragem obrigatória. A arbitragem é um recurso extraordinário e não um instrumento de utilização regular de negociação colectiva.

Estamos no início de um novo ciclo político. É tempo de contribuir para que se implementem propostas positivas que o Governo vá assumindo, e o Programa tem algumas, mas também se exige um forte sentido crítico e acção reivindicativa, sob pena de não haver mudanças.

MCS