Internacional
Iniciativa da FENPROF em Lisboa reuniu convidados nacionais e estrangeiros

“A mudança começa na Escola, com os Professores!”

09 de outubro, 2010

Decorreu na tarde de sábado, 9 de Outubro,  no auditório da Escola Secundária Luis de Camões, em Lisboa (foto), a primeira de duas sessões evocativas do Dia Mundial dos Professores, organizadas por iniciativa da FENPROF. Convidados nacionais e estrangeiros de prestígio asseguraram um conjunto de intervenções muito interessantes.

A iniciativa teve dois painéis. O primeiro contou com as intervenções de  Ana Maria Bettencourt, Presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE); e Rui Canário, investigador e docente do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. João Cunha Serra, Presidente do Conselho Nacional da FENPROF, moderou este primeiro momento de debate.

A seguir, os participantes nesta jornada comemorativa do 5 de Outubro  - a próxima decorrerá no sábado, 16 de Outubro, na cidade do Fundão -ouviram  Luís Iglésias (FECCOO, Espanha) e André Robert (investigador e docente universitário, França). Manuela Mendonça, membro do Secretariado Nacional da FENPROF e dirigente do SPN, moderou este segundo painel.

O papel da Educação

A Presidente do CNE saudou o Dia Mundial dos Professores, realçou o empenhamento dos professores e da escola no desenvolvimento do sistema educativo português e ainda o papel da Educação e da Escola Pública na vida das sociedades. Lembrou que "não há liberdade sem Educação".

Mais adiante, salientou a acção da I República em prol da Educação, em contraste com "os anos negros da ditadura".

"Os Professores são decisivos", garantiu Ana Maria Bettencourt, abordando "duas dimensões centrais", que são também desafios e que se colocam no dia-a-dia das escolas: a igualdade de oportunidades e a qualidade. A propósito, afirmaria: "Penso que os professores são os bodes expiatórios de uma organização que perpetua as desigualdades, que, como se sabe, ultrapassam o universo da escola".

"A invenção do futuro tem que ser feita
com os professores"

"Temos uma sociedade que ainda valoriza pouco a Educação", alertou a responsável do CNE. Noutra passagem da sua intervenção, abordou temas como a qualificação de adultos, a evolução da taxa de cobertura do pré-escolar e a variedade de culturas que encontramos hoje nas escolas portuguesas, com a presença de numerosas crianças e jovens de famílias emigrantes.

Em tempo de "crise", observou noutra passagem, "a Educação não pode ficar para trás", frisando mais adiante: "A invenção do futuro tem que ser feita com os professores".

Outra frase a reter das palavras da responsável do CNE, sublinhada pelos aplausos do auditório: "Os rankings de escola enganam muito a sociedade".

Mário Dionísio,
"demolidor de banalidades"

Rui Canário lembrou a figura de Mário Dionísio, professor do Liceu Camões, escritor, ensaísta, pintor, intelectual de corpo inteiro, "denunciador de dúvidas e demolidor de banalidades", como o escritor  Mário de Carvalho justamente o caracterizou.

O docente e investigador da Universidade de Lisboa, outro profundo conhecedor das questões da Educação em Portugal, dedicou grande parte da sua intervenção ao exemplo de Mário Dionísio e à sua "dimensão criativa de ensinar".

Noutra passagem, observou que "o consenso retórico sobre a importância dos professores” contrasta fortemente com “o período difícil que estes atravessam " e com "a degradação das condições de exercício da profissão".

Três grandes desafios

Rui Canário teve ainda oportunidade de sintetizar "três grandes desafios" que se colocam nos nossos dias no panorama da profissão docente e da educação (em Portugal e na Europa em geral):

1. Construir uma profissão com futuro (lembrou a propósito o elevado número de aposentações antecipadas, assim como as dificuldades que já se sentem hoje em vários países no recrutamento de jovens professores);
2. Responder eficazmente à invasão da escola pelos problemas sociais (alertando para os riscos de fragmentação e hierarquização da escola e da profissão);
3. Reforçar o profissionalismo dos docentes (considerando a autonomia, a auto-regulação e o reconhecimento público dimensões fundamentais para esse reforço)

A este respeito, lembrou ainda os tempos em os professores eram uma elite intelectual que dispunha de tempo para pensar, escrever poemas, preparar meticulosamente as suas aulas…, contrapondo a essa a situação actual, em que os professores são "vítimas" de incompreensíveis exigências burocráticas.

"Os professores devem ser ouvidos. Os professores devem ter a palavra", destacou o investigador. 


França: "orientação neoliberal

de alta intensidade"

André Robert, investigador e docente (Universidade de Lyon), fez uma breve retrospectiva da Educação em França desde meados do século XX, caracterizando três etapas:

- do pós-Guerra até 1975, período de avanços no sistema educativo. Foram “30 anos gloriosos”, de grande confiança na escola e na sua acção, também de afirmação do Estado Providência, economicamente modernizador e socialmente protector. Neste período, a escola francesa moderniza-se e democratiza-se;

- de 1975 até à era Sarkozy, um período de “20 anos descendentes”, caracterizado por alguma incerteza relativamente às missões da escola, em que as políticas são influenciadas pelas teorias liberais do Estado “managerial” e regulador, políticas implementadas alternadamente por governos socialistas e de direita. A escola continua a fazer progressos ao nível da democratização, mas é já objecto de grandes ataques por parte do liberalismo e do sector privado;

- depois de 2000, e particularmente depois de 2007, com Sarkozy no poder, assiste-se a uma ruptura no sentido do neoliberalismo. “Passámos de uma orientação neoliberal de baixa intensidade para uma de muito alta intensidade”, sublinhou André Robert. "É o modelo da competição". As escolas transformam-se em "laboratórios de experiências" para esta brutal ofensiva neoliberal, alertou o investigador francês - investigador nas áreas das ciências da educação, das políticas educativas e do sindicalismo docente - sublinhando o papel da Universidade neste contexto, com a autonomia a favorecer lógicas de privatização e a avaliação a promover a competição entre universidades e universitários.

A asfixia dos recrutamentos, a supressão da formação de professores, a redução das verbas para a Educação, as privatizações envolvendo o sistema educativo, a alteração dos regimes de aposentação, são traços da situação que se vive hoje em França.

Procurando responder à questão “a escola já se tornou neoliberal ou podemos ter confiança no movimento social para contrariar esta ofensiva?”, o docente universitário garantiu que "é possível resistir", realçando a presença dos professores - recentemente já fizeram três greves - no "vasto movimento social" que se desenvolve em França contra as políticas de Sarkozy.

Os docentes franceses exigem um novo rumo para a Educação.  Em oposição a uma escola burocratizada e de guetos, dinamizam-se as propostas de uma "escola criativa", democrática, capaz de formar cidadãos intervenientes, concluiu André Robert.

Espanha: "desenvolver a dimensão
social da educação"

Por seu turno, Luís Iglésias, da FECCOO (Federação de Ensino), registou "a situação actual da escola pública em Espanha, os ataques que tem sofrido e o que pode ser feito para a defender".

O dirigente sindical mostrou, através de quadros bem expressivos, as contradições entre os objectivos gerais anunciados no quadro na União Europeia para a Educação e a realidade educativa em Espanha. Objectivos "nobres" que não se respeitam... Um exemplo: percentagem do  PIB dedicado ao ensino (UE: 5,5; Espanha: 4,5).

Iglésias lembrou que há uma Lei Orgânica da Educação em Espanha (aprovada em Maio de 2006), mas cada comunidade, cada região, tem opções, sensibilidades e políticas diferentes, com natural expressão na vida dos estabelecimentos de ensino e nos próprios salários dos professores, que podem variar significativamente de região para região.

Privatizações, contratação de professores entregue a empresas privadas em muitos dos municípios, externalização de serviços, redução de unidades escolares dedicadas à diversidade, redução da formação de professores, aumento do número de alunos por turma - são expressões de uma política que os professores e as suas organizações representativas do país vizinho criticam energicamente.

O dirigente das "Comissiones Obreras" alertou para as consequências do plano de austeridade nos ministérios e de uma política que apostou nos congelamentos e cortes salariais, no aumento da idade da reforma e no congelamento da oferta de emprego público.

Luis Iglésias falou ainda das propostas da FECCOO para a valorização da escola pública e da educação, destacando a necessidade de "desenvolver a dimensão social da educação", incrementar "a participação da comunidade educativa" e também de "promover um plano de implementação das novas tecnologias".

A valorização dos profissionais do ensino e a necessidade de convergência com a UE em matéria de PIB/Educação, foram também abordadas pelo dirigente sindical. A terminar, deixou palavras de Saramago sobre a necessidade de mudança (“Há que mudar a vida. Se não mudarmos de vida, não mudaremos a vida.”) e deixou uma expressiva mensagem, devidamente enquadrada por um breve vídeo: "Em África uma criança que vai à escola tem 50 por cento de hipóteses mais de sobreviver".

Sublinhando a necessidade de resistir à ofensiva neoliberal sobre a escola, “pode estar-se derrotado, mas nunca domado” terminou reafirmando a importância do direito à educação da sua defesa “lutar pelo ensino público é lutar pelo progresso social”.

Após as intervenções dos convidados dos dois painéis, houve espaço para debate com breves reflexões e perguntas da assistência.

 Professores à luta

A intervenção de encerramento coube a Mário Nogueira, que agradeceu a participação dos convidados e dos seus "importantes contributos" e a gentileza da Direcção da Secundária Camões, que cedeu "este óptimo auditório".

Entre outros aspectos, o Secretário Geral da FENPROF chamou a atenção para o trabalho de esclarecimento e mobilização em torno da manifestação nacional da Administração Pública de 6 de Novembro e para a Greve Geral de 24 de Novembro, destacando igualmente as acções específicas dos educadores e professores.

Já no final, Manuel Freire leu poemas e interpretou canções da nossa terra, da nossa história colectiva, também das lutas e das esperanças que acompanham a intervenção dos professores na sociedade. Naturalmente, todo o auditório cantou a "Pedra Filosofal"...  

A iniciativa da FENPROF  teve como lema “A mudança começa na Escola, com os Professores!”. / JPO