Iniciativas
"Conversas de Abril"

Alunos da Escola Secundária de Camarate visitaram forte de Peniche

12 de abril, 2014

Peniche ESCamarate 2014 1"Não é fácil voltar aqui, nem é de ânimo leve que passeio por esta fortaleza. Estou a tentar conter a emoção. Isto foi muito difícil, muito cruel", disse Mário José Araújo, ex-preso político, aos alunos da Escola Secundária de Camarate que com ele visitaram o Forte de Peniche.

A deslocação a Peniche, no âmbito da "Revolução com Futuro" - as comemorações do 40º aniversário do 25 de Abril promovidas pela Câmara de Loures, entre 15 de Março e 04 de Maio -, realizou-se dia 20 de Março e, para além de um diálogo com Mário Araújo, incluiu visitas à exposição "Forte de Peniche, local de repressão, resistência e luta" e a todo o Forte.


"Esteve aqui porque era contra o Estado ou cometeu algum crime", perguntou um dos estudantes. Mário Aráujo, 79 anos, um dos 2 487 presos políticos que estiveram detidos no Forte respondeu a esta e outras dúvidas dos estudantes, enquanto apelava para que os jovens conheçam a história dos anos do fascismo e para que lutem para que nada de igual volte a acontecer.
"Esta era uma prisão de homens bons, ninguém cometeu crime algum. Estávamos aqui porque decidimos lutar pela democracia, por trabalho e por melhores condições de vida, a que só os ricos tinham acesso", esclareceu.

A exposição "Forte de Peniche, local de repressão, resistência e luta", inaugurada a 3 de Janeiro último, descreve a vida prisional, a intervenção da Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE) no Forte e junto da população de Peniche, a imprensa clandestina, as fugas das prisões fascistas e a solidariedade para com os presos políticos.

Peniche ESCamarate 2014 3Localizada junto à portaria e ao Salão Nobre da Fortaleza, o grupo passou ao chamado Parlatório, estrutura anexa à prisão política, construída em 1967, e utilizada como local de visita aos reclusos, até Abril de 1974.
Este espaço procura proporcionar um contacto sensorial com as características de acústica e de isolamento criadas no interior do Parlatório. Ao meio, uma banca separa as visitas dos presos através de um vidro e uma rede metálica. As conversas eram sempre acompanhadas por um guarda que as tinha de ouvir e compreender.
"Só tínhamos uma visita por semana, e era de familiares em primeiro grau. Cunhados, por exemplo, só em situações excepcionais. Conseguem imaginar, ter que dar um beijo a um filho através de um vidro? Era uma atrocidade e uma falta de humanidade. Quando voltávamos para dentro ainda íamos pior", recordou.


Em seguida os alunos foram para o "Segredo", local onde eram encarcerados os presos políticos que por algum motivo eram castigados. Aqui ficavam completamente isolados e sem qualquer contacto com os outros prisioneiros.
Nesse local, Mário Araújo lembrou o episódio da evasão, em 1954, de António Dias Lourenço, "sem auxílio exterior, só uma coragem e determinação notáveis".

Peniche ESCamarate 2014 2Os estudantes passaram ainda pelo refeitório, "onde não podia haver qualquer tipo de diálogo. Até para pedir um garfo era preciso o guarda dar autorização. Senão íamos directamente para o Segredo".

Além da cela onde Mário Araújo esteve com mais doze presos políticos, o grupo pôde ainda visitar o local de onde Álvaro Cunhal e mais dez dirigentes e militantes do PCP fugiram a 3 de Janeiro de 1960.
Segundo descreveu, parou, frente ao Forte, um carro com o porta-bagagens aberto. Era o sinal de que, do exterior, estava tudo a postos. Quem deu o sinal foi Rogério Paulo, actor, já falecido.
Dado e recebido o sinal, no interior do Forte dá-se início à acção planeada. O carcereiro foi neutralizado com uma anestesia e com a ajuda de uma sentinela – José Alves – integrado na organização da fuga, os fugitivos passaram, então, sem serem notados, à parte mais exposta do percurso.
Estando no piso superior, desceram para o piso de baixo por uma árvore. Daí correram para a muralha exterior para descerem, um a um, através de uma corda feita de lençóis para o fosso exterior do forte. Tiveram ainda que saltar um muro para chegar à vila, onde estavam à espera os automóveis que os haviam de transportar para as casas clandestinas para passarem a noite.

Forte de Peniche: lugar de repressão
e resistência


O Forte de Peniche foi edificado no século XVI na então ilha de Peniche e destinava-se à defesa das populações das incursões dos corsários.
Embora começasse a ser utilizado como prisão no século XVII e se tenha alargado essa função no decorrer das guerras liberais (século XIX), foi com a instauração da ditadura fascista, e consequente reforço de todo o sistema de organização repressiva que se seguiu, que o uso do Forte de Peniche como prisão se tornou regular, tornando-se desde então a sua história, até ao 25 de Abril de 1974, indissociável da repressão fascista e da resistência à ditadura.

Com a sua entrega, em 1934, à jurisdição da PVDE (Polícia de Vigilância de Defesa do Estado), o Forte de Peniche tornou-se, das várias prisões fascistas no continente, a mais importante prisão para presos políticos.
O regime prisional vigente no Forte de Peniche foi sempre dos mais rigorosos e em muitos aspectos pautado pela arbitrariedade: vigilância permanente, regime alimentar deficiente, limitações no contacto com as famílias e isolamento, jornais censurados e proibição de acesso a livros.