Intervenções
14.º Congresso

Vítor Godinho (SN): Concursos e Precariedade

17 de maio, 2022

A precariedade constitui hoje uma triste marca de água da nossa profissão, como confirmam os números a esta associados, que veremos adiante, devendo estar no centro da nossa intervenção sindical.

Associados à incerteza quanto à continuidade do frágil vínculo laboral que caracteriza as relações contratuais precárias, estão – ou não fossem precisamente esses os seus objetivos – os salários mais baixos, piores condições de trabalho e de horário, uma proteção social mais frágil e regimes de férias, faltas e licenças e de avaliação mais penalizadores, para citar alguns exemplos. Ao mesmo tempo, a precariedade condiciona ou determina o adiamento da concretização de projetos de organização pessoal, familiar e social a que os docentes visados, como seres humanos, têm inalienável direito.

Mas a precariedade não se limita a criar problemas aos nela diretamente implicados, pois constitui um elemento de forte pressão exercida no sentido da erosão dos direitos arduamente conquistados por todos, incluindo os ditos não precários, ao mesmo tempo que dificulta a organização e o normal funcionamento das escolas, prejudicando o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.

Em tempo de progressivo aumento da falta de professores, com efeitos já bem visíveis em algumas regiões do país, e em tempo de rescaldo de um “combate decidido à precariedade”  a que se comprometeu António Costa há 6 anos, não deixa de ser paradoxal que o número de docentes contratados a termo não pare de crescer, como o demonstra o gráfico que aqui podemos observar:

O gráfico apresenta a evolução do número de docentes que vincularam ao ME nos últimos 3 anos (barras a verde), em contraste com o número de contratados a termo nos mesmos anos, considerados apenas os que o foram em horário anual e completo até ao último dia definido no Calendário Escolar para o início de cada ano letivo em causa (barras a vermelho).

Dois dados saltam à vista:

1.º - Em qualquer dos anos analisados, o número de vinculações é várias vezes ultrapassado pelo de contratações a termo, o que confirma que o ME poderia abrir muito mais vagas a concurso do que o que tem feito, ou, visto de uma outra perspetiva, que a precariedade é uma opção política; a este propósito, recordo que no concurso externo que ainda decorre, para o ano 2022-2023, foram abertas 3259 vagas, número que fica muito aquém dos 9370 docentes contratados em horário anual e completo até 17 de setembro de 2021.

2.º - Não obstante o crescimento do número de entradas em quadro que se tem vindo a observar, tal não tem travado o aumento de contratados a termo no sistema, prova inequívoca do agravamento da precariedade.

Um outro indício contundente da precariedade está na idade e no tempo de serviço que em média é preciso acumular para entrar em quadro, cuja evolução nos últimos 3 anos letivos podemos observar neste outro gráfico:

Como se constata, não só os dois indicadores são elevados em qualquer dos últimos 3 anos letivos, como têm tendido a aumentar, exceção feita para o ligeiríssimo recuo na idade observado entre os anos letivos 2020-2021 e 2021-2022.

Ainda mais eloquente do que estes dados está o relativo à extensão do tempo de serviço dos docentes que, nos mesmos 3 anos letivos, ficaram do lado de fora da porta da vinculação, o que pode ser observado no gráfico seguinte:

Como se observa, exceção feita ao leve recuo verificado no grupo dos docentes com 10 ou mais anos de serviço entre os dois últimos anos letivos, a tendência é de aumento do número de docentes com muito tempo de serviço que, ano após ano, são arredados da entrada nos quadros. Tomando o último ano como exemplo, 2021-2022, são mais os docentes com 10 ou mais anos de serviço (11351), e até com 15 ou mais anos (4991), que não lograram entrar nos quadros do que o número de vagas abertas no concurso para 2021-2022 (3259)!!

Pouco interessa qual o ângulo por onde se olha este problema; o avolumar da precariedade que estes dados atestam, confirma o que há muito a FENPROF vem denunciando: que a designada norma-travão – que exige, para que a vinculação se torne imperativa, que os docentes acumulem 3 anos sucessivos de contratos em horários anuais e completos – é profundamente ineficaz para o cumprimento do propósito para que, alegadamente, foi consagrada – o de impedir o abuso do recurso à contratação a termo.

Partiremos, pois, para o processo negocial de alteração global do diploma de concursos tendo como um dos principais objetivos o de rever positivamente esta norma travão. A este propósito recupero aqui aquela que foi a última proposta apresentada pela FENPROF: vincular todos os docentes com 3 anos completos de serviço, desde que cumprida alguma continuidade de funções com o ME.

Infelizmente, o combate à precariedade não é o único objetivo com que vamos para a revisão do regime legal de concursos, existindo outros graves problemas que devemos atacar com igual determinação. Nesse sentido, a FENPROF defende também, entre muitas outras propostas:

  • O aumento do número de vagas de QA/QE abertas a concurso;
  • A fusão de prioridades nos concursos interno e de mobilidade interna, que coloque em pé de igualdade docentes dos quadros de escola/agrupamento de escolas e docentes de QZP;
  • A redução das áreas geográficas dos QZP;
  • Que os candidatos aos concursos externo e interno se candidatem a todas as vagas de QZP ou QA/QE abertas a concurso que entendam.

Estas são algumas das propostas da FENPROF, mas tenhamos consciência de que, do lado do ME, os propósitos para esta negociação são outros e que até já sabemos quais são. A luta que travaremos neste âmbito é pela manutenção dos princípios do concurso nacional centralizado e do primado da graduação profissional como critério basilar da ordenação dos candidatos, princípios que são o alvo a abater pelo ME.

Saibam os professores separar o principal, a defesa de princípios, do acessório, a defesa de conveniências individuais, e encontrar-se-ão pontos de convergência entre todos para a luta que interessa numa matéria que, reconheçamo-lo, sempre dividiu os professores. Não viraremos a cara a esta luta!

 

Viva o 14.º Congresso Nacional dos Professores!