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Paulo Sucena Secretário-Geral da FENPROF

Reflectir, organizar e agir para vencer

18 de março, 2004

I ? O TEMPO E SUAS MARCAS

1. Claudio Veliz disse algures que ?o espírito do nosso tempo? ou é demasiado rápido ou demasiado letárgico; ou muda demais ou muda de forma insuficiente; causa confusão e equívocos?.

Equívocos, por exemplo, relativos àquilo que certa gente designa como época ?pós-industrial?, caracterizada pelo abandono de velhas fábricas, sujas e insalubres, paulatinamente substituídas por grandes complexos industriais altamente automatizados. Este processo, há longo tempo referenciado, foi abrindo grandes esperanças no que concerne ao mundo do trabalho e à qualidade da fruição da vida humana. A partir da década de 60, os sociólogos reforçaram a sua preocupação com a inevitável redução do horário de trabalho e com as próprias características deste, cada vez mais longe dos estereótipos repetitivos e alienantes e cada vez caminhando mais em direcção a parâmetros de inovação e criatividade.

Porém, isso não se verificou pelo menos nos termos em que era esperado. Na verdade, as possibilidades abertas pelas novas tecnologias confinaram-se a um reduzido número de especialistas. A natureza global do trabalho não mudou para a maioria dos outros trabalhadores. O que se verifica, efectivamente, é que a ?industrialização? à moda antiga se expandiu em muitas empresas não-industrais e impôs as suas regras de controle mecânico dos índices de rendimento e dos ritmos de trabalho, em horários semanais que desceram, entre 1840 e 1940, de 72 horas para 40 horas, tempo que ainda vem perdurando nos dias de hoje. Entretanto, os trabalhadores excedentários e os jovens vivem angustiadamente a procura de um emprego de ?segunda classe? e de baixos salários.

2. Todavia, é necessário referir que a produção material está indubitavelmente a mudar a humanidade. Tenha-se em atenção, por exemplo, que a produção ?primária? e ?secundária? (agricultura, minas, transportes, manufacturas) ocupam menos de 1/4 da população activa e a percentagem ainda poderia ser menor se não houvesse, entre outros motivos, camponeses subvencionados para nada produzirem.

Vivemos assim numa frustrante tensão sem soluções à vista: ora nos parece estarmos próximos de uma sociedade de lazer ora sentimos que ainda estamos longe de uma sociedade que possibilite a cada um o seu espaço de criatividade pessoal. E uma pergunta dilacerante surge: haverá muita gente que o deseje?

Um pensador moderno, usando outras palavras, afirmou que ?o carácter essencial da época encontra-se na oposição e tensão entre os dois significados nucleares: a autonomia individual e social por um lado, o alargamento ilimitado da ?dominação racional?, pelo outro, a qual tem acelerado a expansão do capitalismo neoliberal, nos países que se têm subordinado ao pensamento único.

3. Um olhar crítico sobre os nossos dias tem de ter em conta que a eclosão de duas guerras mundiais, para além de outros violentos confrontos bélicos, o aparecimento e instauração do nazi-fascismo, o debilitamento do movimento operário, o enfraquecimento da ideia de progresso contínuo lançaram as sociedades ocidentais numa outra fase. O projecto de autonomia da década de 60 entrou em perda acentuada perante o predomínio crescente das privatizações, da despolitização, do individualismo, da perda de valores e de uma forte alienação que grassam no interior das sociedades contemporâneas. Não direi que de uma forma absoluta mas, sem dúvida, que de uma forma extremamente relevante.

Acresce ainda que muitos daqueles a quem vulgarmente designamos por intelectuais patenteiam um entusiasmo quase acéfalo perante o que existe, tão só porque existe, postergando irremediavelmente a sua função crítica. Atitude que tem como nefasta consequência a movimentação de muitos humanos impulsionados pelo chamado pensamento fraco, il pensiero debole que se limita a plasmar-se, em cada circunstância, com o produto da razão capitalista.

Alguém disse não haver dúvidas de que o conformismo, a esterilidade e a banalidade, o tudo-serve são os traços característicos do período que vivemos em que o conformismo se torna patente com os milhões de telespectadores que consomem todas as inutilidades que quotidianamente lhes impingem.

4. O perigo que é necessário combater nesta época é o das pessoas continuarem a pensar que a expansão capitalista é um fenómeno irreversível e ilimitado. Essa pseudo-racionalidade, que o actual Governo parece ter herdado do pensamento pós-moderno, manifesta-se não só na predisposição para aceitar o ?fim? da história, da política, da luta de classes, das ideologias e por aí fora, mas também na crença de que o horizonte do presente é insuperável e não terá fim. Isto significa a aceitação dos ditames do capitalismo neoliberal encarado como indestrutível na sua essência determinante.

5. Permita-se-me ainda que sublinhe que este domínio do pensamento neoliberal se alimenta também de sentenças como a de Heidegger, e de outros, quando aquele filósofo refere o ?fim da filosofia?, afirmação que sustentou numerosos cenários desconstrutivistas e pós-modernos. Esta proclamação significava também o fim da liberdade cujo cerceamento não é só apanágio das ditaduras. A liberdade também se vai perdendo pelo definhamento do conflito de ideias e pelo empobrecimento da tematização de posições críticas antagónicas ? matéria de que os responsáveis do Ministério da Educação e outros membros do Governo fogem a sete pés ? pela asfixia da memória, a hipertrofia da irrelevância e ainda pela incapacidade de questionar o presente e as suas instituições. Sem respostas explícitas para questões explicitamente formuladas não há outra saída do que ver a realidade sempre idêntica a si mesma. Esta espécie de maldição o povo português não a pode aceitar.

Reflectem-se também negativamente no nosso presente as proclamações heideggerianas de que ?não há nada a fazer?, ou esta outra ?nós não devemos fazer nada, somente esperar?. Isto tem servido a um Governo que vem tentando anestesiar o povo português sem nada lhe dar, oferecendo-lhe apenas uma espera sem esperança. Mas os trabalhadores portugueses continuarão a revoltar-se contra esse soporífero político-social e são capazes de unir forças para ultrapassar este presente tão fortemente adverso. Confio em que os educadores e professores vão continuar a estar na primeira fila desta luta.

II ? O GOVERNO E SUAS FARPAS

1. Vivemos, no mundo da educação, momentos particularmente complexos e alguns indicadores do presente ameaçam tornar o futuro mais sombrio.

Aos mais distraídos parecerá que um qualquer passe de mágica subtraiu à espuma dos dias os tonitruantes sons da cavalgada ministerial, empreendida por David Justino e seus pares, a caminho de um futuro radioso do sistema educativo que descobriria em breve o santo e a senha que abriria as portas ao sucesso educativo de todos os alunos.

Porém, a razão do silêncio e do apagamento dos responsáveis políticos do Ministério da Educação não tem origem em qualquer malévolo gesto de prestidigitação de um oculto inimigo mas tão somente na inépcia política de quem dirige o edifício da 5 de Outubro. Nele trabalha um Secretário de Estado que vagueia pela vida, ora com um despudor sem medida que lhe permite insultar, de forma soez, os dirigentes da FENPROF e dos seus sindicatos, ora se escondendo com uma acobardada vergonha que lhe seca a língua e lhe esfuma a prosápia da imagem no sorvedouro de erros e de ilegalidades que tornaram o Ministério da Educação numa calamidade nacional.

2. Respiramos num tempo em que a dimensão ética da política foi sobrepujada pela demagogia mais rasteira que permite e impulsiona grosseiros embustes. O Ministério da Educação, ao contrário do que diz, pretende assassinar a gestão democrática das escolas e degradar os alicerces de uma verdadeira autonomia, ao mesmo tempo que se desresponsabiliza de levar à prática uma política de expansão de jardins de infância, de escolas básicas, secundárias e superiores públicas, democráticas e de qualidade antes optando por uma política ilegitimamente voltada para os caminhos da selectividade e da elitização da escola. Uma escola voltada para o passado mais obscurantista e não para a construção de um futuro melhor para o nosso país que passa inexoravelmente pelo aumento e melhoria das qualificações académicas e profissionais da população activa cuja situação iremos abordar, ainda que brevemente, em capítulo ulterior.

Porém, o Ministério da Educação afirma, com todo o descaro, que está a construir a escola do futuro apesar de todo o mal-estar gerado pela sua política em toda a comunidade educativa.

Tal dislate não dá vontade de rir nem de chorar porque no nosso país se perdeu a dimensão ética da política. Mas dá vontade de lutar contra as medidas progressivamente mais gravosas nas áreas sociais, de que releva a educação, conducentes ao drástico desaparecimento do estado social e contra a iníqua estratégia neoliberal do Governo que está a destruir os direitos e a dignidade profissional dos trabalhadores dos sectores público e privado e a ameaçar arruinar os pilares da democracia de Abril.

3. Mais recentemente, representantes do Governo tentam com inaudita audácia ler os erros e ilegalidades que juncam o processo de colocação de professores como produtos fantasmagóricos gerados nas torpes mentes dos dirigentes da FENPROF, movidos pelo intuito de apoucar a maravilha que é o modelo de concursos engendrado pela juvenil mente de um Secretário de Estado e deturpar a lisura com que todas as colocações foram realizadas.

A Federação Nacional dos Professores ? FENPROF ? tem 21 anos de vida quotidianamente avaliados, ou passíveis de o ser, e sempre pautados pela defesa dos direitos dos docentes, pela exigência de uma escola da mais alta qualidade, pela reivindicação de condições de trabalho e de recursos que ajudem a promover o sucesso escolar dos alunos, pela recusa de todas as medidas de política educativa que ponham em causa a dignidade do território educativo. Assim sendo, a FENPROF só poderia denunciar os graves erros ou, se preferirem, os grosseiros atropelos à lei porque se o não fizesse estaria a denegar os mais sãos princípios sobre os quais se deve erguer uma organização sindical ? os princípios da equidade, da justiça, do respeito pelos direitos e pela lei.

4. Temos à nossa frente tempos decisivos para o mundo da educação e para a carreira dos docentes ? LBE, estatutos de carreira, gestão das escolas, condições de trabalho, etc.. É imprescindível que o inalienável direito à negociação se concretize num espaço de respeito mútuo, balizado por indiscutíveis normas de rigor e de verdade. Seria um bom passo nesse sentido se o Ministério da Educação reconhecesse os seus erros e agradecesse à FENPROF os seus contributos para evitar que o lodo degrade a transparência que deve presidir ao mundo da educação.

Porém, a amarga realidade que se vive sob o foguetório contentinho que este Governo diariamente faz subir aos ares para assinalar êxitos que ninguém vê reflectirem-se na vida do povo trabalhador, é cada vez mais dura e preocupante. O número de desempregados e de trabalhadores precários é cada vez maior, o custo de vida sobe mais do que os salários, estudar é cada vez mais caro. Esta é a múltipla e penosa realidade que se abate sobre as escolas a quem o Governo pede sempre mais dando-lhes cada vez menos. E como se isso não bastasse tenta moldá-las à medida da estrutura de uma Lei de Bases da Educação que é um claro guia para a elitização do sistema educativo e para o seu controle pelo Governo.

5. Em outras ocasiões, o Governo produz um discurso em que se refere à sociedade do conhecimento, à necessidade de prolongar a escolaridade obrigatória, à exigência de reforçar o número de quadros médios e superiores, mas tudo isto desenvolvido sob uma política educativa contrária à construção de uma escola pública de qualidade para todos. E tanto assim é que o número de reprovações a abandonos, desde o ensino básico até ao ensino superior, é deveras preocupante para já não falar do muito pouco que se cuida da investigação em Portugal.

Não é possível operar mudanças num Governo que assim procede, menospreza, maltrata e humilha o povo trabalhador. Há que abrir caminho para a sua substituição, primeira etapa de uma nova política alternativa à actual.

O VIII Congresso Nacional dos Professores vai ser um momento importante nessa caminhada. Esperamos e confiamos.

III ? A POLÍTICA E OS SEUS INDICADORES

1. A situação por que passamos tem muito pouco de conjuntural, com os seus eventuais halos de esperança, e afirma-se como uma crise de contornos estruturais, avassalada por uma fortíssima taxa de desemprego. Temos hoje cerca de meio milhão de trabalhadores desempregados.

Um dos aspectos mais referenciados pelo Governo ? o da produtividade ? em vez de alcançar êxitos, acumula derrotas, sendo os indicadores de 2002, relativamente à UE, de pior qualidade do que os registados em 1997.

Se tivermos em conta o PIB (a riqueza criada em cada ano, no país) ?per capita? por habitante e o PIB ?per capita? por empregado, verifica-se que o PIB por habitante, no período considerado (1995-2000), foi claramente superior ao PIB por empregado: os aumentos naquele período de tempo foram, respectivamente, 52,7% e 37,9%.

Tal facto demonstra que o crescimento económico do país se deve mais ao aumento da mão de obra do que a um sustentado aumento da produtividade por empregado.

Esta realidade torna-se tanto mais dramática quanto a nossa população vai envelhecendo ? o censo de 2001 mostrou que, pela primeira vez, a população portuguesa com idade igual ou superior a 65 anos, (16,4% da população total), atingiu uma percentagem mais elevada do que a população com 14 ou menos anos de idade (16% da população total).

Por outro lado, a percentagem que a população empregada representa em relação à população total portuguesa é já significativamente superior à média da UE, quer se trate de população masculina ou feminina.

Esta realidade mostra como é um profundo erro Portugal, que está à beira de atingir o esgotamento dos recursos humanos que a sua demografia lhe proporciona, continuar a insistir numa política de desenvolvimento de natureza extensiva, isto é, de permanente aumento de mão-de-obra, com reduzida habilitação escolar.

2. Se olharmos de outro ângulo: o da taxa de investimento portuguesa, ela é uma das mais elevadas da União Europeia, porém a maior parte desse investimento tem sido utilizado na produção dos chamados bens não transaccionáveis ? pontes, estradas, edifícios, infra-estruturas ? ou na promoção de actividades especulativas, ambas com manifesto pouco impacto nas áreas da produtividade e da competitividade que tanto preocupam o país.

Os quadros estatísticos mostram com meridiana clareza que os mais de 50% do total do investimento nacional, canalizados para o sector da ?construção?, não aumentam a capacidade produtiva do país e nem sequer têm implicações imediatas na melhoria da produtividade e competitividade nacional.

Segundo Eugénio Rosa, ?esta orientação maioritária do investimento realizado em Portugal para bens que não determinam um aumento directo e imediato da produtividade e da competitividade nacional (os chamados bens não transaccionáveis), por um lado, resulta da incapacidade da maioria dos empresários portugueses para investir nos elos mais nobres da cadeia de valor que permitiria aumentar a competitividade e a rentabilidade (exs: inovação, qualidade, marca, canais de distribuição, marketing, internacionalização, etc.); por outro lado, é determinado pelo desejo de enriquecer rapidamente através de aplicações em actividades especulativas como sucede com a construção civil; e, finalmente, também resulta da ausência de uma verdadeira estratégia governamental e nacional de desenvolvimento para o país. Esta prioridade ou falta de prioridade clara nos investimentos a realizar tem contribuído para consolidar um modelo de ?desenvolvimento? que se caracteriza maioritariamente por trabalho pouco qualificado e mal remunerado, como sucede no sector da construção civil.?

3. Esta estratégia, como os dados de 2002 o confirmam, tem conduzido a uma preocupante e real falta de competitividade das empresas portuguesas perante a concorrência estrangeira. Na verdade o saldo negativo entre as importações e as exportações é superior a 11 mil milhões de euros. Esta diferença é tanto mais dramática quanto representa cerca de 50% de tudo aquilo que Portugal foi capaz de exportar em 2002 ? 22.691.7 milhões de euros.

Permita-se ainda uma breve referência ao saldo negativo com a Espanha (cerca de 5 milhões de euros) que significa um valor superior a 50% de todo o saldo negativo relativo a todos os outros países da União Europeia. Tal facto mostra, de algum modo, como a política seguida pelo actual Governo português é de inequívoca submissão aos interesses espanhóis que têm aproveitado esta situação para exercerem um pesado domínio sobre a economia portuguesa.

Segundo o Instituto Nacional de Estatística, toda esta situação se agravou durante o ano de 2003. Em primeiro lugar porque se constatou uma notória quebra na taxa de crescimento das exportações para a União Europeia, cifrada em apenas um crescimento de 0,8% durante o primeiro semestre de 2003; Em segundo lugar, porque as exportações para os restantes países do mundo tiveram, no mesmo período, uma diminuição de 2,2%.

Estamos assim perante algumas das razões que contribuíram para a recessão económica em que Portugal se encontra submerso, sob a estratégia de um Governo que elegeu ?as exportações? como motor do crescimento económico. Só que este motor gripou.

4. Salvo melhor opinião, o país tem-se confrontado com uma política educativa que tem asfixiado gravemente o modelo de crescimento económico português, assente numa população com um nível de escolaridade muito baixo.

Os dados do censo de 2001, publicados pelo Instituto Nacional de Estatística, comprovam o que se acabou de dizer.

Verifica-se que em pleno século XXI continua a persistir uma triste realidade: 31% da população empregada continua a possuir apenas o 1º ciclo do ensino básico ou ainda menos; 62,6% têm o 3º ciclo ou nem isso; se tivermos em conta a população empregada com o 3º ciclo completo ela representa apenas 7,3%, enquanto somente 11,5% daquela população possui o ensino secundário completo. Quanto aos possuidores de licenciatura completa eles não atingem os 8%.

É indispensável sublinhar que este grave problema das baixas qualificações não atinge apenas a população mais idosa. O mesmo fenómeno grassa na população que fez os seus estudos depois do 25 de Abril.

Se tivermos em conta a população empregada com menos de 34 anos (portanto toda formada depois de Abril de 74), verifica-se que ela representa 41,9% da população total empregada e que as suas qualificações são extremamente precárias.

O censo de 2001 revela que 54,2% dos indivíduos com idade inferior a 34 anos possuíam apenas o 3º ciclo do ensino básico completo ou incompleto. Isto significa que o 25 de Abril não alterou radicalmente o terrível ciclo dos baixos e insuficientes níveis de escolaridade, o que é tanto mais dramático quanto os actuais 2º e 3º ciclos do ensino básico são gritantemente insuficientes.

Se, por outro lado, tivermos em conta que aumentou o peso da população apenas com o ensino básico, estagnou a percentagem da população com o ensino secundário, e se notam diminuições na população do ensino superior, fácil é concluir que esta situação constitui um tremendo handicap a qualquer incremento, em Portugal, de um modelo de desenvolvimento e de progresso assente em trabalho qualificado e justamente remunerado.

Se focarmos o ensino superior a situação é igualmente lamentável. Dados recentes mostram que os nossos 7,1% são muito inferiores à média da União Europeia que, em igual período, tinha 24,1% da sua população empregada com habilitações de nível superior.

Uma outra situação, ainda mais grave, se articula com a atrás referida ? a do abandono escolar precoce.

De acordo com o ?Plano de Acção da Comissão da União Europeia para a Competência e a Mobilidade ? COM ? 2002?, no ano de 2001, em Portugal, 43,1% dos ?jovens com idade compreendida entre os 14 e os 18 anos abandonam o ensino precocemente sem formação ulterior?, sendo a média na União Europeia, nessa mesma altura, de 18,5%.

5. Se dirigirmos o foco da nossa atenção para o ensino superior, este nível de ensino deixa-nos cheios de dúvidas e perplexidades. A primeira pergunta que surge é a de se as verbas destinadas àquele nível de ensino estão a ser orientadas para as áreas mais adequadas para promover um efectivo desenvolvimento do país de acordo com o contexto em que está mundialmente inserido ou, se pelo contrário, estão a ser utilizadas para gerar mais desemprego entre licenciados ou tão só a formar gente de forma desadequada àquela que o desenvolvimento de Portugal exige. O certo é que, segundo o censo de 2001 em Portugal, os empregados com licenciatura constituíam 10,9% da população empregada quando na União Europeia essa percentagem já ultrapassa os 24%.

O ?Anuário Estatístico de Portugal ? 2002?, publicado pelo INE em 2003, mostra que, em Portugal, há uma significativa distorção se tivermos em conta os alunos matriculados, no ensino superior, no ano lectivo de 2001-02. Na verdade cerca de 54,1% do total de alunos do ensino superior estavam matriculados em cursos cujo âmbito se estendia pelos ramos de ensino, das ciências da educação, ciências sociais e de comportamento, direito, jornalismo, comércio e administração, em que um terço das ofertas pertencera a universidades privadas. Por sua vez o total de alunos matriculados em cursos de ciências, de matemáticas, de tecnologias, de agricultura, pesca e veterinária não alcançavam os 24% dos alunos matriculados no ensino superior, dos quais apenas um décimo frequentava universidades privadas.

Estamos sem dúvida perante uma distorção que se perfila como um sério obstáculo ao desenvolvimento de Portugal, mas que o Governo contempla com um olhar cego.

Como se a situação já não fosse extremamente dramática, salvo para aqueles que teimam em prosseguir um modelo de crescimento orientado por estratégias de trabalho fracamente qualificado e miseravelmente pago, na sua expressiva maioria, o Governo, de forma indecorosa e estulta, decidiu diminuir as vagas no ensino superior no presente ano lectivo de 2003-04.

6. É neste contexto de grave atraso que antevejo tremendas dificuldades para um harmonioso e sustentado desenvolvimento e progresso do país, não só pelas políticas económicas e sociais que têm vindo a ser incrementadas pelo actual Governo, mas também pela política educativa que decorrerá da aprovação da proposta de Lei de Bases da Educação, apresentada pelo Governo PSD-PP.

Na verdade, esta proposta assenta numa filosofia de base que contraria tudo o que era necessário fazer para que o país pudesse dar um salto a caminho do progresso e da justiça social. A medida mais gravosa prende-se com a redução do ensino básico para seis anos, de acordo com o nº 1, do artigo 11º. Mas esse artigo vai mais longe e por caminhos contrários aos que devia percorrer, atendendo ao enorme abandono escolar verificado no país, isto é, a lei permite que os jovens abandonem o ensino básico de seis anos sem o completar porque, de acordo com o nº 4 do mesmo artigo 11º, ?a obrigatoriedade de frequência do ensino básico termina no final do ano lectivo em que o aluno completa 15 anos de idade?. O social e o humano pouco importam desde que haja coerência no plano da lógica abstracta conduzida por uma segmentação aleatória até aos vinte e um anos. Depois passamos para os mais insondáveis fundos de uma intolerável mistificação metafísica em que apenas uma coisa é inequívoca ? a lei permite expressamente que os alunos não concluam os seis anos de ensino básico.

Para esses, segundo o nº 5 do benfazejo artº 11º, o Governo abre-lhes as portas do tal mundo onde nada se divisa com clareza; então reparem: ?os jovens que não pretendam concluir o ensino básico após a idade referida no número anterior [15 anos] são obrigatoriamente encaminhados para as adequadas acções de formação vocacional, que desenvolvem programas especiais para os jovens dos quinze anos aos dezoito anos, em articulação com o sistema de formação profissional?. Alguém sabe o que isto é? Alguém já ouviu explicar o que este arrazoado quer dizer, mesmo por responsáveis do Ministério do Trabalho?

Só uma ingénua mas muito preocupada pergunta: que acontecerá aos jovens que a legislação tão livre e liberalmente deixou andar no sistema e nessa coisa da ?formação vocacional? sem cuidar de lhes dar qualquer qualificação? Passarão à categoria de excluídos tardios? Digo isto sem uma pinga de ironia porque estou a falar de humanos e do futuro do país.

No que respeita ao ensino secundário, para além da perversidade reaccionária da lei admitir diversas vias a partir do 7º ano de escolaridade, a proposta de diploma mantém a sua filosofia de prazos de obrigatoriedade; no caso do ensino secundário essa obrigatoriedade ?termina no final do ano lectivo em que o aluno completa 18 anos de idade? (nº 3, artº 14º). Depois são encaminhados até aos 21 anos para as tais acções de formação vocacional ou profissional que ninguém sabe o que são.

Da política deste Governo e desta Lei de Bases da Educação só se pode esperar o abaixamento das qualificações dos portugueses, o recrudescimento do abandono precoce e o estreitamento do horizonte de desenvolvimento e progresso do nosso país. É imperioso e urgente inverter este caminho, porque esta pátria, a que o poeta Carlos de Oliveira, há cerca de 60 anos, chamou Mãe Pobre de gente pobre, é o chão de esperança do povo português, não a coutada dos vendilhões de Abril.

IV ? TEMPO DE CONGRESSOS, TEMPO DE FUTURO

1. Realizou-se, nos passados dias 30 e 31 de Janeiro, o X Congresso da CGTP-IN sob um halo de esperança, a determinação de todos os congressistas e uma profunda confiança dos trabalhadores portugueses na sua Central e na sua própria capacidade de resistência e de luta contra a mais funesta e iníqua ofensiva do grande capital económico e financeiro que domina a estratégia governamental e é apoiado pelas forças de direita e de extrema-direita da sociedade portuguesa.

Foi um Congresso que se revestiu de um significado muito especial para os educadores e professores portugueses porque pela primeira vez em congressos da CGTP-IN houve delegados de sindicatos de professores filiados na Central ? SPGL, SPN, SPRC e SPZS e delegados de sindicatos de docentes ainda não filiados mas em curso de o poderem vir a fazer se nesse sentido os seus associados se exprimirem.

Os delegados de sindicatos membros da FENPROF representaram cerca de 10% da totalidade dos delegados ao X Congresso da CGTP-IN o que demonstra a inquestionável força da nossa Federação no interior daquela grande Central. Já éramos, mas com muito mais fortes razões iremos ser no futuro uma importante e combativa força no seio do movimento sindical unitário, solidária com todos os sindicatos da CGTP-IN e uma forte e activa componente em todos os processos de luta por uma sociedade melhor, regida pela solidariedade e justiça social, respeitadora dos direitos de todos os trabalhadores

2. Inicia-se hoje, na Figueira da Foz, o VIII Congresso Nacional dos Professores que será, como foram todos os outros, um amplo e aberto espaço de reflexão e debate, de confronto de ideias, de preposição e definição de perspectivas de luta. Nele irão ser traçadas grandes linhas estratégicas para o desenvolvimento da acção futura, orientadas para o aprofundamento da democracia, para a edificação e expansão de uma escola pública de qualidade para todos, para o reforço da dignificação profissional e social dos educadores e professores portugueses, para a construção de um sistema educativo, gratuito e tendencialmente gratuito, que responda democraticamente às exigências do futuro, para o incremento de uma solidariedade activa no âmbito das lutas de todos os trabalhadores. Mas será também um Congresso de resistência e de recusa à ofensiva conservadora e elitista levada a cabo na área da educação, como em outras áreas, por este Governo suportado pela maioria conjuntural PSD-PP.

Na área da educação estamos perante um Governo que tem posto o sistema educativo ao serviço do grande capital, visando apenas formar a mão-de-obra que aquele considere necessária à obtenção dos máximos lucros. Estamos assim face a um Governo que pretende, assente em difusos conceitos de eficiência e eficácia, tornar as escolas em empresas e reduzir os humanos à categoria de meras mercadorias.

É imperioso dizer não a um Governo que nos subtrai os meios e os recursos de que necessitamos para podermos dizer que nós, educadores e professores, damos rosto ao futuro a um futuro em que humanos deixem de explorar outros humanos, e a fraternidade, a cidadania, a solidariedade e a justiça social sejam a talagarça onde a nação portuguesa, sem opressores nem oprimidos, possa ir bordando no decurso do tempo a palavra liberdade.

3. Esse tem sido o propósito da FENPROF e dos seus sindicatos ao longo de muitos anos.

Estimadas(os) colegas,

Vamos neste Congresso dar continuidade a 21 anos em que fomos fustigados por muitas e diversificadas adversidades, sabendo sempre ultrapassar, com mais ou menos facilidade, tempos de verdadeira provação. Mas fomos sempre capazes de resistir, mobilizar energias que, em certos momentos pareciam inesgotáveis e sempre soubemos ser hábeis quanto baste para reflectidamente avaliarmos as complexas circunstâncias que nos cercaram e haurir na múltipla unidade a força indestrutível da nossa razão.

4. Amigos,

Iremos continuar a lutar porque só serão derrotados os que desistem. Continuaremos a abrir vias para o futuro com a galhardia de quem sabe que não esmorece nem jamais abdicará mesmo que injustamente maltratado.

Ser o que somos não nos mete medo porque partilhamos fraternalmente a ideia de que o futuro passa pelo poder da educação e da cultura e não pela submissão à cultura do poder.

Somos gente aberta e por isso estamos abertos a todos que connosco queiram trabalhar.

E porque assim é, convocamos todos os colegas, independentemente das suas sensibilidades sindicais, para a mais exigente, complexa e difícil luta político-sindical que nos últimos anos nos surgiu pela frente. Vamos todos a isso, porque é inútil cada um de nós enfrentar sozinho a complexidade de problemas que somente um trabalho colectivo pode resolver. Em síntese é isto: É imperioso e urgente reflectir, organizar e agir para vencer.

5. Colegas,

Permitam-me que transponha para este mais largo espaço geográfico e humano algumas poucas de palavras, velhas de três meses.

Deixem-me, a terminar, lançar neste Congresso um veemente apelo: Não permitam que nenhum professor no activo vá para a aposentação sem que o professorado português, dos professores contratados aos docentes dos quadros, assuma a sua mais alta dignidade profissional e se afirme por uma inquestionável profissionalidade, ambas expressas num labor quotidiana que tenha por trás a ideia de Rogério Fernandes de que a escola é um território de ?construção do homem?. E também o alerta de Rui Grácio: ?Os mestres são os que criam ou libertam a autonomia dos discípulos?.

Eu próprio gostaria que o grupo profissional a que pertenço há 37 anos jamais renunciasse à caminhada em direcção à edificação de uma sociedade plenamente democrática e à construção de uma escola inclusiva, democrática e multicultural da mais alta qualidade para todos.

Não deixem, por favor, solitário quem sempre foi solidário. Mantenham acesa nem que seja, como dizia o Jorge de Sena, uma pequenina luz bruxuleante, mesmo lá muito ao longe. É preciso que essa luz possa tremular sempre, mesmo nos tempos mais difíceis, porque ela é um sinal de esperança. E só quem tiver esperança poderá ver o inesperado, como dizia o velho Heraclito.

VIVA O VIII CONGRESSO NACIONAL DOS PROFESSORES!

VIVAM OS EDUCADORES E PROFESSORES PORTUGUESES!

VIVAM OS 30 ANOS DO 25 DE ABRIL!

 

Paulo Sucena

Secretário-Geral da FENPROF

Figueira da Foz, 17, 18 e 19 de Março de 2004