Ciência
Portugal possui um enorme défice na fracção de população activa empregue em actividades de I&D: para aproximar-se da média da UE (25), Portugal necessitaria de mais 27.500 efectivos a tempo integral (ETI), dos quais cerca de dez mil investigadores e 17.50

André Levy: "Faltam 27.000 investigadores em Portugal"

09 de novembro, 2007


Tem a palavra o Presidente da Direcção da Associação dos Bolseiros de Investigação Científica:

Em Portugal, existem poucas ofertas de emprego científico, quer no sector público -  sujeito a congelamentos e reduções orçamentais há vários anos, quer no sector privado - sem tradição de investimento em Investigação e Desenvolvimento (I&D) e sem condições económicas favoráveis ou incentivos governamentais para o fazer.

A falta de oferta não implica que não hajam necessidades. Portugal possui um enorme défice na fracção de população activa empregue em actividades de I&D: para aproximar-se da média da UE (25), Portugal necessitaria de mais 27.500 efectivos a tempo integral (ETI), dos quais cerca de dez mil investigadores e 17.500 técnicos de apoio à investigação (dados de 2003).

O Plano Tecnológico

O Governo apresentou em finais de 2005 o Plano Tecnológico (PT): um projecto transversal e ambicioso nos seus objectivos, que reconhece as enormes carências de Portugal nas áreas de educação e emprego cientifico, e a importância da Ciência e Tecnologia (C&T) como motor do desenvolvimento económico. Um projecto deste tipo, para ter um real alcance e impacto na economia e sociedade, teria que ser, forçosamente, muito abrangente em termos de áreas e sectores.

Porém, como foi notado por variados comentadores, o PT é muito vago, indefinido e por vezes confuso, nomeadamente no que respeita às medidas a tomar sobre emprego científico e suas formas de implementação.

O "Compromisso com a Ciência", do ministro Mariano Gago, apresentado em Maio de 2006, expõe mais claramente algumas das medidas a implementar, incluindo a celebração de "contratos-programa com instituições científicas, públicas ou privadas, visando o financiamento de contratos individuais de trabalho de investigação (...) para pelo menos 1.000 doutorados até 2009".

A Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) considerou esta medida positiva, embora não possa deixar de assinalar que, face às necessidades acima referidas, esta medida fica muito aquém de eliminar a distância que nos separa da média europeia, em termos de número de investigadores, e não aborda o défice ainda maior de técnicos.

Além disso, estes contratos visam apenas cobrir o financiamento de investigadores, isto é, não abrangem custos de investigação, pelo que os novos contratados terão de candidatar-se a projectos de investigação e fazer render os orçamentos das suas instituições de acolhimento.

Diga-se, a este respeito, que a despesa em I&D (DIDE) por investigador ETI em Portugal é inferior a um terço da média da UE (25), mas é exigido ao investigador português níveis de produtividade científica comparáveis com o resto da Europa, mas sem os recursos financeiros, materiais ou de apoio técnico.

Metas definidas

Foi também anunciado o aumento de 1.000 para 1.500 de novos doutoramentos por ano. O número de doutorados tem vindo a crescer nos últimos 15 anos e temos neste campo registado um significativo progresso. O que tem faltado são medidas que incentivem o seu recrutamento, particularmente pelo sector das empresas.

A Estratégia de Lisboa colocava grande peso sobre o papel das empresas na criação de uma Europa competitiva em I&D, nomeadamente apontando como meta que as empresas contribuíssem com dois terços no investimento em I&D.

Em Portugal, porém, as empresas são responsáveis por apenas um terço desse investimento. Vários são os factores que contribuem para tão baixo investimento (por exemplo, o baixo nível de escolaridade da maioria dos nossos empresários e trabalhadores, o baixo nível de desenvolvimento de sectores económicos cuja competitividade depende da I&D), mas a situação não poderá ser revertida sem medidas de fundo por parte do Estado, incluindo incentivos à efectiva contratação de doutorados e à criação de núcleos de I&D, e a celebração de contratos Estado-Empresa para projectos de I&D de interesse público.

Os sectores empresariais estrangeiros dinâmicos e dinamizadores da economia não atingiram esse nível sozinhos. Contaram com o apoio do Estado, com a C&T realizada nas universidades e laboratórios do Estado e com os recursos avançados aí formados. Portugal não pode esperar que o sector empresarial seja capaz, por si só, de inverter a situação.

Precisamos de um sector universitário e de laboratórios de investigação fortes, capazes de assegurar investigação básica e tecnológica, mas também um vasto conjunto de outras actividades científicas e técnicas, que não envolve a criação de conhecimento novo mas sim a sua aplicação, comunicação ou gestão. E o caso da monitorização, controlo de qualidade, prospecção, etc, actividades que constituem um instrumento imprescindível ao nosso progresso e desenvolvimento.

Incentivos são inexistentes

Apesar de ter sido anunciado um reforço do Orçamento de Estado para Ciência e Tecnologia, verificam-se cortes reais nos orçamentos das universidades e reduções nos efectivos nos laboratórios de Estado. Por outro lado, foram anunciadas mais bolsas de investigação - duas tendências em geral emparelhadas.

Os principais centros de investigação em Portugal nasUniversidades, Laboratórios Associados e Laboratórios do Estado - não tendo orçamento próprio para contratar novos quadros, têm feito uso da figura do bolseiro para recrutar os recursos humanos necessários para continuarem a realizar investigação. Em muitos casos, os bolseiros garantem mesmo o funcionamento normal dessas instituições.

Sublinho que muitos bolseiros não estão "em formação", mas a exercer actividade de investigação, ou de apoio técnico. Não são porém considerados, ao abrigo do actual Estatuto do Bolseiro, como trabalhadores e não auferem, por isso, dos mesmos direitos que os restantes trabalhadores. Mas são profissionais.

Isto, segundo a Carta Europeia do Investigador, uma recomendação à Comissão Europeia, que reconhece que, para se cumprir a Estratégia de Lisboa, para atrair cientistas e investigadores a trabalharem na União Europeia, é necessário oferecer condições dignas, incluindo em termos de segurança social, remuneração e perspectivas de carreira.

Infelizmente, ainda estamos longe de criar condições atractivas em Portugal para incentivar o ingresso no ensino superior em C&T e evitar a continuação da fuga dos cérebros portugueses.