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O Ensino de Português no Estrangeiro (EPE) e a imagem negativa de Portugal nas comunidades

05 de agosto, 2012

No início de 2011, o PSD na oposição recolocava, na ordem dia, a necessidade de um outro relacionamento entre Portugal e as suas Comunidades no sentido de “superar atrasos, erros, omissões de décadas que têm marcado tão negativamente a imagem de Portugal junto das comunidades”. A imagem negativa de Portugal tinha sido agravada pela ofensiva dos governos PS em matéria de políticas educativas, de língua, cultura e identidade dirigidas à diáspora portuguesa de que destacamos algumas posições assumidas por altos responsáveis dessas políticas:

- O Dr. Luís Amado, ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE) confessava-nos no início do seu primeiro mandato que “ No respeitante às nossas comunidades, tudo está ainda por fazer no eixo língua, cultura e identidade”. O Dr. Luís Amado concluiu as suas funções como MNE deixando tudo por fazer.

- O Dr. António Braga, secretário de Estado das Comunidades, (SECP) afirmava convictamente aquando da passagem da tutela do EPE para o Ministério dos Negócios Estrangeiros que, o ensino do português como língua materna /de herança encontrava-se descentrado dos objetivos do Governo, defendendo mesmo, de forma categórica, a necessidade dos pais portugueses residentes fora do território nacional adotarem a língua do país de residência na comunicação com os filhos. O SECP sustentava, além disso, o patriótico princípio de que a primeira língua de socialização na Alemanha para uma criança luso-descendente teria de ser obrigatoriamente o alemão.

- A Prof.a Doutora Ana Paula Laborinho, presidente do CLIC, entidade coordenadora e executora das políticas de língua, ensino e cultura afirmava publicamente que “O ensino de português enquanto língua materna podia acabar em alguns países porque o objetivo é a sua integração nos sistemas de ensino no estrangeiro”. Defendia, outrossim, as boas práticas dos países de residência conducentes à assimilação linguística e integração total dos luso-descendentes na cultura desses países. Estas declarações confirmavam tão-só, na sua perspetiva e na do Governo o fim do ciclo do ensino do português nas comunidades.

No Programa do Governo PSD/CDS evidenciam-se as estratégia e os objetivos de transformar “ O ensino como âncora das políticas dirigidas às comunidades” e de que “ As Comunidades Portuguesas constituem-se como uma prioridade absoluta no contexto da política externa”.

Causa-nos, pois, profunda estranheza o facto de o PSD que na oposição pretendia” superar atrasos, erros, omissões de décadas que têm marcado tão negativamente a imagem de Portugal junto das comunidades” venha, agora, ao arrepio de princípios defendidos e de estratégias e objetivos programáticos anteriormente anunciados, anular concursos de professores, despedir dezenas de docentes, encerrar cursos deixando vários milhares de alunos sem aulas de língua e cultura portuguesas e criar a obrigatoriedade do pagamento de uma propina. Surpreendente ainda, é ouvir hoje o atual secretário de Estado das Comunidades, Dr. José Cesário, escudado no princípio da reciprocidade, delegar a responsabilidade pelo ensino de português nos países de acolhimento. O Dr. José Cesário deverá saber que as políticas e práticas assimilacionistas destes países, sempre obstinada e conscientemente defendidas pelos anteriores governos e pela presidente do Instituto Camões, conduzirão, a curto prazo, à extinção do Português enquanto língua identitária na diáspora.

Neste quadro contextual são, no mínimo, assombrosas as declarações ao Jornal Público de 2011-11-14 de Miguel Guedes, porta voz do MNE” Não basta colocar professores junto de algumas comunidades na Europa para se poder dizer que há um verdadeiro modelo de ensino da nossa língua frisando que o ensino de Português no estrangeiro foi desde sempre fortemente condicionado por uma gritante falta de visão estratégica”.

Perguntamos, atónitos, a que gritante falta de visão estratégica se refere o porta voz do MNE?

Será a visão estratégica de vários governos ao não saber distinguir entre as políticas de língua, ensino e cultura num contexto de internacionalização da língua portuguesa e as políticas de língua, ensino, cultura e identidade para as comunidades com objetivos muito diferenciados?

Será a visão estratégica de reduzir o EPE a uma simples oferta de cursos e modalidades de ensino, omitindo, sistematicamente, a existência de programas específicos para português enquanto língua materna /de herança, a falta de formação científico-pedagógico dirigida à docência no estrangeiro independentemente do local de recrutamento; o investimento na investigação científica em domínios ligados ao ensino de português para os luso-descendentes?

Será a visão estratégica da adoção de um regime jurídico para os professores de português no estrangeiro e um Quadro de Referência para o Ensino de Português no Estrangeiro com orientações desvalorizadoras das especificidades do ensino do português aos luso-descendentes?

Näo é certamente com as atuais visões estratégicas que se construirá um modelo de ensino que seja “a âncora das políticas dirigidas às comunidades”. 

Temos afirmado e reafirmado há longos anos o facto de Portugal nunca ter pensado a sua diáspora em termos de língua e cultura, nem de nunca ter tido uma verdadeira política de língua, cultura e identidade para os portugueses não-residentes e consequente luso-descendência. Infelizmente com os partidos políticos no poder tem proliferado a retórica de circunstância e escasseado a ação. Os responsáveis por isso têm nome e todos os governos em regime democrático acumularam, em tal matéria, “omissões, erros e atrasos” que não podem ser esquecidos, para que a História a fazer um dia saiba o que se passou.

Resta-nos uma pergunta: no atual e gravíssimo estado de coisas por que passamos, ainda iremos a tempo?”

Amadeu Batel
Presidente Comissão de Língua, Educação e Cultura do Conselho das Comunidades Portuguesas.

05 de agosto de 2012.