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Entrevista a Eugénio Rosa

“Faço um apelo final a todos os trabalhadores e aposentados da Função Pública para que se mantenham vigilantes e defendam a ADSE”

08 de março, 2018

Eugénio Rosa

Economista. Membro do Conselho Geral da ADSE designado pelos sindicatos da Função Pública da Frente Comum

 

EI - O que está em debate, neste momento, em relação ao futuro da ADSE?

De uma forma sintética responderia o seguinte: Impedir que a curto prazo sejam tomadas decisões que ponham em perigo a sua sustentabilidade económica e financeira, e destruído os princípios em que assenta – solidariedade interprofissional e intergeracional – e a também sua matriz e, a longo prazo, impedir a sua transformação num seguro de saúde de âmbito alargado, ou seja, num instrumento de destruição do SNS (transformando este num “SNS dos pobres”), com prestação também de serviços de saúde próprios em que os beneficiários, embora financiando-a, não exercem qualquer controlo.

Quais as principais questões a assinalar?

As principais questões que estão neste momento em debate no Conselho Geral de Supervisão foram/são o alargamento da ADSE a mais beneficiários, a Tabela de preços da ADSE quer do regime convencionado quer do regime livre, e a sustentabilidade futura da ADSE.

Em relação ao alargamento da ADSE, e contrariamente ao projeto de decreto-lei elaborado pelo Conselho Diretivo sob a orientação do governo, que defendia o alargamento cego sem qualquer estudo de avaliação do seu impacto na sua sustentabilidade futura, o Conselho Geral de Supervisão da ADSE aprovou, por unanimidade, em seguimento da proposta que apresentamos conjuntamente com os eleitos com o apoio dos sindicatos da Frente Comum e do MURPI, que esse alargamento devia ser faseado – numa 1ª fase, devia-se limitar aos trabalhadores da Função Pública com contrato individual de trabalho e com base num estudo credível do seu impacto – e não devia pôr em causa a matriz em que assenta a ADSE.

Em relação à Tabela de preços, opusemo-nos, conjuntamente com os eleitos com o apoio da Frente Comum e da representante do MURPI, a qualquer alteração na Tabela de preços que determinasse mais aumento de encargos para os beneficiários, tendo também em conta a elevada taxa de contribuição (3,5%) que continua a determinar excedentes. Como consequência também da nossa oposição, a Tabela de preços inicial apresentada pelo Conselho Diretivo da ADSE foi reformulada tendo sido aprovado pelo Conselho Geral de Supervisão da ADSE um parecer favorável a uma Tabela de preços que não determina qualquer aumento de preços para os beneficiários; pelo contrário, ela representa uma redução de encargos para eles estimada em 12,6 milhões €/ano e para a ADSE de 29,7 milhões €/ano. Em relação ao Regime Livre o Conselho Geral de Supervisão propôs ao Conselho diretivo que a compartição da ADSE por consulta aumentasse de 20,45€ para 25€, o que representa para os beneficiários mais uma poupança de 2,5 milhões €/ano.

Em relação à sustentabilidade futura da ADSE, foi criado um grupo de trabalho, de que faço parte mais o António Nabarrete, para a estudar e propor medidas visando defendê-la e reforça-la.

Em termos der sustentabilidade do sistema – que perspetivas? Justifica-se um eventual aumento das contribuições dos trabalhadores? E uma eventual redução dessa contribuição? O alargamento da ADSE a novos beneficiários é uma perspetiva possível?

Em parte, a resposta já foi dada na pergunta anterior. Acrescentaria apenas o seguinte. A sustentabilidade da ADSE não pode ser alcançada com o aumento das contribuições dos trabalhadores e aposentados; ela deve ser obtida com o combate eficaz à fraude e ao consumo desnecessário que é promovido pelos prestadores privados, nomeadamente os grandes privados de saúde, com o objetivo de aumentar os lucros. Em relação ao alargamento, depois de um estudo credível para avaliar o seu impacto deve ser feito de uma forma faseada, mas sem pôr em causa a matriz da ADSE.

Fala-se em preservar a matriz da ADSE. Em que consiste essa matriz?

A matriz da ADSE está, a meu ver, intimamente associado à sua origem e às razões porque foi criada. Como reconheceu a própria Comissão para a reforma da ADSE nomeada pelo atual ministro da Saúde “Na apreciação do papel da ADSE, a Comissão considera, maioritariamente, que a revisão do modelo institucional, estatutário e financeiro da ADSE tem de ser enquadrado como sendo parte das relações laborais do Estado com os seus trabalhadores, e não como um problema de organização do sistema de saúde português” (pág. 21), portanto é destinada exclusivamente aos trabalhadores da Função Pública quer no ativo quer na situação de aposentados ou reformados. Mesmo em 1979, quando foi criado o SNS, “o Estado, enquanto entidade patronal mantém um regime de benefícios para os funcionários públicos, separando esta atividade da que lhe compete no domínio da organização do SNS” segundo a mesma Comissão governamental (pág. 7). E isto porque a ADSE fazia parte do Estatuto laboral dos trabalhadores da Função Pública. Portanto, querer alargá-la a setores que não tem nada a ver com a Administração Pública, como pretende a direita, é destruir, a meu ver, a sua matriz e os princípios de solidariedade em que assenta; é um passo dado na destruição da ADSE como ela é atualmente.

Qual a interação entre SNS e ADSE? Há oposição? Há confluência? Como responder aos que, mesmo “de esquerda”, consideram a ADSE uma injustiça social?

A ADSE é um subsistema complementar e nunca corrente do SNS, e nunca deve ser utilizá-lo para o fragilizar e muito menos para o destruir tal como está definido na Constituição da República. Os trabalhadores da Função Pública têm o direito constitucional de acesso ao SNS, para isso pagam impostos como qualquer português que são utilizados no seu financiamento e, para além disso, descontam nos seus salários e pensões, mais 3,5%, para financiarem e terem a ADSE.

Como articular o binómio autonomia – responsabilização do Estado?

Como reconheceu a própria Comissão de reforma da ADSE nomeada por este governo, tendo sido mesmo consensual nela, “o Estado não se poderá desligar completamente da ADSE”, até porque a ADSE faz parte do Estatuto Laboral dos trabalhadores da Função Pública e o Estado, como empregador, tem responsabilidades importantes que daí decorrem.

O mutualismo é uma opção credível?

A meu ver, não é uma opção credível, pelo menos, em Portugal. Uma coisa são os princípios nobres do mutualismo, e outra coisa muito diferente é a pratica do mutualismo no nosso país. A minha experiencia de mais de 12 anos de participação intensa na atividade do Montepio, que tem 620.000 associados, mostrou-me que as associações mutualistas são rapidamente capturadas por grupos que se instalam, que se apoderam e dominam o seu aparelho, eternizando-se assim, e os associados perdem o controlo da associação mutualista. E depois, esses grupos assim instalados utilizam a associação mutualista em seu beneficio, e não em beneficio dos associados, causando graves prejuízos a estes. A agravar esta situação, não existe por parte do Estado qualquer supervisão credível e ativa. A transformação da ADSE numa mutua, até porque movimenta cerca de 600 milhões €/ano, corria o sério risco de ser rapidamente capturada, embora de uma forma indireta, pelos grandes grupos privados de saúde em seu beneficio (maior que atualmente) que estão vitalmente interessados nela, porque a sua sobrevivência de alguns deles e os seus lucros têm como origem os serviços faturados à ADSE. É com base na experiencia concreta de muitos anos de atividade na maior associação mutualista existente em Portugal, e também para impedir a total desresponsabilização do Estado, que sempre me opus publicamente à transformação da ADSE numa mutua e defendi que ela fosse um Instituto Público de gestão participada com controlo dos beneficiários, pois são estes que a financiam com os seus descontos.

As alterações introduzidas na ADSE com a sua transformação em instituto público fortaleceram-na ou enfraqueceram-na?

A meu ver fortalecem-na porque há maior fiscalização, e maior controlo pelos representantes dos beneficiários, o que não acontecia enquanto foi uma direção geral. Embora o Conselho Geral de Supervisão da ADSE não tenha um poder vinculativo (as suas decisões não vinculam o Conselho Diretivo), contrariamente ao que sempre defendi e, embora 8 dos 17 membros sejam nomeados pelo governo e pelas Autarquias, no entanto 9 membros são representantes dos beneficiários (4 eleitos diretamente, 3 designados pelos sindicatos e 2 pelas associações de aposentados e reformados), mesmo assim, por terem direito à informação e a emitirem pareceres sobre as questões mais importantes da gestão da ADSE, acabam por ter uma influencia grande nas decisões tomadas. A prova disso está no que sucedeu em relação à proposta de alargamento da ADSE e à alteração da tabela de preços da ADSE que relatei nas Informações 2 e 3 que fiz aos beneficiários da ADSE(1). No entanto, as pressões e a chantagem dos grandes grupos privados de saúde (mais de 85% da faturação do regime convencionado, ou seja, mais de 250 milhões €/ano, é faturados apenas por cinco grupos de saúde, a saber: Luz Saúde, Mello Saúde, Lusíadas Saúde, Trofa Saúde, SANFIL) são enormes sobre o Conselho Geral de Supervisão na defesa dos seus interesses e lucros à custa da ADSE, ou seja, dos trabalhadores e aposentados da Função Pública. Os riscos são também enormes de que o Conselho Diretivo e o governo cedam à chantagem dos grandes grupos privados de saúde. Por isso faço um apelo final a todos os trabalhadores e aposentados da Função Pública para que se mantenham vigilantes e defendam a ADSE, apoiando os seus representantes no Conselho Geral de Supervisão da ADSE.

 

(1) www.eugeniorosa.com