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publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, Separata n.º 5, de 7 de Novembro de 2016

Parecer da Frente Comum sobre a criação do Instituto de Protecção e Assistência na Doença, I.P

01 de fevereiro, 2017

I – Questão Prévia

A Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública manifesta desde já a sua discordância com a transformação da ADSE num Instituto Público, devendo a mesma manter-se na esfera pública do Estado enquanto sistema complementar de saúde dos trabalhadores da Administração Pública, enquadrada na Direcção-Geral, garantindo o seu carácter público.

As sucessivas alterações quanto às contribuições por parte dos trabalhadores deixaram já antever que um dos objectivos conduziria à abertura do sistema potenciando a sua futura privatização.

De facto, as sucessivas alterações dos descontos para a ADSE representam entre o fim do 1º semestre de 2013 e o início de 2014 um aumento de 133% nas contribuições – de 1,5% para 3,5%, num quadro em que 63% das despesas da ADSE são já financiadas pelos descontos dos trabalhadores.

Segundo dados fornecidos pela Secretaria de Estado da Administração Pública à FCSAP, em 2013, os trabalhadores e aposentados descontaram para a ADSE mais 59 milhões  de euros do que em 2012 e, em 2014, descontarão mais 353 milhões de euros do que em 2012 (ano em vigorou a taxa de desconto de 1,5%). Segundo estes dados, em 2013 a ADSE já teve um excedente de 55,2 milhões de euros, prevendo-se que esse excedente aumente em 2014 para 284,2 milhões de euros, sendo 140,2 milhões de euros de contribuições excessivas dos trabalhadores e aposentados da Administração Pública.

Naturalmente, a criação de excedentes, que, sublinhe-se, não tem respeitado a sua consignação legal - nos termos do nº2 do artigo 47º-A do Decreto-Lei 118/83, uma receita consignada à ADSE: «A contribuição da entidade patronal é receita própria da ADSE e destina-se ao financiamento do sistema de benefícios assegurados pela ADSE, incluindo os regimes livre e convencionado» - mas para a redução do défice e pagamento dos juros da agiotagem do FMI/BCE/UE, tem alimentado o interesse dos privados pela gestão da ADSE, algo que pode ser potenciado pela criação deste Instituto.

Acresce que, âmbito do processo de negociações conducente à apresentação do presente projecto de diploma, a FCSAP sublinha o não cumprimento do direito de negociação. De facto, nos termos dos artigos 15º e 347º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, é garantido aos trabalhadores com vínculo de emprego público o direito de negociação colectiva exercido exclusivamente pelas associações sindicais que, nos termos dos respetivos estatutos, representem interesses de trabalhadores em funções públicas.

Esse direito é garantido, entre outras, nas matérias que integram o estatuto dos trabalhadores em funções públicas, a incluir em actos legislativos ou regulamentos administrativos aplicáveis a estes trabalhadores. Tal direito não foi garantido aquando da negociação do presente projecto de diploma com várias estruturas, sendo certo que o mesmo diz, não só, respeito a direitos sociais e de saúde de todos os trabalhadores abrangidos pela ADSE mas também ao regime laboral dos trabalhadores desta instituição em função da alteração do enquadramento jurídico da sua entidade empregadora pública.

Acresce que o projecto de diploma não determina expressamente o fundamento jurídico da transformação em Instituto Público, não definindo se esta transformação se opera através de extinção, fusão ou reestruturação, deixando por isso uma margem de indefinição quanto ao estatuto jurídico-laboral dos trabalhadores da ADSE. Bem assim, a previsão incluída no artigo 23º do projecto, ao determinar que «É critério geral e abstrato de seleção do pessoal necessário à prossecução das atribuições da ADSE, IP, o desempenho de funções na Direção-Geral de Proteção Social aos Trabalhadores em Funções Públicas» não só não garante a manutenção de todos os direitos dos trabalhadores da ADSE, podendo mesmo implicar a sua inclusão no regime de requalificação/valorização profissional.

Assim, a FCSAP alerta para a necessidade de discussão com os sindicatos que a compõem e que são representativos do sector o regime jurídico-laboral dos trabalhadores da ADSE. Ainda no que diz respeito aos direitos dos trabalhadores, a FCSAP sublinha a inexistência de qualquer financiamento por parte do Orçamento do Estado para as despesas com pessoal, fazendo depender o pagamento dos trabalhadores exclusivamente das contribuições destes para a ADSE.

II – Apreciação geral

Antes de mais cumpre sublinhar que se trata de um documento que apresenta várias deficiências técnicas não só por conter normas genéricas e desarticuladas com a legislação já em vigor  mas também por não determinar juridicamente a figura que dá origem ao Instituto, a forma de transição dos trabalhadores nem tão pouco definir jurídica e taxativamente quais as atribuições e quais as competências do novo Instituto, optando por fazer essa determinação de forma conjuntural e pouco clara.

Acresce que a indeterminação de vários conceitos põe em causa não só a certeza e estabilidade jurídicas como o estatuto jurídico dos trabalhadores e dos próprios órgãos ali previstos, a que acresce o facto de não ter sido respeitado o direito de negociação colectiva.

O preâmbulo do projeto de diploma refere, por duas vezes, «que uma alteração legislativa de modo a defender o interesse público passaria pela sua transformação em mútua» e que «com esta alteração da sua natureza jurídica pretende-se assim criar condições para que a ADSE,IP possa evoluir no futuro para uma associação de tipo mutualista». Consideramos que estas referências de evolução futura para uma mútua não são aceitáveis. Em primeiro lugar, porque a experiência do mutualismo em Portugal tem mostrado que as mútuas com elevado número de associados não são a forma mais adequada de defender os interesses dos associados e, consequentemente o interesse público como é afirmado no preâmbulo.

Isto porque rapidamente são capturadas por grupos representantes de interesses minoritários que se eternizam no seu controlo aproveitando-se destas associações em proveito próprio. A segunda razão porque devem ser eliminadas as aludidas referências do preâmbulo do decreto-lei é que estas só podem ser interpretadas como a intenção declarada de condicionar a decisão futura dos associados nesta matéria, o que não é aceitável.

- Fiscalização das situações de doença

Na alínea g), nº 2 do artigo 3º inclui-se na missão e atribuições da ADSE «controlar e fiscalizar as situações de doença» o que merece a total discordância da FCSAP uma vez que não cabe nas competências da ADSE o controlo e fiscalização da doença e muito menos o seu pagamento. Este controlo e fiscalização é uma competência exclusiva do Estado.

De facto, estabelece o artigo 22º da lei preambular  da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas que  «a verificação domiciliária da doença do trabalhador é feita pelas autoridades de saúde da área da sua residência habitual ou daquela em que ele se encontre doente.».

- Variabilidade das contribuições

No que diz respeito às subalíneas i) e ii) da alínea e) do nº 1 do artigo 6º, a previsão da variabilidade das contribuições e benefícios em função da sustentabilidade do sistema não só é uma fonte de grande instabilidade e segurança para os trabalhadores como potencia o aumento exponencial destas, como aconteceu no passado recente com o aumento em 133% das contribuições dos trabalhadores para a ADSE.

- Conselho Directivo e Conselho Geral de Supervisão

O nº 1 do artigo 10 º dispõe que o conselho directivo é composto por um presidente e por dois vogais e no nº 2 do mesmo artigo dispõe-se que apenas um dos vogais é indicado pelo conselho geral e de supervisão onde estão os representantes dos titulares (trabalhadores e aposentados da Administração Pública) ou seja, daqueles que financiam a ADSE.

A alínea a) do nº 2 do artigo 14º dispõe que os membros do conselho directivo fazem parte do conselho geral de supervisão que tem a missão controlar e fiscalizar o conselho directivo. Desta forma o órgão que tem como missão fiscalizar e controlar teria no seu seio o órgão que é controlado. A experiência tem mostrado que, quando tal sucede, o órgão controlado (aqui o conselho directivo) captura rapidamente o órgão que deve fiscalizar e controlar (aqui o conselho geral e de supervisão) acabando este por ser um órgão submisso e não fazer qualquer fiscalização efectiva.

A alínea d) do n.º 2 do artigo 14º, ao dispor a eleição de representantes dos beneficiários titulares da ADSE  por sufrágio universal e directo não só não determina quem tem capacidade para ser eleito como não determina, por exemplo, a apresentação de listas e não garante a representatividade desses mesmos elementos face ao universo dos beneficiários. Determina ainda a duplicação dos mesmos porquanto estes já estão devidamente representados através das associações que têm lugar no Conselho Geral de Supervisão.

A alínea f) do nº2 do artigo 14º dispõe que um dos membros do conselho geral e de supervisão é «indicado pela associação mais representativa dos reformados e aposentados da administração pública», número insuficiente de representantes podendo implicar que outras associações representativas aposentados da Administração Pública não tenham direito de representatividade.

O n.º 4 do artigo 14º, dispõe que o conselho geral e de supervisão deve dar o seu parecer sobre os objectivos estratégicos, plano de actividades e orçamento, relatório e contas anuais e medidas do conselho diretivo para garantir a sustentabilidade mas não se define as consequências e valor desse parecer, não determinando se o mesmo é ou não vinculativo. Acresce que a alínea c) do nº 4 do artigo 14º dispõe que o conselho geral de supervisão deve «emitir parecer, quando solicitado, sobre as matérias e atribuições da ADSE,IP, bem como quaisquer outros regulamentos» diminuindo o poder de fiscalização e de apreciação deste conselho.

- Sigilo e transparência

O artigo 20º refere-se ao sigilo profissional sem a necessária compaginação com os deveres já existentes e decorrentes do estatuto sócio-profissional dos trabalhadores da Administração Pública, impondo deveres acrescidos sem justificação.

Ao mesmo tempo que se incluem estes deveres não se determina a obrigatoriedade de transparência da ADSE, designadamente na divulgação no seu relatório e contas a lista de todos os prestadores de serviços de saúde, os contratos assinados e o montante anual pago a cada um deles. 

III – Conclusão

A FCSAP entende que é primordial a manutenção da ADSE na esfera pública, sem qualquer possibilidade de privatização deste sistema complementar de saúde e que seja determinada a redução da percentagem das contribuições, injustamente aumentadas para 3,5%. Devem ainda ser respeitados os direitos dos trabalhadores e cumprido o direito à negociação com as estruturas sindicais representativas dos trabalhadores do sector.

 

Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública

21 de Novembro de 2016