Negociação Acção reivindicativa
PEC, Lei do OE 2011 e pedido de reunião urgente

Ofício enviado ao Ministro Mariano Gago

19 de outubro, 2010

Exmº Senhor
Ministro da Ciência Tecnologia e Ensino Superior
Professor Doutor Mariano Gago

Palácio das Laranjeiras
Estrada das Laranjeiras, 197-205
1649-018 Lisboa

Data: 14/10/2010

Senhor Ministro,

O Governo, de que V. Exa. faz parte, entregou, recentemente, à Frente Comum dos Sindicatos da Administração Pública, à qual pertencem todos Sindicatos da FENPROF, um conjunto de medidas, contidas num projecto de proposta de lei, cuja data de entrada em vigor se desconhece, que pretende aplicar a todos os trabalhadores exercendo funções em serviços e organismos públicos, visando a imediata redução da despesa do Estado, pelo caminho mais fácil: o da diminuição dos salários dos trabalhadores; o de um novo congelamento das progressões e o da proibição da abertura de concursos, incluindo a suspensão dos que se encontram ainda activos.

Vencimentos

A redução dos salários, de muito duvidosa constitucionalidade, que o Governo afirma pretender que seja para se manter no futuro, vem, para além de tudo o mais, reduzir a atractividade de carreiras de topo da administração pública, como é o caso das relativas aos docentes do ensino superior, essenciais para o desenvolvimento social e para a própria saída da crise.

Progressão salarial

O novo congelamento da progressão nos escalões de cada categoria é, além do mais, para dizer o mínimo, um contra-senso por parte de um Governo que impôs a avaliação do desempenho em carreiras que já tinham múltiplas formas de avaliação, tendo-o feito com o objectivo declarado de substituir, para efeitos de subida de escalão remuneratório, a condição exclusiva da passagem do tempo que anteriormente vigorava, por uma condição mais exigente, que dependesse da qualidade do serviço prestado, e que agora, depois de tudo isto, pretende suspender os seus efeitos.

Pelos vistos, já nem as subidas obrigatórias, como tal designadas na lei, serão de facto concretizadas, pretendendo o Governo impedir, mesmo aos com classificações mais elevadas, que mudem de posicionamento remuneratório.

Que incentivos haverá então para os bons desempenhos? Nestas circunstâncias, que credibilidade merecem as prédicas meritocráticas do Governo, quando os seus actos as contradizem na prática?

Acresce a isto que a letra da proposta de lei entregue aos Sindicatos afirma que “está vedada a prática de quaisquer actos que consubstanciem valorizações remuneratórias”, sem que sejam previstas, no mínimo, as excepções das subidas de escalão que se reportem a datas anteriores à entrada em vigor da lei, como é o caso das relativas ao período de 2004 a 2007, com efeitos a 1/1/2008, e as de 2008 e 2009, com efeitos a 1/1/2009 e 1/1/2010, respectivamente, e que apenas não se realizaram ainda devido aos atrasos havidos no processo de revisão das carreiras do ensino superior de que os docentes não são responsáveis.

Pretende o Governo tomar a atitude inconstitucional de conferir a esta lei efeitos retroactivos e de, simultaneamente, violar o princípio da igualdade, uma vez que a generalidade dos trabalhadores da administração pública já tiveram a oportunidade de subir de escalão, por força do artº nº 113º, da Lei nº 12-A/2010?

Contratação e concursos

Entre as medidas que considerámos muito positivas no processo de revisão das carreiras docentes encontram-se as novas regras relativas ao número e percentagem de professores de carreira – na linguagem anterior: o alargamento dos quadros. Esta medida foi muito importante porque veio abrir, finalmente, perspectivas de um efectivo desbloqueio dos concursos, permitindo que muitos colegas, com excelentes currículos, pudessem ver por fim reconhecidos os seus labor e dedicação.

As medidas transitórias que acompanham os novos estatutos das carreiras apontam – e bem – prazos curtos para que sejam atingidos os valores mínimos estatutários relativamente à composição por categorias dos corpos docentes das instituições do ensino superior. Entretanto, embora em nossa opinião as restrições previstas para figurar em lei, à abertura e à conclusão dos concursos já abertos, sejam de duvidosa aplicabilidade às instituições do ensino superior, o facto de explicitamente não estar prevista essa excepção, conjugadamente com as ameaças de responsabilização individual que ultimamente perpassam pelos diplomas dos PEC, abrirá caminho para interpretações restritivas muito gravosas para a qualidade da actividade e para a sustentabilidade das instituições.

Temos assim que, mais uma vez, o Governo dá com uma mão o que pretende agora retirar com a outra, com a agravante, neste caso, de pôr em risco, não apenas a possibilidade de os docentes mais qualificados e com melhores desempenhos poderem subir na carreira, mas a própria renovação dos corpos docentes, muitos dos quais correm o risco de, ao acentuar-se o processo do seu envelhecimento, verem comprometida a transmissão de grande parte dos saberes acumulados pelas gerações que se encontram em fase de aposentação, ou próximo dela.

É, aliás, mais um contra-senso, que o Governo pareça pretender impedir as instituições de contratar docentes e investigadores, cujos vencimentos serão custeados na íntegra por verbas sem qualquer comparticipação do Estado, como é o caso de bolsas Marie Curie, programas do European Reaserch Council e Cátedras financiadas por empresas. Caso se venha a confirmar esta irracionalidade, ela irá, para além disso, contrariar a necessidade de reduzir o desemprego.

O recente despacho do Ministro de Estado e das Finanças (nº 15248-A/2010), que, mesmo antes da aprovação da lei, visa a suspensão de todos os concursos activos, para além de o seu conteúdo ser inquestionavelmente não aplicável às instituições de ensino superior, é, na opinião dos juristas da FENPROF, nulo, por violação do artº 133º do CPA, umas vez que constitui um acto estranho às competências daquele Ministro. No entanto, a sua publicação é geradora de grande instabilidade.

Qual é a posição do MCTES sobre este despacho?

Mudanças de categoria por obtenção do doutoramento

Chamamos a atenção de V. Exa. para que a legislação escrita com um excessivo pendor de generalização (caso das medidas propostas relativamente a concursos e a mudanças de categoria), ainda que a legalidade da sua aplicação directa às instituições do ensino superior seja fortemente questionável, irá introduzir grande incerteza jurídica e elevada insegurança quanto ao futuro profissional de muitos docentes, absolutamente contrárias ao ambiente indispensável às actividades de formação e de criação. Referimo-nos, em particular, ao caso dos docentes cuja passagem de um contrato a termo certo, a um contrato por tempo indeterminado, depende apenas da conclusão dos seus doutoramentos.

Pretende o Governo, depois de a lei lhes assegurar tal direito, pô-lo em causa, com as consequências da prorrogação por um tempo indefinido da sua condição de precariedade, permitindo ainda que interpretações jurídicas ínvias levem algumas instituições a pretender fazer cessar os contratos desses docentes?

Outras mudanças de escala indiciária por obtenção de qualificações

As medidas propostas afectarão também a situação salarial futura daqueles que venham a obter o título de agregado e também a dos que, no Politécnico, obtenham, enquanto assistentes, o mestrado ou o doutoramento.

É intenção do Governo desincentivar os docentes a adquirirem melhores qualificações, impedindo-os de transitarem, caso sejam aprovados, para a escala indiciária correspondente?

Todas estas matérias necessitam de V. Exa. um esclarecimento urgente. Estamos cientes do momento grave que o país atravessa. Entendemos, porém, que as medidas a tomar têm que ter em conta o interesse nacional, designadamente no se refere a sectores estratégicos para a ultrapassagem da crise, como é o caso do Ensino Superior. Por outro lado, nesta emergência, não podemos aceitar o vale tudo, na ânsia de reduzir a despesa pública, espezinhando direitos adquiridos e desrespeitando as leis e a própria Constituição.

Por tudo isto, vimos solicitar a V. Exa. uma reunião com carácter de urgência, de forma a podermos apresentar de viva voz estas nossas apreensões e de ouvirmos do Senhor Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior uma palavra sobre elas.

Com os melhores cumprimentos

    O Secretariado Nacional

    João Cunha Serra
    Coordenador do Departamento
    do Ensino Superior e Investigação