Ciência
Regulamento sobre avaliação e financiamento das unidades de investigação

FENPROF apela à FCT para que prolongue o período de debate público

14 de março, 2013

Notas sobre projecto de regulamento de avaliação e financiamento de unidades de investigação

FENPROF apela à FCT para que prolongue o período de debate público de tão importante regulamento e avança com algumas notas de apreciação.

1. Os sindicatos não foram explicitamente convidados a participar neste debate. É demonstrativo de uma forma de encarar o papel dos sindicatos por este governo: só ouve os sindicatos sobre matérias (e nem sempre!) que a lei determina que são de negociação obrigatória.

Só uma visão muito estreita, ou tendenciosa, sobre o papel dos sindicatos pode considerar que uma matéria como o financiamento das unidades de investigação está fora do âmbito das organizações representativas dos professores e investigadores. Desde logo, porque o financiamento condiciona a investigação que se pode realizar, e desta depende o desenvolvimento da carreira dos professores do ensino superior e dos investigadores científicos.

Neste domínio, como em outros, os sindicatos, e em particular os sindicatos da FENPROF, oferecem um espaço de debate alargado e cooperativo, menos condicionado pelos interesses particulares de cada grupo e centro de investigação, entidades que, naturalmente, participarão no debate procurando o melhor para as suas unidades.

2. Assim sendo, e apesar de não termos sido convidados, pretendemos participar neste importante debate sobre a avaliação e financiamento das instituições de investigação, apresentando não só “comentários e sugestões sobre a proposta de regulamento para avaliação e financiamento das instituições de investigação”, como solicitado pela FCT à comunidade científica, mas também introduzindo críticas mais gerais à política e à ideologia em que assenta a proposta.

3. O período de debate oferecido à comunidade científica, 2 semanas, de 28 de Fevereiro a 13 de Março, é muito curto. A este propósito, convém lembrar que a Secretária de Estado da Ciência nos anunciou (ver SUPNOTÍCIAS de Abril 2012) que o modelo do concurso (assim lhe chamava então) seria posto a discussão pública até ao Verão (de 2012), pretendendo que os moldes e as regras do concurso ficassem definidas até ao final do ano (de 2012, ou seja cerca de 6 meses depois). As avaliações decorreriam durante o ano de 2013, produzindo efeitos a partir de 2014. Para o ano de 2013, foi definido um modelo de financiamento de transição que, como se sabe, significou um corte médio da ordem dos 25% relativamente ao financiamento do ano anterior.

Para manter a última parte do calendário, com a avaliação em 2013, não tendo sido capaz de apresentar uma proposta a tempo, a FCT reduz o período de debate a 2 semanas, um período notoriamente insuficiente.

No caso da FENPROF, ao não ter sido informada directamente, perderam-se mais uns dias, reduzindo ainda mais o tempo de discussão. Tratando-se de uma federação sindical de âmbito nacional, tornou-se impossível efectuar um debate profundo neste período.

A FENPROF apela à FCT e à Secretaria de Estado da Ciência que, a bem do debate democrático, estenda o período de debate de público.

A FENPROF enviará as suas opiniões detalhadas sobre o documento em causa, num prazo razoável. Para além de as enviar à FCT, aproveitará a reunião que o Ministro mais tarde ou mais cedo irá realizar com a FENPROF, para apresentar e discutir as questões politicamente mais relevantes.

Entretanto deixam-se aqui umas primeiras notas para reflexão.

I. Importa ter presente que, independentemente do regulamento em concreto, o Governo pretende, com este processo de avaliação, forçar uma “reconfiguração da rede nacional de instituições de investigação”, como descrito no preâmbulo da proposta. E como o Presidente da FCT tem explicado nas suas intervenções em várias instituições do ensino superior, esta reconfiguração tem como um dos seus objectivos a redução significativa do número de unidades de investigação financiadas. Mais do que avaliar, este “exercício de avaliação” vai seriar as unidades de investigação que vão continuar a ser financiadas, ou seja, muito provavelmente, as que vão continuar a existir.

II. Constituindo, portanto, um mecanismo de seriação que vai reconfigurar a rede nacional de Ciência e Tecnologia, é, no mínimo, duvidoso que a decisão seja delegada, no fundamental, em painéis ditos independentes e compostos por peritos de instituições estrangeiras.

Reconhecendo a importância de, num país com a dimensão do nosso, a avaliação do trabalho científico ser efectuada por especialistas menos susceptíveis de estarem comprometidos com as equipas que avaliam, não acompanhamos mecanismos que ofereçam a esses painéis um poder sobre o sistema de ciência e tecnologia superior ao dos poderes democraticamente eleitos. Há decisões que, por imperativos democráticos e de desenvolvimento nacional, têm que ser assumidas por órgãos legitimados pelo voto popular e a quem se possam pedir responsabilidades.

III. Este processo de avaliação vem reforçar aquilo que poderemos designar de projectalização da investigação científica.

A metodologia agora proposta transforma os centros de investigação, entidades que se desenvolveram e consolidaram ao longo dos últimos 20 e poucos anos, em estruturas voláteis que se criam e desaparecem ao ritmo dos ciclos de avaliação.

Subjacente a esta proposta, está uma política e uma ideologia assentes na precarização de todo o tipo de vínculos. A projectalização está para as unidades de investigação como a precariedade para os trabalhadores. É uma das faces da ideologia dominante, que alguns designam por neoliberal, para quem instituições e respectivos trabalhadores devem ser o mais flexíveis e descartáveis possível.

IV. O sistema de avaliação dos centros de investigação baseava-se até aqui no trabalho efectuado no passado. Apesar de todos os defeitos e de justificadas críticas, este sistema permitia a existência de critérios potencialmente objectivos com base num período longo de avaliação, e que compreendia para além de critérios mais objectivos como produção científica de artigos, patentes, orientações científicas, visitas aos centros. Estas visitas permitiam aos avaliadores estrangeiros uma melhor compreensão da realidade diversa e concreta dos diferentes centros, bem como aos investigadores dos centros discussões com os avaliadores.

O novo sistema, baseando-se mais na avaliação de um projecto de intenções para o futuro torna-se muito mais subjectivo. Permite ao Governo reduzir o financiamento da investigação, alegando que só financiou os projectos competitivos.

V. Esta subjectividade está já a gerar muitas dúvidas e apreensões na comunidade científica. O regulamento regula pouco e deixa muito ao critério dos avaliadores. Desconhecendo as regras, equipas e investigadores procuram adivinhar quais serão os critérios dos avaliadores, o que será ou não valorizado, quais serão as propostas ganhadoras. Numa visão ingénua, a reconfiguração da rede irá sorrir àqueles que melhor souberem interpretar sinais e adivinhar o pensamento dos especialistas, algo semelhante a um jogo de sorte e azar.

Os mais avisados, porém, hão-de desconfiar: a subjectividade tende normalmente a favorecer os mais consolidados e os mais próximos dos poderes.

VI. Este processo de seriação induz, é esse o objectivo, o aumento da competição entre as diversas unidades de investigação. A desregulamentação patente na proposta de regulamento tornará esta competição mais selvagem. É uma outra face da ideologia dominante, onde impera uma lógica social-darwinista, em que o princípio da competitividade se sobrepõe ao da cooperação, da coesão nacional e do equilíbrio das regiões, nomeadamente no que à política científica diz respeito.

VII. O método de financiamento do passado, embora cheio de problemas, tinha o condão de atribuir a muitos centros um financiamento regular, plurianual, que, não sendo na maior parte dos casos muito elevado, permitia mesmo assim a manutenção de alguma actividade e corrigir o rumo na eventualidade da não obtenção de financiamento em contextos competitivos. Para além deste aspecto de sobrevivência básica em circunstâncias negativas, o facto de ser plurianual e estabelecido com base na actividade passada, permitia aos centros assumirem o risco de lançarem áreas de investigação exploratórias, oferecerem condições aos seus investigadores mais jovens para estabelecerem equipas, entre outros aspectos.

Apesar dos problemas e dos muitos incumprimentos, a verdade é que o sistema actual produziu resultados positivos na investigação nacional, permitindo algum um equilíbrio na distribuição das verbas pelas várias as áreas de saber, em pé de igualdade em termos de dignidade e importância. Em vez de procurar corrigir os erros do modelo actual, aumentando a sua transparência e a sua previsibilidade, o que este regulamento e a política de que decorre podem provocar é o desabar dos seus alicerces, comprometendo o trabalho de muitos anos de centros de investigação que não venham ser financiados e, assim, os resultados científicos que de há vários anos para cá vêm crescendo de forma sustentável.

13/03/2013

O Departamento do Ensino Superior e Investigação