Nacional

Intervenção de Mário Nogueira em Coimbra

01 de fevereiro, 2014

AÇÃO NACIONAL DESCENTRALIZADA

COIMBRA, 1 FEVEREIRO 2014

Amigos e Camaradas,

Podíamos hoje ter ficado em casa, não nos incomodarmos com o protesto, fingirmos que as coisas estavam todas a correr dentro da normalidade e, por isso, deixarmos correr, ainda mais quando é isso que o governo e os partidos que o apoiam mais desejam que aconteça… mas nós não ficámos.

Ainda que tivéssemos consciência de que as coisas, afinal, não estão como eles dizem, gostariam os governantes que nos resignássemos, que reconhecêssemos a tal inevitabilidade de que falam e, portanto, não viéssemos agora exigir a mudança de políticas e, até, veja-se bem, ter a ousadia de exigir a demissão do governo por ele ser mais um grave problema em cima dos muitos problemas que afetam Portugal e os portugueses.

Há quem afirme, repetidamente, que os Sindicatos já não fazem falta, como se a repetição de um desejo pudesse transformar-se em realidade… mas não pode. Os que tal afirmam são os mesmos que já há muitos anos diziam que os Sindicatos não aguentariam o dobrar do milénio e afinal, 14 anos depois, os Sindicatos continuam a ser, para muitos trabalhadores, âncoras de esperança e alavancas de transformação social que, essa sim, inevitavelmente, irá acontecer.

Dizia-nos há dois dias, em reunião, um membro do gabinete do Primeiro-ministro, que, se era verdade que as coisas não estavam bem, o problema é que ninguém no passado pensou no futuro ou imaginou que se poderia chegar a este ponto. E nós perguntamos: mas foram os trabalhadores que provocaram a situação que hoje vivemos, ou foram aqueles que nunca quiseram abrir mão dos seus privilégios, que se meteram em negócios desastrosos para Portugal – como as PPP, os contratos swaps, os BPN’s e outras escandalosas negociatas – e que agora, lavando as mãos e assobiando para o lado, ainda acusam os trabalhadores de terem vivido acima das suas possibilidades e, assim, justificam o regime de ferro e fogo que lhes está a ser imposto? O que, na verdade, nunca se pensou é que, 40 anos depois da Revolução de Abril, e, por isso, num período em que a Democracia, no nosso país, já deveria estar consolidada, pudéssemos assistir:

- À repressão que existe nos locais de trabalho para eliminar direitos laborais e sociais, muitos deles correspondendo a conquistas de Abril que deveriam ser irreversíveis;

 

- Ao aumento do desemprego e à generalização da precariedade a um ponto que está a ditar um novo surto de emigração, desta vez atingindo sobretudo os jovens que são os quadros mais qualificados do país, em quem Portugal investiu e que a direita que governa desperdiça;

- Ao boicote à negociação coletiva como forma de restituir e reforçar o poder discricionário e autoritarista de patrões que não param de exigir mais exploração e maior empobrecimento dos trabalhadores para seu gáudio e benefício.

- A um verdadeiro conluio entre o grande patronato e um governo que, contando com o apoio efetivo do Presidente da República, usa o aparelho do Estado para levar o mais longe possível a aplicação de medidas que servem os interesses dos grupos económicos que os partidos no poder representam, com graves prejuízos para a vida dos portugueses e para a economia nacional.

Deem as voltas que derem, não há “saídas limpas” desta crise, ao contrário do que afirmam os governantes, porque há uma dívida que se tornou impagável, juros que não são comportáveis e Portugal está amarrado a um Tratado Orçamental que, ao prosseguir os mesmos objetivos contidos no memorando que as troikas, nacional e estrangeira, assinaram, obriga o país a prosseguir uma política que corta no investimento, destrói a produção nacional e agrava a exploração, o empobrecimento e as desigualdades, tornando ainda mais profunda a injustiça social.

Portugal está pior, ainda que os governantes queiram que os portugueses acreditem no contrário. Repetem-nos, e até montaram uma enorme campanha de propaganda nesse sentido, que há sinais positivos que nos provam que o país está melhor e que isso, alegadamente, se deverá à ação do governo e à ajuda da troika. E nós perguntamos: Está melhor para quem?

Está melhor um país cuja dívida, desde que a troika foi chamada, passou de 94% do PIB para quase 130% e em que o desemprego passou dos 11 para quase 18%?

Está melhor um país que, em 2011, pagou 4.800 Milhões em juros e em 2014 pagará 7.300 Milhões?

Está melhor um país cujo agravamento da taxa de desemprego se disfarça à custa dos milhares de jovens que são empurrados para a emigração e dos milhares de trabalhadores que são desviados para os programas ocupacionais? Um país que, em apenas 3 anos, viu destruídos 700 mil postos de trabalho?

Está melhor um país que aumenta as exportações à custa da desvalorização do custo do trabalho e em que as principais empresas exportadoras têm as suas sedes no estrangeiro para não pagarem aqui os seus impostos?

Está melhor um país que desce o seu défice à custa de sucessivos e cada vez maiores roubos que são cometidos sobre quem tem salário a partir dos 675 euros, e pensão acima de 1.000 euros?

Que melhoria e que rumo tem um país que, para poder continuar a pagar a agiotas e a dar à luz novos multimilionários, o faz à custa de milhares de famílias desempregadas, de milhares de crianças que chegam com fome à escola e de inúmeros doentes a quem são negados tratamentos?

Infelizmente, para a generalidade dos portugueses, o país está muito pior e escusam os governantes de falar em “saídas limpas” que a única saída limpa que, neste contexto, poderá acontecer, é a saída urgente deste governo, a dissolução da Assembleia da República e a convocação de eleições antecipadas.

Podemo-nos perguntar se a saída do governo, por si só, irá resolver os graves problemas que hoje vivemos e nós respondemos que, na verdade, a mudança do governo não garante, só por si, a profunda mudança política que é necessária. Mas de uma coisa podemos estar certos: com este governo não há mudança possível e o caminho será sempre em sentido descendente.

Como a CGTP tem vindo a afirmar, a solução para a situação que vivemos, passa, necessariamente:

- Pela renegociação da dívida nos seus prazos, é verdade, mas também nos juros e montante;

- Pelo aumento de salários e pensões, criando, assim, condições para a dinamização da economia nacional;

- Pela defesa das funções sociais do Estado, desde logo a Saúde, a Educação e a Segurança Social;

- Pela garantia de uma política fiscal justa, pois é profundamente injusta aquela que nos é imposta, em que, sobre quem trabalha abate-se uma elevada carga fiscal, tal como sobre os aposentados e reformados, enquanto, aos grupos económicos e à banca são concedidos inaceitáveis benefícios e perdões fiscais.

Uma nota mais, a finalizar, ao contrário do que afirmam alguns governantes estrangeiros, sobretudo os alemães, não é verdade que os portugueses tenham vivido acima das suas possibilidades. O que é verdade é que eles, a Alemanha e não só, mas, sobretudo, o país da senhora Merkel, tem vivido em cima das nossas possibilidades e dos nossos direitos, como se confirma pela redução de 4 anos na idade para a reforma quando, aos portugueses, se impõem cada vez mais anos, com a ameaça da insustentabilidade dos regimes de Segurança Social e com a conversa do aumento da esperança de vida. Se deixarmos que isto resvale por este caminho, poderemos, um dia, encontrar, à entrada da nossa rua, um slogan de má memória: “O trabalho liberta”.

Portanto, em mais um dia em que quisemos tornar público o nosso protesto, em nome da CGTP quero

- Saudar todos os trabalhadores, do setor privado, público ou empresarial do Estado que, com coragem e determinação, nunca desistiram de lutar;

- Apelar a todos os jovens, aos trabalhadores no ativo, desempregados ou reformados para que continuem a exigir respeito pelos seus direitos e a defenderem os seus legítimos interesses;

- A todos os portugueses para que se envolvam, este ano de forma ainda mais empenhada, nas comemorações do 40.º Aniversário do 25 de Abril e do 1.º de Maio em Liberdade;

- Que contribuam para que a semana de 8 a 15 de março seja mais uma semana de grande protesto e luta pela resolução dos problemas que afetam a vida dos trabalhadores, em defesa das funções sociais do Estado e dos serviços públicos e pela demissão do governo. Os locais de trabalho e as ruas deverão, nessa semana, ser espaço privilegiado do nosso protesto.