Nacional
Mário Nogueira

As mudanças na Função Pública e a resposta dos Sindicatos e dos Professores

15 de março, 2010

O tema da modernização da Administração Pública (AP) é hoje muito invocado e sempre que a abordagem é feita pelos governantes, invariavelmente, em nome e uma dita agilização, descobre-se que modernização é sempre sinónimo de desregulação, de externalização de serviços, de redução ao mínimo da variedade de respostas que esta deverá dar. O chavão “menos estado, melhor estado” está sempre presente. Neste discurso encontramos também referências a um alegado excessivo número de trabalhadores e uma incansável repetição de uma mentira que não passa a ser verdade por ser repetida: que a despesa com os trabalhadores da AP, ou seja, o investimento em recursos humanos no sector público é uma das principais causas do deficit público e do endividamento do País.

Tudo isto é falso, tudo isto é fado, tudo isto é discurso político dos novos liberais que, nessa matéria, estão de mãos dadas com os novos sociais-democratas de uma Europa em que as políticas de uns e de outros se confundem cada vez mais, formatadas que estão por uma matriz que é imposta pelo poder de Bruxelas.

Uma matriz que, como se assistiu recentemente em relação à Irlanda, a bem ou a mal é para respeitar e que em Portugal, para que não se corressem riscos, o anterior governo de Sócrates decidiu dar o feito por não dito, e passou ao lado de qualquer consulta aos portugueses, como se comprometera.

Quando falamos em AP estamos a falar de serviços que deverão ser prestados pelo estado aos cidadãos, no quadro da assunção das suas responsabilidades sociais, sabendo-se que estas deverão ser correctoras de assimetrias e dar respostas adequadas em áreas importantes da vida em sociedade como a Educação, a Saúde, a Segurança Social, a Justiça, entre outras.

No seu afã de alijar responsabilidades e reduzir as funções sociais que lhe estão atribuídas, várias têm sido as tentativas de, em nome da modernização, limitar essas responsabilidades a um grupo de áreas ditas essenciais como são a defesa, a segurança interna ou a representação diplomática. Esta “modernização”, concretizada através da chamada reforma da AP, corresponde a um inaceitável projecto de subversão constitucional e social. A redução da AP à sua expressão mais simplificada tem por objectivo a transferência de bens públicos para as mãos de interesses privados, e se esse caminho já está a ser percorrido em domínios como a energia ou as comunicações, o tempo agora é de alargar tais procedimentos à Educação, à Saúde e à Segurança Social, áreas que representariam, se caíssem nas mãos dos operadores privados, novos e muito lucrativos mercados.

Esta estratégia de desresponsabilização atravessa, de momento, a fase de embaratecimento e desregulação dos serviços. Perante a impossibilidade de reduzir o número de trabalhadores, o procedimento passa agora por impedir que ingressem nos quadros e, dessa forma, ingressem nas carreiras. No caso da Educação, por exemplo em 4 anos, o Governo reduziu em 35.000 o número de docentes contratados. Isto é, o governo paga o elevado preço da instabilidade, que tem impacto na qualidade, para reduzir os custos no sector, o que é lamentável. E leva isto a um extremo tal, que mesmo anunciando que, na AP, por cada 2 trabalhadores que se aposentem só entra 1 no quadro, nos professores, nos últimos 3 anos, só por cada grupo de 36 aposentados é que 1 teve acesso ao quadro, elevando a precariedade para níveis preocupantes.

O embaratecimento dos serviços passou, quase só, pelo embaratecimento da mão de obra, por via da saída precoce de trabalhadores, da proliferação dos contratos individuais de trabalho, do desmantelamento de carreiras profissionais, da não contagem de tempo de serviço prestado ou do congelamento de salários… mas não fica por aqui a dita modernização. Quando a opção não é pela privatização, recorre-se à externalização do serviço ou à transferência para níveis, como o autárquico, que depois vão contratualizar com entidades privadas.

Por fim, a propalada reforma da Administração Pública tem passado pela degeneração e perversão de serviços públicos, introduzindo modelos ditos empresariais e lógicas predominantemente lucrativas (como o pagamento de taxas ou propinas, o aumento dos descontos e a redução das prestações) que conduzem à subversão do modelo constitucional, por via do esvaziamento das funções sociais do Estado.

O que está, pois, em causa, em todo este processo, não é a concretização de qualquer reforma que possa levar à valorização da AP e à melhoria dos serviços que presta. Pelo contrário, a tentativa de reduzir o Estado a funções meramente financiadoras e pretensamente reguladoras traduz um efectivo esvaziamento do Estado social de direito democrático, como Estado-Providência e ao serviço dos cidadãos.

Os portugueses em geral e os trabalhadores da AP em particular deverão continuar a lutar por uma Administração Pública moderna, descentralizada, desburocratizada, transparente e responsável ao serviço dos cidadãos, no fundo, que assuma e desenvolva o preceito constitucional.

Propostas do movimento sindical

Nesse sentido de verdadeira modernização da administração e do aparelho de Estado, e porque não tem uma visão imobilista e retrógrada da Administração Pública, o movimento sindical tem apresentado propostas que passam:

- por uma gestão democrática, responsabilizadora e rigorosa dos serviços e pela transparência na sua organização e no seu funcionamento;

- pelo rigoroso cumprimento das leis e da Constituição da República Portuguesa no que concerne às atribuições do Estado e às suas funções sociais. Na Educação, por exemplo, exige-se um investimento efectivo na Escola Pública e não, como tem acontecido, uma despesa crescente com o privado;

- pela descentralização administrativa através, principalmente, de um processo de regionalização democrática do país, que tarda, e do reforço das autonomias regionais;

- pela valorização do poder local democrático, sendo necessário que a cada transferência de novas competências corresponda a atribuição de novos e mais recursos;

- pelo respeito pelos princípios de participação, desburocratização e responsabilização;

- Pela desgovernamentalização da AP com o reforço da autonomia dos serviços que se deverão sujeitar a balanços e avaliações sistemáticos, tanto dos organismos, como do desempenho, em primeiro lugar, dos seus dirigentes;

- pela consideração e assunção da formação profissional como um investimento indispensável à modernização da AP e ao aumento da qualificação dos seus trabalhadores e dos seus quadros;

- pela valorização, dignificação e qualificação das funções públicas e de todos e todas que as exercem.

É necessário que saibamos unir esforços

Aos sindicatos de professores e aos docentes exige-se um envolvimento muito grande na defesa dos princípios antes referidos e, dessa forma, em defesa da Escola Pública. É um desafio que aos professores se coloca, sendo possível obterem-se resultados positivos, mas para isso é necessário que todos compreendam que será impossível cada um por si, isolado no seu sector, resistir ao ataque que está a ser desferido contra a AP no seu conjunto e ainda conseguir alterações que sejam de sentido positivo.
É necessário que saibamos unir esforços, criar espaços de convergência e desenvolver uma acção concertada entre todos os trabalhadores. Aos Sindicatos competirá fazer perceber, a quem representam, o que está em causa, organizar a resistência e avançar com propostas concretas que constituam verdadeiras alternativas, não só ao que existe, mas, sobretudo, ao que as políticas governativas pretendem que venha a existir. Não é fácil esta luta, mas é indispensável e inadiável.

Mário Nogueira
Secretário-Geral da FENPROF

Texto da intervenção na iniciativa "Novos desafios aos profissionais de Educação na Europa", organizada pelo SPGL, no passado sábado, dia 13, em Lisboa. O Secretário Geral da FENPROF participou na sessão subordinada ao tema "As mudanças na função pública e a resposta dos sindicatos e dos professores".