Nacional
Documentação entregue a todos os parceiros sociais e ao Governo inclui, para além de uma Declaração, as posições da Central sobre o "Eixo1" das propostas do Código de Trabalho.

Declaração e Propostas que a CGTP-IN levou à reunião da Concertação Social de 12 de Maio

12 de maio, 2008

Declaração

O documento apresentado pelo Governo sobre a Reforma das Relações Laborais traduz-se basicamente num conjunto de posições de partida na área da legislação laboral, da protecção social e das políticas activas de emprego, destinadas a serem apreciadas e discutidas pelos Parceiros Sociais em sede de concertação social.

Este documento contém um determinado número de propostas gerais e abstractas em diversas áreas, umas mais pormenorizadas do que outras, mas todas elas ainda formuladas em termos suficientemente vastos e genéricos, para delas poder ser feita uma multiplicidade de interpretações diversas.

Neste contexto, em resposta ao documento do Governo e na sequência das discussões mantidas em concertação social, a CGTP-IN propõe-se dar o seu contributo, apresentando oportunamente as suas reflexões, observações e posições de princípio sobre todas as matérias em apreciação e outras que considere deverem ser igualmente objecto de discussão.

Por outro lado, à medida que o Governo for colocando em cima da mesa textos e propostas com maior grau de concretização, também nós passaremos a conferir aos nossos documentos um carácter mais concreto e apresentando propostas concretas.

Sempre sem prejuízo, obviamente, de reservarmos uma tomada de posição definitiva para a fase de discussão dos futuros projectos de diploma, devidamente articulados, pois só nessa fase será possível determinar em que medida as propostas apresentadas são consagradas na futura lei.
Lisboa, 12 de Maio de 2008


Eixo 1
Aumentar a adaptabilidade
das empresas

Introdução

Em primeiro lugar, a CGTP-IN pretende deixar bem claro que no que toca à flexibilização da organização do trabalho não abdicará de um conjunto de princípios que, em seu entender, devem fundamentar e orientar qualquer reflexão ou discussão em torno deste tema, designadamente:

  • Qualquer tipo de flexibilidade ou mobilidade tem que ser estabelecida e regulada por via da contratação colectiva;
  • A flexibilização do tempo de trabalho não pode implicar qualquer redução salarial para os trabalhadores;
  • O princípio da conciliação da vida pessoal e familiar com a vida profissional tem que ser sempre considerado.

Por outro lado, entendemos também que não é possível discutir a legislação laboral e a sua alteração, seja qual for o tema, sem abordar a questão da efectividade das normas laborais.

O incumprimento das normas em vigor que grassa na maior parte das empresas e o sentimento de impunidade em relação às condutas ilícitas assumidas pelos empregadores e que tem origem na ausência de fiscalização adequada e nos graves défices de actuação da Inspecção Geral do Trabalho (agora ACT), é completamente inaceitável num Estado de Direito.

O actual cenário de incumprimento e inefectividade das normas laborais constitui, aliás, um grave obstáculo a uma discussão séria em torno da alteração das leis laborais, na medida em que estamos a partir de uma realidade viciada ? o quadro legal que se pretende discutir e alterar não corresponde ao quadro real que se vive no quotidiano das empresas e do mercado de trabalho e a tentação de legitimar práticas ilícitas é muito grande e está bem patente nas propostas do Governo, mas deve ser combatida a todo o custo.

Finalmente, a CGTP-IN entende que o pano de fundo sobre o qual se deve desenvolver toda a discussão das reformas laborais é a contratação colectiva, direito fundamental dos trabalhadores consagrado no artigo 56º da Constituição da República e internacionalmente reconhecido em múltiplas normas internacionais, designadamente nas Convenções da OIT, enquanto acervo de direitos sociais e laborais e instrumento de progresso social.

 

"Adaptabilidades" 
- mobilidades e flexibilidades na organização do tempo de trabalho

A CGTP-IN entende que quaisquer alterações em matéria de flexibilidade do tempo de trabalho e de mobilidade têm que ter em conta os seguintes aspectos fundamentais:

1) Todas as medidas e regras relacionadas com a flexibilidade do tempo de trabalho, bem como com a mobilidade interna e externa, devem necessariamente ser reguladas por contratação colectiva ? a qual deve fixar uma moldura enquadradora nomeadamente quanto aos objectivos, limites temporais de aplicação, conteúdos e participação e intervenção dos trabalhadores ? e nunca mediante negociação individual ou, muito menos, por imposição unilateral da entidade patronal.

Caso contrário, estaríamos perante um reforço desmedido dos poderes patronais nesta matéria, com claro prejuízo dos trabalhadores. Por outro lado, o estabelecimento de flexibilidade de tempo de trabalho e das mobilidades por negociação individual equivaleria ao arbítrio patronal.

Neste sentido, consideramos que as mobilidades (geográfica e funcional) devem ser estabelecidas exclusivamente por contratação colectiva e nunca por estipulação individual. Assim, os artigos 314º, 315º e 316º do CT devem ser alterados de modo a reflectirem esta necessidade, eliminando-se a possibilidade de regular estas matérias mediante estipulação individual.

Finalmente, tendo em conta a proposta apresentada pelo Governo, é também indispensável esclarecer o que significa o "banco de horas" em termos concretos, quais os possíveis fundamentos (organizacionais e estruturais) para a sua criação, quais os limites, como e por quem será gerido, qual a intervenção dos trabalhadores e suas organizações representativas em todo o processo e qual o papel da contratação colectiva.

2) Em segundo lugar, em matéria de flexibilidade do tempo de trabalho e de alteração dos horários de trabalho deve manter-se em aberto o princípio da aceitação de cada trabalhador, não sendo aceitável que a lei a imponha em absoluto por via de decisão maioritária (adaptabilidade grupal).

É necessário ter em conta que este tipo de decisões se relaciona directamente com a conciliação entre a vida profissional e a vida pessoal e familiar dos trabalhadores, o que significa que têm que ser tidos em conta factores externos como os horários de infantários e escolas. Neste caso, não é aceitável que a disponibilidade das maiorias se sobreponha às situações específicas de cada trabalhador ou trabalhadora individualmente considerado, porque de facto estão em causa situações individuais diferentes que têm de ser vistas e solucionadas de modo diferente.

3) A flexibilização do tempo de trabalho não pode implicar nem redução salarial nem realização de trabalho não remunerado. Isto significa que, por um lado, consideramos inaceitável a eliminação do princípio segundo o qual da redução dos limites máximos dos períodos normais de trabalho não pode resultar diminuição da retribuição (actualmente constante do artigo 168º do CT), bem como do princípio da limitação do trabalho a tempo parcial (actual artigo 175º do CT) e, por outro, não aceitamos que a compensação monetária seja substituída por mera compensação em tempo de descanso, por períodos de férias ou licenças não previstas na lei.

A flexibilização do tempo de trabalho não pode ser um pretexto para reduzir os custos do trabalho à custa dos rendimentos do trabalhador.

Em nosso entender, a flexibilização do tempo de trabalho tem que ser vista e discutida como um dos elementos que, em conjugação com vários outros, designadamente uma gestão qualificada, a qualificação e formação dos trabalhadores e o desenvolvimento tecnológico, permitirá às empresas aumentar a sua produtividade e dar resposta aos desafios dos novos mercados, e não apenas como forma de reduzir os custos do trabalho.

4) A flexibilização do tempo de trabalho deve ter em conta os interesses dos trabalhadores, de acordo com o princípio da conciliação da vida pessoal e familiar com a vida profissional.

A conciliação da vida familiar com a vida profissional é um tema de que muito se fala, mas que não tem concretização na realidade quotidiana das empresas e dos trabalhadores.

E as medidas propostas pelo Governo são um bom exemplo disso mesmo. Embora aparentemente vão no sentido de promover a partilha de responsabilidades parentais e a igualdade entre os progenitores, são manifestamente insuficientes até porque se circunscrevem aos períodos de licença de maternidade e paternidade, como se a vida pessoal e familiar e as necessidades de conciliação dos trabalhadores se limitassem ao momento do nascimento e aos primeiros meses de vida dos seus filhos.

A flexibilidade do tempo de trabalho preconizada nas diversas propostas do Governo implica um prolongamento generalizado dos horários e dos tempos de trabalho que não são compatíveis com o dia a dia das famílias e com a necessidade de conciliar quotidianamente a vida profissional com a vida familiar ? os horários dos infantários e das escolas não se adaptam às necessidades das empresas, são sempre os mesmos, e esta realidade não é tida em conta.

A conciliação entre a vida pessoal e familiar e a vida profissional exige mudanças profundas, quer ao nível cultural e em particular no que respeita à cultura organizacional vigente nas empresas, que deve respeitar e proporcionar mais espaço às obrigações familiares dos seus trabalhadores (mulheres e homens).

A legislação laboral deve reconhecer (e depois fazer cumprir) determinados princípios de protecção aos pais e mães trabalhadores, como por exemplo a dispensa de trabalho suplementar e de regimes de adaptabilidade para os trabalhadores com filhos menores de 15 anos e a possibilidade de, a seu pedido, o pai e a mãe não exercerem simultaneamente actividade laboral em regime nocturno ou de turnos, bem como o alargamento das possibilidades de trabalho em jornada contínua ou a tempo parcial, também a pedido do trabalhador.

Direito à formação

· Cláusula de formação

Concordamos com a extensão da cláusula de formação a todos os menores de 18 anos, de modo a condicionar a admissão ao trabalho dos jovens até aos 18 anos, que não tenham concluído a escolaridade obrigatória (9º ano de escolaridade) ou não possuam uma qualificação profissional, à inscrição e efectiva frequência de modalidade de educação ou formação que confira a escolaridade obrigatória e/ou uma qualificação profissional, conforme os casos.

A aplicação do estatuto do trabalhador-estudante a estes casos atendendo aos objectivos visados com esta cláusula, deve ter características especiais, aplicando-se exclusivamente e em todas as situações o regime previsto no artigo 80º, nº 1 do CT ? segundo o qual, o trabalhador estudante deve beneficiar de horários de trabalho específicos, com flexibilidade ajustável à frequência das aulas e à inerente deslocação para os respectivos estabelecimentos de ensino e não podendo o empregador invocar a impossibilidade de aplicação deste regime; devem também ficar dispensados de trabalho suplementar e de horários com adaptabilidade.

Por outro lado, o regime da concessão do estatuto de trabalhador-estudante também deve ser especial nestes casos ? o estatuto é automático, visto que só podem ser admitidos ao trabalho se estiverem a frequentar educação ou formação e é ao empregador que compete fazer a prova do cumprimento deste requisito.

Recordamos que esta cláusula de formação dos jovens se encontra em vigor no nosso ordenamento jurídico pelo menos há sete anos ? ela resultou do Acordo de Formação de 2001 e constava da legislação anterior ao Código do Trabalho, tendo depois transitado para este. Apesar disso, nunca foi objecto de concretização.

Neste contexto, a CGTP-IN entende que é fundamental que sejam criados instrumentos que garantam a efectiva aplicação desta cláusula, bem como o controlo e fiscalização da sua aplicação, nomeadamente por parte da ACT, sob pena de continuar como até aqui a não ser aplicada.

· Formação Contínua

A CGTP-IN concorda com todas as medidas que visem a aplicação e concretização do direito à formação dos trabalhadores, em conformidade com a lei em vigor.

Discordamos de medidas como o alargamento da possibilidade de acumulação dos mínimos anuais de formação e de adaptação das regras de formação para as micro ou pequenas empresas, na medida em que são susceptíveis de retardar e/ou impossibilitar o acesso de muitos trabalhadores à formação.

Tão pouco concordamos com a equiparação da frequência de processos RVCC a formação contínua, na medida em que não se trata aqui maioritariamente da aquisição de novas competências, mas apenas do reconhecimento de competências já existentes, o que está fora da ideia de formação contínua que visa precisamente a aquisição de novos saberes e competências, de forma a que o trabalhador se adapte a novas exigências do trabalho.

Assim, entendemos que neste domínio é essencial, em primeiro lugar, proceder à correcta aplicação das normas em vigor e, em segundo lugar, introduzir algumas aperfeiçoamentos, nomeadamente no que respeita a:

o Clarificação do modo como se concilia a ideia de que uma empresa só está obrigada a conceder, em cada ano, formação a 10% dos seus trabalhadores com o direito individual de cada trabalhador a um mínimo de 35 horas anuais de formação;

o Regulamentação do exercício do direito à formação por iniciativa do trabalhador;

o Concretização das formas de incentivo à participação dos trabalhadores em acções de formação, nos termos da alínea e) do nº1 do artigo 125º do CT, nomeadamente reconhecendo e valorizando a formação em termos de progressão na carreira;

o Clarificação de que as acções de formação contínua devem ocorrer preferencialmente no período normal de trabalho e, quando tal for impossível por razões objectivas devidamente fundamentadas, deverá sempre atender-se e respeitar o princípio da conciliação da vida profissional com a vida familiar, dando-se prevalência às necessidades dos trabalhadores na organização dos horários da formação.
Lisboa, 12 de Maio de 2008