Nacional

Ano lectivo 2006/2007: política educativa do Governo agravou crise na Educação

12 de setembro, 2007

No primeiro dia dos concursos para contratação, destacamento por ausência de componente lectiva e QZPs, também primeiro dia dos recursos ao concurso de titulares (tendo, apenas ao fim da manhã, ficado disponível no site do ME a aplicação electrónica destinada à interposição de recurso das listas de classificação final), a Federação Nacional dos Professores esteve reunida com os jornalistas na sede do Sindicato dos Professores do Norte (SPN), no Porto.
Neste encontro com a comunicação social, a FENPROF fez a avaliação do estado da Educação neste final de 2006/2007 ("extremamente negativa") e apontou linhas de acção a desenvolver já a partir dos primeiros dias de Setembro, incluindo uma campanha de esclarecimento e mobilização dos professores entre os dias 12 e 17. A Federação também "
marcará presença pública no primeiro dia útil de Setembro que é, também, o primeiro dia de desemprego para milhares de professores contratados, alguns com muitos anos de serviço".

"O ME insiste num discurso que desvaloriza a imagem social dos professores. E isso tem uma clara intenção: tornar mais fácil aprovar e impor políticas também elas desvalorizadoras da actividade docente", sublinhou Mário Nogueira, secretário-geral da FENPROF, que alertou para a situação de milhares de professores com "horário-zero" no arranque do próximo ano lectivo.

Também presentes na Mesa da conferência de imprensa: António Avelãs, presidente do SPGL; Abel Macedo, coordenador do SPN; Anabela Sotaia, coordenadora adjunta do SPRC; Joaquim Páscoa, presidente do SPZS; e Margarida Fazendeiro, da Direcção do SPM.
Mário Nogueira sintetizou e comentou a tomada de posição da FENPROF apresentada aos jornalistas e que aqui deixamos na íntegra, já de seguida./ JPO

O ano lectivo 2006/2007 foi extremamente negativo. A crise instalada na Educação continuou a agravar-se e nem o recente anúncio de reequipamento das escolas com material multimédia e informático, ou o desenvolvimento do designado Programa Novas Oportunidades a conseguiram disfarçar, tal a sua gravidade.

Em Portugal, no ano lectivo que terminou, não foi feito qualquer esforço de investimento em Educação, para além da aplicação das verbas comunitárias. De facto, o Governo reduziu para um dos mais baixos valores de sempre, em percentagem de PIB, as verbas para a Educação consagradas em Orçamento de Estado. Ficaram aquém dos 4% do Produto Interno Bruto quando, há mais de 15 anos, no início da década de 90, o então Ministro da Educação Roberto Carneiro considerava indispensável um valor a partir dos 7%. Diversas recomendações internacionais (da UNESCO, da IE, entre outras entidades) apontam, como mínimo aceitável, os 6%.

As principais medidas adoptadas pelo Governo são resultado das suas políticas economicistas e delas advieram motivos de grande preocupação que provocaram protestos de dimensão nunca antes verificada. Acresceu a essa política, a confirmação de uma permanente má vontade da equipa ministerial em relação aos professores e educadores e o prosseguimento de uma verdadeira campanha pública visando degradar a sua imagem social. Essa atitude dos governantes tornou ainda mais difícil a relação com os docentes e fez crescer a insatisfação e o mal-estar que há muito grassam entre os profissionais .

O ano lectivo 2006/2007 fica marcado pelas seguintes medidas:

  • Imposição do Estatuto da Carreira Docente (para os educadores de infância e os professores dos ensinos básico e secundário), pelo qual foram criadas regras muito negativas no que respeita à regulação da relação laboral, ao exercício profissional da docência e às condições de trabalho dos professores. A FENPROF considerou este ECD um insulto e uma verdadeira declaração de guerra aos professores e educadores, apreciações que mantém;

  • Aumento do desemprego e das situações de precariedade e instabilidade dos docentes. A própria ministra anunciou no Parlamento que, em Setembro, mais de 5000 contratados serão despedidos. Dessas medidas resultará, ainda, um aumento das situações de instabilidade para os professores dos quadros (e mesmo de incerteza quanto ao futuro), prevendo-se que, também em Setembro, dispare em flecha o número de "horários-zero". Apesar de a Ministra ter afirmado que os "supranumerários" não se aplicarão aos docentes, a apreensão em relação a essa possibilidade é muito grande. No Ensino Superior mantém-se, igualmente, uma situação de grande precariedade, em especial no Politécnico em que cerca de 70% dos docentes são contratados;

  • Realização de um concurso para professor titular, na sequência da divisão da carreira em categorias hierarquizadas, marcado por irregularidades, injustiças e ilegalidades, mas, ainda assim, levado em frente por um Governo que pretende, apenas, fixar um novo topo de carreira para a esmagadora maioria dos docentes, situado em patamar intermédio da anterior;

  • Insistência num regime administrativo e sem conteúdo pedagógico de substituições de docentes em falta, que constitui um abuso em relação ao horário de trabalho dos professores e tem feito crescer as situações de indisciplina na escola; 

  • Encerramento de mais novecentas escolas do 1.º Ciclo do Ensino Básico, elevando a 2500 as encerradas por este governo em apenas 2 anos;

  • Redução drástica dos apoios devidos às crianças e jovens com necessidades educativas especiais (cerca de 40.000 perderam, este ano, o apoio especializado) e adopção de regras, para o futuro, que não assentam em critérios de ordem pedagógica e contrariam os princípios da escola inclusiva;

  • Promoção desqualificada das designadas Actividades de Enriquecimento Curricular (AEC). O ME tem-se refugiado nas estatísticas relativas à oferta e desvalorizado as que referem os níveis de frequência. No que respeita à apreciação qualitativa das AEC, apenas o ME não se revê na crítica que, generalizadamente, se tem feito ouvir;

  • Municipalização de praticamente todas as responsabilidades inerentes ao ensino básico e intenção, já escrita em documento oficial do Conselho de Ministros, de iniciar a transferência dos docentes para as câmaras municipais até 2009;

  • Alteração do regime de formação dos professores do 2.º Ciclo do Ensino Básico (ilegal, sublinhe-se), alimentando uma linha de desvalorização da formação de professores que em nada contribuirá para o indispensável combate ao insucesso escolar;

  • Desenvolvimento de linhas de privatização do ensino superior público, com a possibilidade de as instituições, ou parte delas, se transformarem em fundações de direito privado. A intencional falta de alternativas a essa transformação, acrescida de um cada vez maior subfinanciamento público, poderão acabar por transformar em inevitabilidade o que se apresenta como possibilidade.

  • Crescente número de situações confusas, marcadas por irregularidades, ilegalidades e trapalhadas de todo o género, relativamente às quais nunca foram assumidas responsabilidades políticas. Daqui resultou um número sem precedentes de recursos aos Tribunais e de apresentação de queixas à Provedoria de Justiça. Destacam-se, neste plano:

    • O despacho ministerial (Despacho 13599/2006) que impôs as regras de organização e funcionamento do ano lectivo,
    • Os concursos para colocação de professores,
    • O já referido concurso para acesso a professor titular,
    • O não pagamento das horas extraordinárias prestadas pelos docentes no serviço de substituição,
    • Os exames dos alunos, um dos momentos mais significativos do ano escolar e de maior importância para o futuro dos jovens. Primeiro, foi a desvalorização que a Ministra fez do acórdão do Tribunal Constitucional na sequência da repetição, apenas para alguns, de exames em 2005/2006; este ano, foram os erros verificados nos exames e a forma incorrecta e irresponsável como o ME "resolveu" o problema.

O FUTURO PRÓXIMO

Os professores estão já confrontados com o processo negocial de regulamentação do ECD. Pelo teor da primeira reunião já realizada, referente à regulamentação das designadas funções técnico-pedagógicas, estamos perante um novo processo de imposição e não de negociação. O ME, nessa primeira reunião, assumiu a postura anti-negocial de sempre, pretendendo que os sindicatos se limitem a ser "correctores técnicos"dos projectos que apresenta e que, no essencial, recusa alterar. O objectivo é sempre o mesmo: agravar as condições de exercício da profissão, precarizar a relação laboral, estabelecer novas formas de punição dos docentes.

Não é de estranhar que a FENPROF afirme que 2007/2008 será um ano de intensa luta. Luta pelo emprego docente, luta pela estabilidade, luta contra o ECD do ME, luta em defesa dos direitos sócio-profissionais dos docentes, luta em defesa da escola pública, luta contra a política de um Governo apostado em poupar na Educação, ainda que à custa da qualidade da escola pública, luta contra práticas governativas que se traduzem em campanhas que visam deteriorar a imagem social dos professores e educadores.

A FENPROF está em condições de afirmar que marcará presença pública no primeiro dia útil de Setembro que é, também, o primeiro dia de desemprego para milhares de professores contratados, alguns com muitos anos de serviço. E que desenvolverá uma campanha de esclarecimento e mobilização dos professores entre os dias 12 e 17 de Setembro, período que corresponde ao de abertura das actividades lectivas nas escolas. A FENPROF empenhar-se-á em dar expressão pública ao Dia Mundial dos Professores (5 de Outubro), comemorado em todo o mundo, sob a égide da UNESCO e da Internacional de Educação, este ano com o objectivo de valorizar as condições de exercício da profissão e que, no nosso país, revestirá também um carácter de afirmação da importância da função docente e de contestação das políticas que a têm desvalorizado. A FENPROF empenhar-se-á na mobilização para a Manifestação Nacional dos trabalhadores portugueses marcada pela CGTP-IN para 18 de Outubro, data prevista para a realização da Cimeira Europeia, em Lisboa, na certeza de que só uma resposta global dos trabalhadores obrigará o Governo a mudar o rumo das suas políticas.

A FENPROF manter-se-á empenhada em trabalhar no âmbito da Plataforma Sindical dos Professores, convergindo com as restantes organizações sindicais, sempre que for possível definir objectivos comuns para a acção e a luta.

O VIOLENTO ATAQUE AOS DIREITOS SINDICAIS

O final do ano está marcado por um fortíssimo ataque a um dos pilares fundamentais da democracia: o ataque furioso e revanchista aos Sindicatos e aos direitos sindicais dos trabalhadores.

O Governo, dando indícios de lidar mal com as regras da Democracia, decidiu punir aqueles que têm resistido às suas políticas negativas, que as têm combatido e têm conseguido provar que há alternativas: os Sindicatos. Para além de reduzir os direitos sindicais, limitando a participação em reuniões, o Governo ataca as direcções sindicais e os seus dirigentes são penalizados profissionalmente, numa clara afronta à própria Constituição da República Portuguesa.

Essa atitude persecutória do Governo e a pressa do ME em antecipar a aplicação de uma lei que a Assembleia da República ainda não aprovou, envergonham a Democracia e são motivo de preocupação de todos os democratas portugueses.

A FENPROF tudo fará no sentido de denunciar, quer no plano nacional, quer internacional, este atentado perpetrado por um Governo do PS que age à revelia dos mais elementares princípios democráticos.

AVALIAÇÃO FINAL GLOBAL

A avaliação que a FENPROF faz do estado da Educação, neste final de 2006/2007, é extremamente negativa. E nesta avaliação não entrou em linha de conta um conjunto de outros aspectos, muito relevantes, como as medidas e políticas mais abrangentes que têm ou terão um forte e negativo impacto na Educação, por dificultarem ainda mais o funcionamento das escolas e a estabilidade dos professores. As leis propostas pelo governo e aprovadas pela maioria parlamentar, que põem em causa os serviços públicos e destroem vínculos laborais, esmagando direitos dos trabalhadores, encontram-se nesse conjunto muito negativo que dá corpo à natureza neoliberal e ao conteúdo anti-social das políticas governativas.

É já hoje indisfarçável a desilusão de todos quantos, há dois anos, se quiseram libertar das políticas da direita, então desenvolvidas pelos governos de Durão Barroso e de Santana Lopes. O actual governo não só as prosseguiu como, em muitos casos, as aprofundou, sendo exemplo as intenções já manifestadas sobre a revisão do Código de Trabalho, o continuado encerramento de serviços públicos, a perda progressiva de poder de compra, a degradação das pensões de aposentação ou a liquidação de direitos conquistados nos mais de 30 anos de democracia. Na Educação, o futuro torna-se ainda mais preocupante, na medida em que, como é do domínio público, a actual equipa ministerial encontra-se descredibilizada e, também por essa razão, incapaz de responder positivamente aos exigentes desafios que se lhe colocam.

Foi justa toda a luta que os professores, com os restantes trabalhadores, desenvolveram em 2006/2007. Uma luta que terá de continuar e de crescer em dimensão, pois só assim será possível alterar o rumo negativo das políticas do Governo. O dia 18 de Outubro, como antes se referiu, deverá ser uma grandiosa jornada de luta de todos os trabalhadores, no qual a FENPROF se envolverá de forma empenhada.

No que respeita ao progressivo e visível empobrecimento da nossa democracia, que resulta da própria acção do Governo, a FENPROF, assumindo as suas responsabilidades sociais e políticas, continuará a contribuir para a consolidação e aprofundamento do Estado Democrático exercendo, sem hesitação nem medo, todos os direitos e liberdades que o 25 de Abril de 1974 devolveu aos portugueses e às portuguesas.